Amaldiçoados fazedores de guerras

Entre os ataques dos EUA à Síria em abril e os recentes desenvolvimentos na Península Coreana, estamos de algum modo sendo entorpecidos pela a ladainha da busca, pelo Império, de uma nova guerra a ser iniciada. Os sempre prestimosos israelenses, na pessoa do inefável Bibi Netanyahu, então, lá estão batendo tambores para, bem, se não conseguirem uma guerra, contam com conseguir, pelo menos, algum tipo de ataque sob bandeira falsa, ou outro pretexto para que os EUA ataquem o Irã.

E há também o Donbass, hemorragia sem fim (sobre o qual não falarei hoje). Assim sendo, vejamos em que pé estamos, e tentemos sondar as possibilidades sobre para onde estamos indo. Honestamente, tentar adivinhar o que passa pela cabeça desses psicopatas promotores obsessivos de guerras é tarefa que se aproxima, por definição, de um exercício de futilidade.

Mas dado que se veem sinais não desprezíveis de que há pelo menos umas poucas pessoas racionais ainda ativas na Casa Branca e/ou no Pentágono dos EUA (como se viu pelos quase completamente “fingidos” ataques à Síria, mês passado), pode-se pressupor (ter esperança) de que ainda haja algum grau residual de sanidade.

No mínimo, os próprios norte-americanos em uniforme têm de se fazer a eles mesmos uma pergunta muito básica, fundamental:

Desejo morrer por Israel? Desejo perder meu emprego por Israel? Que fim levará minha aposentadoria? Vale a pena correr o risco de grande guerra regional, em nome de preservar esse estado ‘maravilhoso’?

Muita coisa depende de os líderes militares (e o povo!) norte-americano terem coragem para fazer a eles mesmos essa pergunta. E, e, se a fizerem, de qual seja a resposta.

Mas comecemos pelas boas notícias:

A RPDC [República Popular Democrática da Coreia, que a mídia chama de “Coreia do Norte”] e a RC [República da Coreia, que a mídia chama de “Coreia do Sul”] estão em conversações diretas entre si.

É desenvolvimento de grande importância, sem dúvida, por pelo menos duas razões. Primeira, claro, a razão principal e objetiva: qualquer coisa que rebaixe os riscos de guerra na Península Coreana é boa coisa. Mas há também uma segunda razão que não devemos desconsiderar: Trump pode agora assumir todos os créditos sobre o resultado e dizer que as Coreias teriam sido empurradas à mesa de negociações pelas ameaças (ocas) que ele fez. Se disser, que diga. De fato, espero que organizem um desfile em homenagem a Trump em algum local nos EUA, com confetes e milhões de bandeiras. Como se fosse um astronauta. Ele que se sinta triunfante, vingado e muito, muito macho. MAGA, conhecem?!

Sim, ok, ok, esse simples pensamento (para nem falar da verdade zero) é de vomitar, mas se uma rápida náusea intelectual é o preço a pagar pela paz, digo que sim, que seja, que venha o desfile. Se Trump, Bolton, Haley e o resto se satisfazem com sentir que ‘chutaram traseiros’ e que os “militares invencíveis” conseguiram que o “Homenzinho Foguete” “desistisse” de suas “nukes” (fato é que ele jamais disse que desistiu de alguma coisa, mas… quem liga?!), por mim, ok, sinceramente lhes desejo feliz e alegre celebração para afagar os respectivos egos. Qualquer coisa para os deter, impedir que consigam a nova guerra que tanto desejam, pelo menos por enquanto.

Agora, as más notícias.

Os israelenses já recomeçaram 

Engraçado, não é? Os israelenses choramingam há anos sobre “iminentes” bombas atômicas iranianas, e agora recomeçaram. Não só isso: os caras tiveram coragem de mentir que “o Irã mentiu”. Falando sério, ainda que pelos padrões já insuperáveis de Israel, essa conversa é atrevimento elevado a nível realmente estratosférico (orig. chutzpah). Se fosse só Bibi Netanyahu, seria cômico. Mas o problema é que Israel agora já subjugou aos seus próprios agentes (os neoconservadores), completamente, todos os ramos do governo dos EUA e agora comandam tudo: dos dois ramos do Unipartido até o Congresso, a mídia e, agora que Trump já cedeu a todas as exigências de Israel, os sionistas comandam também a Casa Branca. Aparentemente comandam também a CIA. Mas ainda pode haver alguma resistência no Pentágono, à loucura generalizada. Os EUA são hoje, quase literalmente, comandados por um Governo Sionista de Ocupação. Quanto a isso não há dúvidas.

