Ameaçada de morte, vereadora de Niterói afirma: “Não vou recuar”

A vereadora Talíria Petrone é vítima de ataques racistas e ameaças. Foto: Reprodução do Facebook

Por Tatiana Merlino.

Negra nojenta”, “volta para a senzala”, “para mim, tem que ser exterminada”, “essa merece uma 9 milímetros na nuca”. Esses são alguns exemplos de ataques racistas e ameaças nas redes sociais que Talíria Petrone (PSOL), vereadora de Niterói, é alvo desde que assumiu uma vaga na Câmara dos Vereadores da cidade da Grande Rio de Janeiro.

Na verdade, a perseguição começou junto com a campanha, de slogan “Por uma Niterói negra, popular e feminista”, mas o tom subiu quando ela se elegeu com a maior votação do pleito de 2016, sendo a mulher mais votada para a Câmara de Niterói em todos os tempos, com 5.121 votos.

Amiga, companheira de partido e de militância de Marielle Franco, morta com quatro tiros na cabeça em 14 de março junto com o motorista Anderson Gomes, Talíria também é mulher, negra, feminista e atua na denúncia de violência policial. Diferentemente da amiga assassinada, que nunca havia sido ameaçada, Talíria é vítima de ataques que não cessaram após a morte de Marielle, que completa um mês.

No início de 2017, a sede do partido em Niterói foi invadida por um homem armado que procurava a vereadora. As pichações no local são tão frequentes que funcionários do partido mantêm latas de tinta para que as ofensas sejam apagadas.

Em 14 de novembro, quatro meses antes do assassinato de Marielle, as ameaças chegaram ao seu auge. “Quero o telefone da piranha que o povo elegeu”, dizia um homem ao telefone, em ligação à sede do PSOL em Niterói, referindo-se à Talíria. Também disse que explodiria uma bomba em alguma das reuniões nas quais ela estivesse presente. “Ele ligou sistematicamente das 10 da manhã às 7 da noite querendo meu telefone, dizendo que ia me matar, que ia jogar uma bomba”, relembra Talíria, em entrevista a CartaCapital.

O PSOL registrou queixa no 76 DP de Niterói e no final de março deste ano a Polícia Civil identificou e interrogou o homem que ameaçou a vereadora. Seu nome não foi divulgado, mas a polícia confirmou que ele admitiu ter feito as ameaças por “motivos políticos”.

“Em seu depoimento, esse homem disse que fez isso pois ficou com raiva ao ver uma postagem na página do [vereador Carlos] Jordy e resolveu ligar. Isso deixa claro como há um setor político que defende ódio e violência”, afirma Talíria.

Jordy, vereador pelo PSC, é aliado do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL/RJ). Para ela, “o problema não é esse homem em si, mas um setor organizado, que por meio de figuras públicas, que usam cargos parlamentares para incentivar e reafirmar ódio”.

Próxima a morrer

As perseguições seguem. Depois da morte de Marielle, foram compartilhados vídeos de Talíria acompanhados de mensagens como: “já mataram uma defensora de bandido, essa é a próxima a morrer”.

No vídeo, a vereadora fala no plenário da Câmara Municipal de Niterói sobre uma operação do Exército e da Polícia Civil no Complexo do Salgueiro, favela de São Gonçalo, cidade vizinha a Niterói, em novembro passado, que resultou na morte de oito pessoas.

Talíria chamou o episódio de “chacina”, pediu um minuto de silêncio pelas vítimas e defendeu um novo modelo de segurança pública. Imediatamente, o vereador Carlos Jordy rebateu as declarações de Talíria e a acusou de ser “defensora de bandidos”.

No Youtube, há diversos vídeos com trechos das falas de Talíria e Jordy e mensagens de violência e ameaças em relação à vereadora. Um dos canais que divulgou tais vídeos é chamado de Jordy Opressor, que tem página no Facebook e perfil no Youtube no qual o vereador é apresentado como “filhote do Bolsonaro” e onde Talíria é mencionada de forma agressiva. “Fizemos uma denúncia formal sobre esses casos”, afirma a vereadora.

