“Ainda não consolidamos o desenvolvimento econômico”

Por Marcus Eduardo de Oliveira.

Para analisar as direções da economia brasileira nos últimos 10 anos, que foram governados pelo Partido dos Trabalhadores (PT), hoje com Dilma Rousseff à frente, conversamos com o economista Marcus Eduardo de Oliveira.

Professor nos cursos da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo, é também especialista em Política Internacional (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) e mestre em Integração da América Latina (Universidade de São Paulo – USP). Tem também escritos artigos para o Fazendo Media (FM) quinzenalmente.

Em entrevista ao FM ele explica por que a reforma agrária é urgente no Brasil, sobretudo do ponto de vista econômico. O professor também analisa os formadores de opinião da economia, ressaltando que é preciso ter mais sensibilidade social na mídia.

Para ele, é preciso meter o dedo na ferida e questionar o motivo de, em pleno século XXI, 15 milhões de brasileiros ainda passarem fome.

Quais são as principais críticas e elogios à política econômica que o Brasil vem desenvolvendo nos últimos 10 anos?

A grande conquista dos últimos tempos, sem dúvida alguma, foi consolidar o sistema geral de preços em patamares decentes evitando-se assim os picos elevados de inflação. Apagamos definitivamente a “memória inflacionária”, que nos marcou em tempos não muito distantes. Chegamos a ter quase 90% de inflação ao mês. Isso é uma “insanidade monetária” sem controle, que desestrutura qualquer sistema econômico.

Mas eu entendo que o principal objetivo em termos de política econômica não foi alcançado: ainda não consolidamos o desenvolvimento econômico. Lamentavelmente, estamos longe disso. Apenas fizemos a economia crescer, mas esse crescimento está longe de se converter em substancial melhoria na vida dos mais necessitados, que, por sinal, são muitos.

Economia ajustada, desenvolvida, não se coaduna com desigualdade. Sobre isso, não podemos perder de vista que no linguajar dos economistas desenvolvimento é sinônimo de qualidade de vida, de bem-estar, de satisfação pessoal, de utilidade mesmo, para usarmos um termo do receituário econômico.

De fato, houve consideráveis avanços no campo econômico. A política econômica dos três últimos governos – de FHC à Dilma – tirou muita gente da linha de pobreza, fortaleceu o poder de compra, organizou os principais indicadores macroeconômicos, mas falta ainda fazer muito para diminuirmos essa abissal desigualdade de renda e de salários. E isso é papel preponderante da política econômica.

Na década de 1960, quando foi instalada a ditadura militar, as duas principais bandeiras das correntes progressistas e do governo deposto eram a remessa de lucros das empresas estrangeiras e a reforma agrária. Hoje os movimentos sociais dizem e alguns estudos apontam que a reforma agrária nunca foi tão ruim no país. De que forma isso reflete nosso modelo econômico?

Eu penso que temos duas chagas que, de certa forma, nos definem e marcam profundamente a nossa triste história de desigualdades. Faço referência ao longo período de convívio que mantivemos com a escravidão (quase 400 anos) e a um câncer chamado latifúndio. É absurda a concentração de terras em nosso País.

Segundo o Censo Agropecuário, possuímos a maior concentração fundiária do mundo. Nosso modelo fundiário é abjeto, é torpe: temos muita gente sem terra e muita terra sem gente, num país com clima adequado para a agricultura o ano inteiro.

Vivemos sob a égide do monopólio do campo. Isso é herança dos tempos do império. Mais da metade da população detém menos de 3% das terras, e pouco menos de 50 mil pessoas detém quase metade das terras.

Só para ficarmos num único exemplo, vejamos o Grupo CR Almeida: uma de suas fazendas, localizada no oeste do Pará, possui “apenas” 4,7 milhões de hectares. Para termos noção disso, essa fazenda é maior do que a Holanda, a Bélgica e corresponde a 20% do território de São Paulo.

No mundo, não há nenhum outro exemplo igual a esse. Junto a esse caso, cabe lembrar-se do senhor Falb Farias, dono de 7 milhões de hectares – simplesmente o maior latifundiário do planeta. É evidente que esse tipo de modelo agrário (fortemente concentrador), que faz uso da terra apenas para valorização mercadológica, afeta sensivelmente o modelo econômico à medida que ignora a necessidade mais urgente que temos: fazer uma reforma agrária ampla, séria e compromissada. Capaz de produzir alimentos para o atendimento aos mais de 15 milhões de brasileiros que vivem na linha da miséria, abrindo os “bolsões de pobreza”.

A reforma agrária é um imperativo social, é geradora de emprego e de renda. Em 133 a.C, Tibério Graco, na Roma Antiga, fez aprovar uma lei agrária que concedia lotes de terras para a agricultura familiar. Quanto a nós, em pleno século 21, ainda não encaramos esse assunto com a devida seriedade.