Assim sendo, o que, afinal, esses caras realmente querem? Ouçam o homem que os conhece melhor que todos os demais, único líder político contemporâneo cujas palavras, todas, da primeira à última, são absolutamente confiáveis e verdadeiras – o secretário-geral do Hezbollah libanês, SaidHassan Nasrallah (por que, eu queria saber, o Hezbollah é chamado “Equipe-A de terroristas“, mesmo que nunca em toda a existência desde os anos 1980s jamais tenha cometido qualquer ato que possa ser assemelhado a ataque terrorista? Só perguntando…).

Eis o que disse Sua Eminência:

“Primeiro, foi a clara, escandalosa agressão da entidade sionista contra a base T4 ou o aeroporto nos arredores de Homs, que vitimou forças dos Guardiões da Revolução Islâmica do Irã que lá estavam, e que foram atacados com grande número de mísseis, o que fez sete mártires, oficiais e soldados, e feriu vários outros. É evento novo, significativo e importante. É possível que alguns não estejam prestando atenção à importância e magnitude do que aconteceu.

Nessa operação, Israel matou deliberadamente soldados iranianos. É evento sem precedentes. No passado Israel já nos atacou [o Hezbollah], por exemplo em Quneitra, e aconteceu que havia lá oficiais dos Guardiões da Revolução Islâmica. Israel apressou-se a declarar, daquela vez, que não sabia da presença dos soldados iranianos, que pensara que ali só haveria soldados do Hezbollah.

Há sete anos aconteceu ataque semelhante, com Israel tendo abertamente atacado os Guardiões da Revolução Islâmica na Síria, em operação que deixou mártires e feridos. O ataque dessa vez não tem precedentes próximos.

Claro, cabe aos oficiais do Irã decidir o que farão [em retaliação], e eles anunciarão o que farão. Não me cabe falar por eles nem em nome deles.

Mas o Hezbollah estamos presentes na região e preocupados com o que acontece lá. Assim sendo, quero dizer algo a Israel: [quero que eles saibam] que vocês aqui sabem ver com clareza por entre esses ataques acintosos.

Infelizmente, vejam a extensão da loucura em que a entidade sionista está mergulhada: o ministro da Guerra de Israel Liberman declarou que não sabe quem atacou a base T-4. Pois no Líbano nós sabemos, os EUA anunciaram que Israel é autora do ataque. Rússia também anunciou que Israel atacou. E o ministro israelense diz que não sabe de onde vieram os ataques!

Quero dizer aos israelenses que eles têm de saber que – escrevi linha a linha essa declaração, e quero ler para eles: – “Vocês têm de saber que cometeram um erro histórico. Não foi simples tolice. Cometeram ato de alta estupidez, e por essa agressão entraram em confronto direto com o Irã, com a República Islâmica do Irã. E o Irã, ah, sionistas…

O Irã não é país qualquer, não é país fraco nem é país covarde. E vocês sabem bem disso, em Israel.”

Como comentário ao incidente, digo que esse ataque é um ponto de virada na situação da região. O que virá depois será muito diferente do que havia antes. Esse não é incidente que se possa considerar superficialmente, diferente de muitos incidentes que acontecem por aqui. Chegamos a um ponto de virada. E um ponto histórico de virada.(13/4/2018, “Israel entrou em confronto direto com o Irã”, Beirute, Said Hassan Nasrallah)

Concordo integralmente com essa avaliação. Como o que também concordam o The Jerusalem PostNBC News, e muitos outros. Independente de o quanto a ação israelense pareça enlouquecida a pessoas racionais (vejam adiante), veem-se aí todos os sinais de que os israelenses estão exigindo agora dos EUA que inicie uma guerra contra o Irã, seja por escolha ou, mais provavelmente, para “defender nossos aliados e amigos israelenses”… depois de eles lançarem o primeiro ataque contra o Irã.

