Alienação e suas consequências

Por Douglas Kovaleski, para Desacato. info.

Nessa semana abordarei a construção de subjetividades a partir do mercado,  fundamentalmente a partir da obra Dialética e Cultura de Lucién Goldman. Lucién Goldman, nascido em Bucareste (1913-1970), foi um sociólogo marxista que se debruçou especialmente sobre o tema da cultura. Estudou a relação entre as estruturas sociais, as relações materiais de produção, sua transformação histórica, e as visões elaboradas na esfera da cultura, principalmente na literatura, sobre o homem e a sociedade. Denominou sua linha teórico metodológica de “estruturalismo genético”, uma crítica aos modelos reificados. Goldman trabalhou também a teoria de Piaget para elaborar seu pensamento sobre a relação do indivíduo com o grupo social e entender a produção literária e o contexto histórico.

 Goldmann (1971) ao discutir a repercussão intelectual e psíquica da vida sob o modo de produção para o mercado, afirma que ela produz uma nova subjetividade. A economia mercantil e em particular a economia capitalista tendem a substituir, na consciência dos produtores, o valor de uso pelo valor de troca e as relações concretas e significativas, por relações abstratas e universais entre vendedores e compradores; tende assim, a substituir no conjunto da vida humana, o qualitativo pelo quantitativo. Além disso, separa o produto do produtor e fortalece, por isso mesmo, a autonomia da coisa em relação à ação dos homens. Faz enfim, da força de trabalho uma mercadoria que tem um valor – reificação – e aumenta durante um período histórico muito longo o peso do trabalho não qualificado ou pouco qualificado, substituindo no plano da realidade imediata, as diferenças qualitativas por simples diferenças de quantidade” (GOLDMANN, 1971, p.125).

Nas formas sociais pré-capitalistas os homens produzem valores de uso, havendo uma clara relação real e consciente entre os produtores e seus produtos. O modo de produção capitalista ao dirigir a produção dos homens para o mercado, para a troca, produz uma ruptura radical com o processo anterior. Antes de chegar ao consumidor como valor de uso, a mercadoria deve passar pelo mercado onde é comparada a outros produtos pelo seu aspecto quantitativo. Assim, o valor de uso de uma mercadoria só se realiza quando esta sai da esfera das relações inter-humanas gerais e entra na esfera das relações privadas, onde se dá o consumo. Pode-se dizer que só nessa esfera, das relações familiares e de amizade, que estão mais distanciadas do mercado, ainda se preservam precariamente relações de solidariedade. Isso porque são fortemente influenciadas pelos valores capitalistas e, ao cabo se corrompem, tornando-se corrompidas pela competitividade e pelo valor de troca.

O modo de produção capitalista representa uma cisão entre a vida pública e a vida privada. Esse processo traz influências significativas para a estrutura dos homens, pois provoca uma ruptura das relações imediatas entre o homem e a natureza. O valor de uso estava ligado ao aspecto diverso e sensível das coisas naturais ou fabricadas; o valor de troca faz abstração de qualquer qualidade sensível – e comum a toda a mercadoria – só levando em conta a diferença quantitativa. Todo elemento qualitativo é eliminado radicalmente. O desenvolvimento da produção capitalista baseada no fator puramente quantitativo do valor de troca, fechou progressivamente a compreensão dos homens aos elementos qualitativos e sensíveis do mundo natural. A sensibilidade a esses elementos se tornou cada vez mais um privilégio, dos poetas, das crianças e das mulheres, isto é, dos indivíduos à margem da vida econômica.

Outro ponto fundamental é que a atividade humana não está apenas isolada de seus produtos, mas ela própria é transformada em coisa, como uma mercadoria com valor próprio. A força de trabalho integra o capital circulante e nada a distingue de outros elementos, como por exemplo, as matérias primas. Todo esse processo é agudizado pela crescente divisão social do trabalho e sua racionalização. Enfim, Goldmann também assinala que o processo de reificação, se apodera de todos os domínios da vida social produzindo uma série  de consequências para a vida humana tais como: a formação do Estado burocrático moderno e sua administração institucionalizada e formal, a constituição de uma justiça formal, a abstração da maioria das ações humanas e seus papéis, produzindo uma automatização dos conjunto das relações sociais – os homens perdem a noção de seus papéis e funções sociais –, a cisão entre a vida pública e privada, que como já apontamos, produz na vida psíquica dos homens um dualismo gerador de uma subjetividade que só pode preservar sua humanização nas relações da vida privada.

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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.

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