Se colocássemos o homem no campo nossa produção de cereais, leguminosas e oleaginosas poderia saltar dos atuais 150 milhões de toneladas para próximo de 200 milhões. Temos todas as condições de sermos um dos maiores celeiros do mundo. Não podemos perder essa oportunidade.

Estamos imunes à crise que desde 2008 se instalou primeiro nos EUA e hoje assola a Europa?

Imune a essa ou a qualquer outra crise de ordem econômica ninguém está. A dinâmica macroeconômica sempre recomenda estar atento a tudo em todos os momentos, face às constantes mudanças e aos sobressaltos que são comuns no “mundo econômico”, principalmente nessa época globalizada em que tudo está on line e os mercados são, por natureza, interligados.

Como a maior economia do planeta (EUA) vive sob um baixo crescimento econômico atrelado à rendimentos desiguais e pessimamente distribuídos o grau de incerteza, para todos, se torna mais perigoso. Até onde li e acompanhei o problema maior da economia mundial, em meu julgamento, reside na desaceleração da produtividade e na queda do crescimento econômico.

Recentemente o governo brasileiro reduziu as taxas de juros, que é encarada por muitos como uma das mais altas do mundo. Foi uma decisão adequada ou ainda insuficiente?

Há espaço para reduzirmos mais ainda. Taxa de juros elevada só serve para “alimentar” a especulação financeira e fazer a alegria de meia dúzia de gente que vive dos ganhos fáceis no mercado especulativo. Isso é um enorme obstáculo para novos investimentos e para a geração de empregos e renda. Nenhuma economia se sustenta com juros abusivos. São os investimentos, a formação bruta de capital, que faz girar a roda da economia.

Com os 18 anos do Plano Real, muito se falou que o governo Lula, do ponto de vista econômico, continuou o arranjo que FHC construiu no país. O governo petista pode ser considerado uma continuação do tucano?

Se medirmos os dois governos apenas pela estabilidade monetária, sim. Contudo, há diferenças gritantes entre o modo de governar dos tucanos e dos petistas. Não cabe aqui, entretanto, fazer juízo de valor e apontar quem foi melhor ou quem cometeu mais “pecados mortais”. Prefiro acreditar que a população, em certa medida, saberá fazer essa conta.

O que não se pode deixar de dizer é que ambos tiveram oportunidades e tempo disponível para “arrumar a casa”. Retomando a primeira pergunta que me foi dirigida, penso que ainda não atingimos o status de “país desenvolvido” do ponto de vista econômico e político, muito menos pelo lado do social. Nesse aspecto, a “casa” ainda continua bagunçada. Ainda somos um país muito desigual.

Com você vê o tratamento da mídia em relação à economia, e quais são hoje os principais pensadores da economia brasileira?

Essa pergunta é ótima, pois permite uma reflexão de como a economia (atividade e mesmo a ciência social) é “observada” por quem faz a opinião. Raramente vejo a grande mídia preocupada em discutir a economia sob o prisma de uma economia social, humana e solidária.

A preocupação tem sido sempre a mesma sempre: discutir o comportamento dos juros, da inflação, o saldo das transações correntes, o comportamento do câmbio. Não que isso não seja importante, mas tem outras coisas a serem pensadas que conformam o pensamento econômico.

É necessário meter o dedo na ferida e discutir claramente, em horário nobre na TV e na programação jornalística, por que 15 milhões de brasileiros ainda passam fome; por que existem mulheres morrendo na hora do parto por inadequado atendimento médico, qual o motivo de faltar recursos no sistema de saúde e educação enquanto grupos empresariais se empanturram de ganhar dinheiro? É necessário discutir não só o motivo de termos praticado durante muito tempo uma das mais indecentes taxas de juros do planeta, mas também quem, quais grupos, ganharam com isso, e quanto ganharam.

Sobre os pensadores da economia brasileira, mesmo não estando mais entre a gente, Celso Furtado será sempre um “modelo” a ser seguido e estudado. É de Furtado a seguinte frase: “Esse país nunca se desenvolveu. O que houve aqui, em 500 anos de história, foi apenas uma modernização. Como é possível falar em desenvolvimento com tanta gente atormentada pela fome e pela miséria”.

Eu penso que isso sintetiza de forma clara o que ainda devemos fazer em termos de economia. É inadmissível, em pleno século XXI, termos conhecimento de que há gente morrendo de fome, sem acesso à água potável, com os pés descalços num país que exporta calçados, num país que exporta vitaminas e carnes.

Fonte: Plataforma de la Educacíon y la Cultura Iberoamericana.

Foto: http://coyunturaeconomica.com

 

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