Israel é realmente país único e surpreendente: não só ignora e atropela abertamente e ostensivamente a lei internacional; não só é o último país oficialmente racista do mundo; não só vem cometendo ininterrupto genocídio em câmera lenta contra os palestinos, já há décadas; agora, também, Israel pôs-se a usar seus consideráveis recursos de propaganda… a favor de mais e maior guerra. E, com vistas a alcançar essas metas, Israel já nem se incomoda com se aliar a outro regime quase tão desprezível e odioso quanto o regime sionista. Falo dos doidos varridos wahhabistas no Reino da Arábia Saudita. E tudo isso sob o alto patrocínio dos EUA. Realmente, um impressionante “Eixo da Gentileza”!

Qual o plano de Israel? Na verdade aí está, bem claro.

O plano “A” de Israel (falhado)

Inicialmente, o plano visava a derrubar todos os regimes seculares (Baathistas) no poder e substituí-los por religiosos doidos varridos. Tratava-se não só de enfraquecer os países infectados por essa podridão espiritual; tratava-se também de lançar aqueles países no maior atraso possível, por décadas; em alguns casos, tratava-se também de dividir os países em unidades menores, com árabes e muçulmanos a se matarem uns os outros em números ainda maiores , ao mesmo tempo em que os israelenses se declarariam orgulhosamente “país ocidental” e “única democracia em todo o Oriente Médio”. Melhor ainda, enquanto os tipos de Daech/ISIS/al-Qaeda/etc. cometem atrocidades em escala industrial (e sempre frente às câmeras, filmadas com alta qualidade, coisa de profissional), o genocídio de Palestinos em câmera lenta acabará completamente esquecido. No mínimo, os israelenses se declararão ameaçados pelo “extremismo islamista” e, bem, teriam de implantar um par de “zonas de segurança” além das próprias fronteiras (legais ou ilegais), e expedições de bombardeamento “porque árabes só entendem a linguagem da força” (ação que seria aplaudida de pé pelos brucutus sionistas “cristãos” nos EUA, que amam a matança de qualquer ‘árabe’ e de outros ‘negros de areia’ [orig. ‘aye-rabs’ e outros “sand niggers“). No frigir dos ovos, o sonho molhado dos sionistas: atiçar as forças do Daech contra o Hezbollah (que o Daech teme e odeia desde a derrota humilhante que o Hezbollah impôs ao exército de Israel em 2006).

Eu, sim, concordo completamente com quem diga que é plano estúpido. Mas, ao contrário do mito induzido por propaganda, os israelenses não são muito brilhantes. Plano arrogante, forçado, desprezível – sim. Mas… inteligente? Não. Não é inteligente. Como lhes passou pela cabeça que derrubar Saddam Hussein converteria o Irã em principal parceiro no Iraque? É prova de como os israelenses sempre tendem a qualquer solução-remendo meia-boca, provavelmente cegados pela arrogância e convicção pervertida racista da própria superioridade.

O que foi aquela invasão do Líbano em 2006? O que no mundo imaginavam que fossem conseguir lá? E agora aqueles mesmos estão atacando, não o Hezbollah, mas o Irã. Hassan Nasrallah está coberto de razão, absolutamente certo. A decisão dos sionistas foi decisão realmente estúpida. Mas, sim, claro, os israelenses têm agora um “plano B”.

O plano “B” dos israelenses

Primeiro passo, use sua máquina de propaganda e agentes infiltrados para reiniciar o mito sobre um programa militar nuclear iraniano inexistente. E não importa que haja, assinado e legalmente vigente, o chamado “Acordo Nuclear Iraniano” [oficialmente, “The Joint Comprehensive Plan of Action“,JCPOA] firmado por todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e Alemanha (P5+1) e até pela União Europeia! E não importa que o plano imponha restrições ao Irã que nenhum outro país jamais teve de enfrentar, especialmente considerando que, desde 1970 o Irã é membro signatário do Tratado Contra a Proliferação Nuclear (ing. Nuclear Non-Proliferation Treaty, NPT], o que, todos sabem, Israel não é. Mas os sionistas e sua claque neoconservadora são, como todos sabem, gente excepcional – o tipo de gente que não é contido nem por fatos, nem por lógica. Se Trump diz que o Acordo Nuclear Iraniano é coisa terrível… então, é.

Acordem! Estamos vivendo em tempos “pós-Skripal” e “pós-Douma” – se algum líder anglo (ou sionista) diz “altamente provável”, ele imediatamente convoca as massas a manifestar “solidariedade” instantânea, sob pena de ser acusado de “antissemitismo” ou de distribuir “teorias de limítrofes de conspiração” [orig. fringe conspiracy theories] (vocês já viram o filme). Quer dizer: o primeiro passo é reiniciar ex nihilo o golpe do programa militar nuclear iraniano.

