AI-5 completa 51 anos, entre repúdio à ditadura e defensores do autoritarismo

Ato na Câmara Municipal de São Paulo marcará repúdio às manifestações favoráveis à medida que marcou período mais repressivo do regime de 1964

Imagem: Reprodução

São Paulo – Como neste ano, o 13 de dezembro de 1968 também caiu em uma sexta-feira. Já era noite quando o ministro da Justiça, Gama e Silva, anunciou o resultado da 43ª reunião do Conselho de Segurança Nacional, no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Os 24 integrantes do Conselho haviam discutido o Ato Institucional número 5, o AI-5, que abriu o período mais violento da ditadura iniciada em 1964. Passados 51 anos, autoridades ligadas ao governo falam com desenvoltura sobre o tema, admitindo até mesmo uma reedição, conforme o comportamento da oposição.

Imediatamente após o AI-5, o Congresso foi fechado. O ex-presidente Juscelino Kubitschek e o governador Carlos Lacerda foram presos. Ainda em dezembro, o Executivo solta a primeira lista de cassações, incluindo 11 deputados federais, entre eles Márcio Moreira Alves (MDB-RJ), cujo discurso, meses antes, foi visto como “estopim” para a radicalização do regime. O Congresso negou autorização ao governo para processar o parlamentar. Mas já havia uma escalada de protestos contra a ditadura, com manifestações de estudantes, greves operárias em Osasco (SP) e Contagem (MG) e a emblemática Passeata dos 100 Mil, em 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro.

A censura aos veículos de comunicação se ampliou, professores foram expulsos de universidades e artistas foram presos, casos de Caetano Veloso e Gilberto Gil, que acabaram deixando o país, assim como Chico Buarque – que não chegou a ser detido, mas passou por interrogatório – e Geraldo Vandré, que permaneceu escondido até sair do Brasil de forma clandestina, em fevereiro de 1969. Nesse ano, mais de 300 políticos tiveram os direitos políticos suspensos.

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Repúdio

Um ato de repúdio está marcado para as 19h de hoje, na Câmara de São Paulo, convocado pelo vereador Antônio Donato (PT). “Vivemos em um estado democrático de Direito e não podemos aceitar manifestações que defendem a volta de um instrumento empregado pela ditadura militar que tomou o poder pelo golpe e governou o Brasil de 1964 e 1985”, diz a convocatória da manifestação.

Como já fizeram no ano passado, os integrantes do Coletivo Ato de Resistência apresentam, às 21h, a peça AI-5, uma reconstituição cênica. Atores interpretam os integrantes do Conselho de Segurança Nacional e “revivem” a reunião de 13 de dezembro de 1968. Desta vez, eles se apresentaram no espaço cultural A Próxima Companhia (rua Barão de Campinas, 529, Campos Elíseos, região central de São Paulo).

Filho do atual presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro disse recentemente que, conforme o andamento das manifestações de rua, não se poderia descartar um novo AI-5. Dias depois, foi a vez de o ministro da Economia, Paulo Guedes, declarar que ninguém deveria se assustar se isso acontecesse.

Na reunião do Conselho de Segurança, em 1968, um defensor entusiasmado do AI-5 foi o ministro da área econômica, Delfim Netto, até hoje procurado para repercutir o noticiário. Ao se dirigir ao então presidente, general Artur da Costa e Silva, o ministro afirmou que não apenas estava “plenamente de acordo” com o ato, como considerava que ele era insuficiente. “Eu acredito que deveríamos atentar e deveríamos dar a Vossa Excelência, ao presidente da República, a possibilidade de realizar certas mudanças constitucionais, que são absolutamente necessárias para que este país possa realizar o seu desenvolvimento com maior rapidez”, afirmou.

Não sobra democracia

O vice-presidente, Pedro Aleixo, foi o único voto contrário. Ele propôs, antes da edição de um ato institucional, a decretação de estado de sítio, para uma análise da situação. E já antevia os efeitos do AI-5: “Porque, da Constituição – que, antes de tudo, é um instrumento de garantia de direitos da pessoa humana, de garantia de direitos políticos – não sobra, nos artigos posteriores, absolutamente nada que possa ser realmente apreciável como sendo uma caracterização do regime democrático”.

Ministro das Relações Exteriores, o banqueiro Magalhães Pinto admitiu que,  naquele momento, o país saía da legalidade. “Eu também confesso, como o vice-presidente da República, que realmente com este ato nós estamos instituindo uma ditadura. E acho que se ela é necessária, devemos tomar a responsabilidade de fazê-la”, afirmou. Em seguida, o ministro do Trabalho, coronel Jarbas Passarinho, dizia repugnar o caminho da ditadura, “mas parece que claramente é esta que está diante de nós”. E acrescentou: “Eu seria menos cauteloso do que o próprio ministro das Relações Exteriores, quando diz que não sabe se o que restou caracteriza a nossa ordem jurídica como não sendo ditatorial, eu admitiria que ela é ditatorial. Mas, às favas, senhor presidente, neste momento, todos, todos os escrúpulos de consciência”.

Em texto recente, o escritor Luis Fernando Verissimo também chamou a atenção para os perigos à democracia. “Quando ameaçam, mesmo distraídos, com a volta do AI-5 estão pregando a volta de um terror de Estado que nada legitima ou perdoa, nem a teoria. Tem muita gente, claro, disposta a esquecer ou ignorar os horrores daquela época”, escreveu.

O que foi o AI-5:
  • O presidente da República podia decretar o recesso do Congresso, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais
  • Pelo “interesse nacional”, ao presidente também era permitido intervir em estados e municípios, “sem as limitações previstas na Constituição”
  • Para “preservar a Revolução”, que é como os defensores do golpe de 1964 chamavam o movimento, o presidente também poderia “suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais”
  • A suspensão dos direitos políticos acabava com foro privilegiado e com o direito de votar e ser votado em eleições sindicais, proibição de atividades ou manifestação “sobre assunto de natureza política”, proibição de frequentar “determinados lugares”
  • Também era possível, por decreto, demitir, remover, aposentar servidores, empregados de autarquias, de empresas públicas e sociedades de economia mista, além de demitir, transferir para a reserva ou reformar militares e membros das polícias militares
  • O governo também poderia decretar estado de sítio e prorrogá-lo
  • Ficava suspensa a garantia de habeas corpus, “nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”

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