Ameaça
Página que apoia o vereador Carlos Jordy. No detalhe, o post de Facebook de Talíria: ‘Aqui em Niterói também tem bancada da bala, que defende que bandido (qual, né?) bom é bandido morto e não apresenta nenhuma proposta pra superar o caos na segurança pública sustentado há mais de 12 anos pelo PMDB e seus aliados’

A vereadora recebe muitas denúncias de violência policial por meio da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Niterói, que preside. Ela conta que recentemente atendeu o caso de duas mulheres que foram agredidas pela Polícia Civil. “Elas levaram socos, chutes. E, durante as agressões, os policiais gritavam: “Vai, Mariola, vai chamar o Freixo”, uma referência a Marielle Franco e Marcelo Freixo, deputado estadual pelo mesmo partido. São casos como esses que recebemos na comissão. Há muito o que enfrentar”, afirma.

Gênero e violência policial

Há dois temas que mais provocam reações de ódio em Niterói, explica a vereadora. “O debate de gênero e a violência policial”. No que diz respeito ao debate de gênero, ela cita como exemplo a aprovação de uma emenda do Plano Municipal de Educação, que proíbe o uso de qualquer material lúdico, didático ou paradidático que trate dos temas de gênero, diversidade e orientação sexual nas escolas públicas e particulares.

O PSOL está estudando formas de precaução e segurança para a vereadora, mas ela não pretende recuar. “Depois da morte de Marielle, ficamos mais preocupados com segurança, claro. Mas, por outro lado, tentaram silenciá-la pelas pautas que ela defendia. Então, agora mais do que nunca, não vou recuar. Estou com um senso de urgência gritando mais do que nunca. Estou sentindo muita dor, uma dor que nunca vai acabar, mas é uma dor que está se transformando em luta. Quem a matou, quis mandar um recado, que não chegou. Não vamos parar, vamos continuar na resistência e na radicalidade”, afirma.

Filha de mãe professora e de pai artista plástico, cantor e compositor, a vereadora nasceu e cresceu em um bairro popular na Zona Norte de Niterói. Ela e os irmãos estudaram com bolsa numa escola particular de classe média onde a mãe lecionava, e lá Talíria viveu a realidade da desigualdade racial. “O tratamento era outro, ficava muito evidente que nós éramos os filhos de um funcionário”.

Educação popular

Fez faculdade de História na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e chegou a ser jogadora de vôlei, mas: “larguei tudo para dar aula”. Lecionou em bairros pobres e depois na Maré, onde conheceu Marielle. Foi nas salas de aula, com a educação popular, que Talíria começou a “perceber e entender as desigualdades do mundo”.

Na sequência, vieram as bandeiras do antirracismo e do feminismo. No processo da luta, foi reconhecendo o racismo presente em sua história: “foi um processo muito potente, mas muito duro: lembrei da experiência de relações, com meninos, por exemplo, que eram sempre amigos e nunca namorados, e mesmo na família”.

Dentro do PSOL, onde milita desde 2011, participava da discussão sobre a baixa representatividade de mulheres, especialmente negras, nos espaços institucionais, além da importância de construir figuras públicas femininas. “Os partidos de esquerdaainda são muito masculinos. E, como mulher negra, eu era ainda mais minoria”. As candidaturas de Marielle e Talíria surgiram para ocupar esse espaço, “para sermos porta-vozes de um setor que não tinha espaço na política”.

No dia a dia, as duas vereadoras compartilhavam os desafios de ser mulher negra na Câmara Municipal. “A gente se falava todos os dias, uma segurava a barra da outra. Ela era a pessoa com quem eu trocava o que é ser vereadora, a gente se ajudava, se fortalecia.

Ela era a única vereadora com quem eu podia trocar e compreendia o que é ser mulher nesse lugar. Está muito difícil seguir sem ela”. Por isso mesmo, afirma, “temos que ter o senso de responsabilidade de seguir em nome dela. Antes era por Amarildo, Claudia, DG, Dandara. Agora também por Marielle”.

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