Passo dois é declarar que Israel estaria sendo “existencialmente ameaçada” e portanto teria direito de “se autodefender”. Mas há um problema aqui: o exército de Israel não tem meios militares suficientes para derrotar o Irã. Pode atacar o Irã, acertar meia dúzia de alvos, sim, mas então, quando os iranianos (e o Hezbollah) lancem uma chuva de mísseis sobre Israel (e provavelmente também sobre o Reino da Arábia Saudita), os israelenses não terão os meios para responder. Eles sabem disso, mas também sabem que o contra-ataque iraniano lhes dará perfeito pretexto para se porem a gritar “oy vey!! oy, gevalt!!” e mandarem os norte-americanos zumbis para lá, para matarem iranianos.

Haverá quem objete que os EUA não têm tratado de mútua defesa com Israel. Errado. Os EUA têm, sim, tratado de mútua defesa com Israel: chama-seAmerican Israel Public Affairs Committee, AIPAC. Além do mais, ano passado os EUA instalaram uma base militar permanente em Israel, com o que criaram uma espécie de “fio de transmissão”: basta gritar que “os aiatolás” tentaram atacar a base militar dos EUA com “armas químicas” e, bingo, já estará ali, pronto, um pretexto para mobilizar todas as forças militares imagináveis em retaliação, incluindo, claro, suas forças nucleares táticas para “desarmar” os “genocidas iranianos que querem varrer Israel do mapa”, ou variação dessa maluquice.

Você talvez se pergunte: E o que significa tudo isso, se o Irã, como já está dito acima, não tem qualquer programa militar nuclear?

Minha resposta é simples: você acredita que os sírios tenham usado armas químicas?! Não. Claro que não usaram.

Toda essa loucura sobre armas de destruição em massa de Saddam, sobre programa militar nuclear iraniano, sobre armas químicas sírias ou, já que o assunto é loucura, sobre Gaddafi e aquele “exército líbio de soldados estupradores alimentados com Viagra” e, antes disso, o “massacre de Racak” no Kosovo ou as variadas atrocidades no “mercado Markale” em Sarajevo: todos esses ‘eventos dramáticos’ jamais passaram de pretextos para agressão, nada mais, nada menos.

No caso do Irã, o que os israelenses temem não é o perigo de acabarem “varridos do mapa” (tradução viciosa de algo diferente dito pelo aiatolá Khomeini) por bombas nucleares iranianas; o que realmente os enlouquece completamente é haver uma grande e bem-sucedida potência regional muçulmana – como o Irã – ativa, todos os dias, abertamente se atrevendo a denunciar Israel como estado racista e ilegítimo.

Os iranianos também têm ostensivamente denunciado o imperialismo dos EUA, e até denunciam a ditadura wahhabista da Casa de Saud. Esse o verdadeiro “pecado” do Irã: atrever-se a desafiar abertamente o Império Anglo-sionista, e fazê-lo com tanto sucesso!

Tudo isso posto, eis o que os israelenses realmente desejam:

  • infligir o maior prejuízo e o maior dano econômico ao Irã;
  • punir a população iraniana pela ousadia de apoiar os líderes “errados”;
  • derrubar a República Islâmica (fazer ao Irã o que fizeram à Sérvia);
  • gerar um exemplo para dissuadir outros países que se atrevam a seguir as pegadas do Irã; e
  • demonstrar a onipotência do Império Anglo-sionista.

Para alcançar esse objetivo, não é preciso invadir o Irã: bastará, para completar o serviço, uma campanha sustentada de mísseis cruzadores e bombardeio (mais uma vez, como foi feito na Sérvia). Por fim, basta assumir que os sionistas são gente má, arrogante e suficientemente doida para usar armas nucleares contra instalações iranianas (as quais, claro, serão declaradas instalações de “pesquisas nucleares militares secretas”).

Os israelenses esperam que, com fazer os EUA atacarem o Irã com muita força, conseguirão enfraquecer suficientemente o país, para também enfraquecerem o Hezbollah e outros aliados do Irã na região, e enfraquecê-los suficientemente a ponto de rachar o chamado “Crescente Xiita”.

À moda deles, os israelenses nem estão errados, quando dizem que o Irã é ameaça a própria existência de Israel. Apenas mentem sobre a natureza dessa ameaça e sobre o motivo pelo qual o Irã é, sim ameaça à existência de Israel.

Considerem o seguinte:

SE a República Islâmica puder desenvolver-se e prosperar, e SE a República Islâmica não se deixar aterrorizar pela indiscutível capacidade do Exército de Israel para massacrar civis e destruir infraestrutura pública… nesse caso a República Islâmica converter-se-á em alternativa atraente ao tipo de Islã repugnante encarnado na Casa de Saud, a qual, por sua vez, é o principal patrocinador de todos os regimes colaboracionistas no Oriente Médio, sejam os regimes tipo Hariri no Líbano, seja a própria Autoridade Palestina.

Os israelenses querem os seus árabes sempre gordos e bem corruptos até a medula, sem princípios e sem coragem. Por isso o Irã tem de ser atacado completamente e absolutamente: porque o Irã, por sua própria existência, ameaça o núcleo do mecanismo do qual depende a sobrevivência da entidade sionista: da total corrupção dos líderes árabes e muçulmanos em todo o planeta.

Riscos com o plano “B” de Israel

Pense em 2006. Os israelenses tinham total supremacia aérea sobre o Líbano – eram céus absolutamente não contestados. Os israelenses também controlavam os mares (pelo menos, até que o Hezbollah só por um triz não afundou a corveta classe 5 Sa’ar de Israel). Os israelenses atacaram o Líbano com tudo que tinham, de bombas a assaltos de artilharia e mísseis. Engajaram também as suas melhores forças, inclusive a autodeclarada “invencível” “Brigada Golani”. E, isso, durante 33 dias. E conseguiram absoluta e exatamente NADA. Sequer conseguiram controlar a cidade de Bint Jbeil logo ali, junto à fronteira israelense. E agora vem a melhor parte: o Hezbollah manteve suas forças mais capazes ao norte do rio Litania, de tal modo que a pequena força do Hezbollah (não mais de mil homens) era constituída de milícias locais apoiadas por número muito menor de quadros com treinamento profissional. Significava vantagem de 30:1, em potencial humano a favor dos israelenses. Mas o “invencível Tsahal” teve seu traseiro coletivo chutado como poucos foram chutados, em toda a história. Por isso, no mundo árabe, essa guerra é conhecida como “A Divina Vitória”.

Quanto ao Hezbollah, continuou a fazer chover foguetes sobre Israel e a destruir indestrutíveis tanques Merkava, do primeiro ao último dia.

Há vários trabalhos que discutem as razões do fracasso abjeto do exército israelense (ver aqui ou aqui), mas a simples realidade é a seguinte: para vencer qualquer guerra você tem de ter coturnos capazes em solo, sobretudo contra adversário que já tenha aprendido a operar sem qualquer cobertura aérea ou sem poder de fogo superior.

Se Israel conseguir manipular os EUA e empurrar os norte-americanos para que ataquem o Irã, acontecerá outra vez exatamente o mesmo: o CENTCOM estabelecerá superioridade aérea e tem extraordinária vantagem de poder de fogo sobre os iranianos, mas, além de destruir porções cataclísmicas de infraestrutura e assassinar números genocidas de civis, conseguirá rigorosamente NADA.

Além do mais, o Aiatolá Ali Khamenei não é Milosevic, e não se renderá na esperança de que Tio Sam o autorize a permanecer no poder. Os iranianos lutarão, e lutarão e continuarão a lutar por semanas, meses e até, sim, possivelmente, por anos. E, diferentes das forças do “Eixo da Gentileza”, os iranianos contam com muito capazes e confiáveis coturnos em solo, e não só no Irã, também na Síria e no Iraque e no Afeganistão. E têm mísseis para alcançar grande número de instalações militares dos EUA na região. E podem, além de fechar o Estreito de Ormuz (que a Marinha dos EUA talvez consiga reabrir, mas ao custo de enorme operação militar na costa do Irã), os iranianos também podem atingir a Arábia Saudita e, claro, a própria Israel.

Verdade é que os iranianos têm força humana e know-how para declarar “aberta a temporada de caça” a qualquer e a todas as forças dos EUA no Oriente Médio, e há muitas delas, a maior parte das quais muito precariamente defendidas (efeito daquela imperial certeza de sempre escapar impune e sem problemas, porque “eles não se atreverão a nos atacar”…).

A guerra Irã-Iraque durou oito anos (1980-1988). Custou aos iranianos centenas de milhares de vidas (se não mais). Os iraquianos tiveram total apoio dos EUA, da União Soviética e da França e praticamente do resto do mundo. Quanto aos militares iranianos, estavam recomeçando depois de uma revolução traumática.

A história oficial (a saber, a Wikipedia) fala de “empate”. Mas considerando-se as possibilidades e as circunstâncias reais, entendo que se pode falar de magnífica vitória do Irã e de completa derrota dos que lá estavam para derrubar a República Islâmica (resultado o qual, por falar disso, nem décadas das mais furiosas sanções conseguiram alcançar até hoje).

Haverá talvez alguma razão que sugira que dessa vez, quando o Irã já teve quase 40 anos para se preparar para resistir ao assalto mais ensandecido das forças anglo-sionistas, os iranianos lutarão menos empenhadamente ou com menos competência e talento? Pode-se também examinar o currículo real das forças armadas dos EUA (vejam o excelente resumo, feito por Paul Craig Roberts, aqui) e perguntar: alguém acredita que os EUA, liderados por gente tipo Trump, Bolton ou Nikki Haley terão energia sustentada para combater até a exaustão contra os iranianos (dado que invadir o Irã por terra está fora de questão)? Ou outra pergunta: o que acontecerá à economia mundial, se todo o Oriente Médio explodir numa grande guerra regional?

Agora porém vem a parte realmente assustadora: israelenses e neoconservadores sempre, sempre, sempre, sobem a aposta. A noção de controlar perdas e pôr fim ao que é política autoevidentemente errada é superior à capacidade de raciocinar deles. É tal a arrogância dessa gente, que não cederão sequer à impressão de ter cometido algum erro (lembram-se da dupla, Dábliu e Olmert, ‘declarando’ que teriam vencido o Hezbollah em 2006?). Tão logo Trump e Netanyahu deem-se conta de que cometeram estupidez igualmente descomunalmente gigante, e tão logo vejam esgotarem-se as opções ‘de rotina’ (primeiro, mísseis e ataques aéreos, depois, aterrorizar a população civil), a neodupla Trump e Netanyahu ver-se-á diante de escolha simples: ou admitir a derrota ou detonar uma bomba atômica.

Que via escolherão? Pois é. Exatamente como eu disse.

Partimos para o nuclear?!

Eis o paradoxo: em termos puramente militares, usar bombas atômicas contra o Irã não atenderá a nenhum objetivo pragmático. Armas nucleares só podem ser usadas de um de dois modos: ou contra quadros militares (“contraforça”) ou contra civis (“contravalor”). O caso é que, quando os neoconservadores e seus patrões israelenses chegarem ao ponto de considerar o uso de armas nucleares táticas contra os iranianos, já não haverá alvo que justifique o ataque. As forças iranianas já estarão dispersas e a maior parte delas já estarão em contato com forças aliadas (inclusive forças dos EUA). Atacar com arma atômica um batalhão iraniano ou mesmo uma divisão, absolutamente não alterará a equação militar.

Quanto a atacar com bomba atômica cidades iranianas, por mero gesto de selvageria, isso, só servirá a um objetivo: varrer Israel, realmente e completamente, do mapa do Oriente Médio.

Eu não descartaria a possibilidade de neoconservadores e seus patrões israelenses tentarem usar alguma arma nuclear tática para destruir alguma instalação nuclear iraniana civil, ou algum bunker subterrâneo, sempre seguindo a esperança errada de que tal show de força obrigaria os iranianos a se renderem ao Império Anglo-sionista. Na realidade, só servirá para enfurecer os iranianos e fortalecer neles a determinação e a coragem.

E os europeus macronescos?!

Quanto aos europeus atualmente “macronescos”, claro que, primeiro, manifestarão “solidariedade” baseada em eventos “altamente prováveis” [como disse Macron sobre saída de Trump, da Síria, ing. “highly likely“], especialmente Polônia, os Ukies e os statelets do Báltico. Mas em seguida, a opinião pública europeia explodirá, especialmente nos países mediterrâneos, e isso pode, sim, disparar outra crise ainda maior. Israel pouco se importaria (ou, como sempre faz, logo se poria a choramingar sobre algum renascimento totalmente misterioso do antissemitismo). Mas os EUA definitivamente não querem ver anglo-garras ativas no continente abalado por tais eventos.

Talvez um cenário coreano?

Há alguma chance de que a agitação e gritaria resultem em algum tipo de solução pacífica, como parece estar em construção na Coreia? Infelizmente, não parece haver qualquer probabilidade desse tipo.

Há alguns meses, tudo sugeria que os EUA fariam algo irreparavelmente estúpido na Coreia (vejam aqui e aqui), mas então aconteceu coisa completamente inesperada: os sul-coreanos, entendendo perfeitamente a insanidade das doidas ameaças de Trump, assumiram total responsabilidade sobre a questão e, pelas próprias mãos, puseram-se a criar aberturas para a República Popular Democrática da Coreia, RPDC. Os demais vizinhos regionais declararam em alto e bom som para conhecimento de Trump & Co. que as consequências de um ataque dos EUA à RPDC seriam apocalípticos para toda a região.

Mas infelizmente há duas diferenças fundamentais entre a Península Coreana e o Oriente Médio:

  • Na Península Coreana, o aliado local dos EUA (a Coreia do Sul) não quer guerra. E no Oriente Médio é precisamente o aliado local dos EUA (Israel) quem mais se empenha em produzir nova guerra.
  • No Extremo Oriente Asiático, todos os vizinhos regionais opuseram-se categoricamente à ideia de guerra. No Oriente Médio, praticamente todos os vizinhos regionais estão vendidos aos sauditas, que também desejam que os EUA ataquem o Irã.

Assim sendo, embora os riscos e consequências de uma conflagração sejam similares entre as duas regiões, não é verdade que as dinâmicas geopolíticas locais são completamente diferentes?

E a Rússia, em tudo isso?

A Rússia jamais *escolherá* ir à guerra contra os EUA. Mas a Rússia também compreende que a segurança e o bem-estar do Irã são absolutamente cruciais para a segurança da própria Rússia, especialmente ao longo das fronteiras sul. Nesse momento há um frágil equilíbrio de destinos entre o (também muito poderoso) lobby sionista na Rússia e os elementos nacionalistas/patriotas. Na verdade, o recente ataque israelense na Síria deu mais poder aos elementos anti-sionistas na Rússia, de onde brota a conversa sobre (finalmente!) entregar os sistemas S-300s à Síria. Ok. Veremos se/quando serão entregues.

Meu melhor palpite é que pode já ter acontecido e a entrega esteja sendo mantida sem divulgação simplesmente para conter norte-americanos e israelenses, os quais não têm como saber que tipo de equipamento os russos já entregaram, onde estão, ou, importante, quem (russos ou sírios) realmente opera os sistemas. Esse tipo de ambiguidade tem grande serventia para conter as forças pró-sionistas na Rússia e complicar o planejamento anglo-sionista. Mas talvez seja só raciocínio desejante, e é possível que os russos ainda não tenham entregado os S-300s ou, se entregaram, talvez se trate de modelos (não muito úteis) S-300P antigos (diferentes dos S-300PMU-2 que representariam grave risco para os israelenses).

O relacionamento entre Rússia e Israel é extremamente complexo (ver aqui e aqui), mas se o Irã vier a ser atacado, espero realmente que os russos, especialmente os militares, apoiarão o Irã e garantirão assistência militar muito semelhante à de combate aberto direto contra forças de EUA/Israel/OTAN/CENTCOM. Se os russos forem diretamente atacados na Síria (e no contexto de guerra mais ampla fatalmente serão atingidos), nesse caso a Rússia contra-atacará, não importa quem seja o agressor, EUA, Israel ou quem for: o lobby sionista na Rússia não tem poder para impor, à opinião pública russa, um evento ‘à moda USS Liberty‘.

Conclusão: Amaldiçoados os fazedores de guerra, que serão chamados filhos de Satã

Os israelenses podem comer falafels, inventar “kufiyeh israelense” e fantasiarem-se de “orientais”, mas a realidade é que a criação do estado de Israel é uma desgraça que se abateu sobre todo o Oriente Médio, ao qual os israelenses só trouxeram sofrimento, brutalidade, corrupção inenarráveis e guerras. E assim continua – com os israelenses fazendo de tudo para disparar uma grande guerra regional na qual morrerão dezenas ou mesmo centenas de milhares de árabes perfeitamente inocentes. O pessoal dos EUA admitiu agora uma perigosa gangue de neoconservadores psicopatas, os quais têm hoje o controle do país; hoje, os mesmos que Bush Pai chamava de “os doidos no porão” estão com o dedo no botão nuclear. Assim, as coisas hoje se resumem às perguntas pelas quais comecei o artigo:

Caros norte-americanos – desejam morrer por Israel? Desejam perder seus empregos por Israel? Que fim levarão suas aposentadorias? Porque que ninguém se engane: o Império norte-americano não sobreviverá a guerra de grande escala contra o Irã. Por quê?

Porque tudo que o Irã precisa fazer para “vencer” é não perder, quero dizer, é sobreviver.

Mesmo que seja bombardeado e destruído em ataques convencionais ou nucleares, se o Irã sair dessa guerra ainda como República Islâmica (e isso não é coisa que bombas ou mísseis consigam mudar), o Irã sairá vencedor. Ao contrário, se o Império fracassar na operação para pôr o Irã de joelhos, significará o fim de seu status de Hegemon mundial; e derrotado, não por alguma superpotência nuclear, mas por uma potência regional convencional. Afinal, será só questão de tempo até que o inevitável efeito dominó ponha abaixo todo o Império (confiram em “Twilight’s Last Gleaming”, excelente livro de John Michael Greer, um relato muito plausível de como pode acontecer).

Ok, diferente da Rússia, o Irã não pode detonar os EUA com bombas atômicas ou, de fato, sequer pode chegar até lá com armas convencionais (tampouco acredito que os iranianos consigam atacar com sucesso um porta-aviões dos EUA, como dizem alguns analistas pró-Irã). Mas as consequências políticas e econômicas de uma guerra em grande escala no Oriente Médio serão sentidas cá nos EUA, por todo o país: nesse momento, o único valor que “lastreia” o EUA-dólar, por assim dizer, são os porta-aviões da Marinha dos EUA e a capacidade que eles têm para reduzir a farelo qualquer país que se atreva a desobedecer ao Tio Sam.

O fato de esses porta-aviões terem sido e ainda serem (e, é verdade, já o são há bastante tempo) perfeitamente inúteis contra a URSS e também contra a Rússia já é ruim que chegue, mas se se divulgar urbi et orbi que também são inúteis contra uma potência regional convencional como o Irã… aí, acabou o show. O dólar passará a ser dinheiro de Monopólio num piscar de olhos.

Guerras frequentemente têm “consequências Nietzscheanas”: países que as guerras não destruam saem da provação ainda mais fortes do que eram antes de ser atacados, mesmo que lhes custe preço horrendo.

Ambos, os israelenses e os neoconservadores são dialeticamente analfabetos demais para se dar contra de que, com suas ações, só fazem criar inimigos mais e mais poderosos a cada nova guerra. A velha Anglo-guarda que comandou os EUA desde a fundação era provavelmente mais esperta, possivelmente porque era mais bem educada e muito mais consciente das dolorosas lições que o Império Britânico e outros Impérios tiveram de aprender.

Francamente, espero que os 1% que governam os EUA hoje (é, são muito menos, na verdade, que um 1%, mas não importa) cuidem da própria riqueza e do próprio dinheiro mais e melhor do que cuidam de acalmar os neoconservadores, e que os velhos péssimos imperialistas Anglo que construíram esse país ainda tenham suficientes cobiça e ganância neles mesmos para dizer aos neoconservadores e seus patrões israelenses que caiam fora. Mas com os neoconservadores controlando agora as duas alas do Unipartido Norte-americano e a mídia, não tenho cá muitas esperanças.

Mesmo assim, há ainda uma chance de que, como na Coreia, alguém em algum lugar diga ou faça a coisa certa, e essa coisa certa, ampliada pela magnitude potencial do que eles estão a um passo de deflagrar, levará número suficiente de cabeças, entre os militares norte-americanos, a seguir o exemplo do almirante William Fallon e comandante do CENTCOM no dia em que disse ao presidente que “no meu turno de guarda ninguém atacará o Irã”.

Creio que, pela força da coragem movida por princípios, as palavras de Cristo: “Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5:9) aplicam-se ao almirante Fallon. E espero que o exemplo dele inspire outros.

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