Água residual ainda é liberada no meio ambiente sem ser tratada, alerta ONU

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Comunidade em Conakry (Guiné) recebe água limpa para ajudar no combate ao ebola (Foto: UNMEER /Martine Perret)

Na ocasião do Dia Mundial da Água, as Nações Unidas divulgaram nesta quarta-feira (22) novo relatório que defende o reaproveitamento das águas residuais como forma de preservar o meio ambiente e combater a escassez de recursos hídricos.

Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, cujo tema é “Águas residuais: o recurso inexplorado”, foi lançado oficialmente nesta quarta-feira (22) em Durban, na África do Sul.

No Brasil, o lançamento aconteceu no Ministério do Meio Ambiente, como parte do Seminário de Celebração do Dia Mundial da Água – Águas do Brasil: 20 anos de Direito das Águas, organizado pela Agência Nacional de Águas (ANA). O evento ocorreu nesta quarta-feira (22).

Elaborado pela UN Water (ONU Água, em tradução livre), entidade formada por agências da ONU e coordenado pelo Programa Mundial das Nações Unidas para Avaliação dos Recursos Hídricos — liderado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) —, o relatório afirma que as águas residuais, uma vez tratadas, poderiam ser fontes importantes para satisfazer a crescente demanda por água doce e outras matérias-primas. “As águas residuais são um recurso valioso em um mundo no qual a água é finita e a demanda é crescente”, disse Guy Ryder, presidente do UN Water e diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Todos podem fazer a sua parte para alcançar a meta do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável para reduzir pela metade a proporção de águas residuais não tratadas e aumentar a reutilização de água potável até 2030.”

De acordo com Ryder, tudo gira em torno de gerir e reutilizar cuidadosamente a água que passa por casas, fábricas, fazendas e cidades. “Vamos todos reduzir e reutilizar com segurança as águas residuais para que este recurso precioso atenda às necessidades de populações cada vez maiores em um ecossistema frágil”, disse.

Para a diretora-geral da UNESCO, Irina Bokova, o relatório mostra que uma melhor gestão das águas residuais está atrelada tanto à redução da poluição na fonte quanto à remoção de contaminantes dos fluxos de águas residuais, à reutilização da água reciclada e à recuperação de subprodutos úteis. “Aumentar a aceitação social acerca do uso de águas residuais é essencial para avançarmos”, argumentou Bokova no prefácio do relatório.

Uma preocupação de saúde e meio ambiente

Uma grande proporção de água residual ainda é liberada no meio ambiente sem ser coletada ou tratada. Isso é ainda mais presente em países de baixa renda, que, em média, tratam apenas 8% das águas residuais domésticas e industriais, em comparação com a taxa de 70% observada nos países de alta renda.

Como resultado, em muitas regiões do mundo, águas contaminadas por bactérias, nitratos, fosfatos e solventes são despejadas em rios e lagos que desaguam nos oceanos, trazendo consequências negativas para o meio ambiente e para a saúde pública. O volume de água residual a ser tratada aumentará consideravelmente em um futuro próximo, especialmente em cidades de países em desenvolvimento com populações que crescem rapidamente.

“A geração de águas residuais é um dos maiores desafios associados ao crescimento de assentamentos informais (favelas) no mundo em desenvolvimento”, afirmam os autores. Uma cidade como Lagos (Nigéria) gera 1,5 milhão de metros cúbicos de águas residuais por dia, sendo que a maior parte acaba sendo despejada sem tratamento na Lagoa de Lagos.

A menos que providências sejam tomadas agora, é provável que essa situação se deteriore ainda mais uma vez que a população da cidade pode ultrapassar 23 milhões de pessoas até 2020, afirmou o documento. A poluição causada por agentes patogênicos de excrementos humanos e de animais afeta quase um terço dos rios da América Latina, Ásia e África, colocando em risco as vidas de milhões de pessoas.

Em 2012, 842 mil mortes em países de renda baixa e média estiveram ligadas à água contaminada e serviços sanitários inadequados. A falta de tratamento também contribui para a propagação de algumas doenças tropicais como a dengue e a cólera, alertou a ONU.

Solventes e hidrocarbonetos produzidos por atividades industriais e de mineração, bem como a descarga de nutrientes (nitrogênio, fósforo e potássio) da agricultura intensiva aceleram a eutrofização da água potável e dos ecossistemas costeiros e marinhos.

Estima-se que 245 mil km² de ecossistemas marinhos — aproximadamente o tamanho do Reino Unido — são atualmente afetados por esse fenômeno. O despejo de águas residuais não tratadas também estimula a proliferação de algas tóxicas e contribui para o declínio da biodiversidade.

A crescente consciência sobre a presença de poluentes como hormônios, antibióticos, esteroides e suspensivos endócrinos em águas residuais apresenta um novo conjunto de desafios, uma vez que seus impactos no meio ambiente e na saúde ainda precisam ser totalmente compreendidos.

A poluição reduz ainda mais a disponibilidade de abastecimento de água potável, que já está sob estresse, principalmente por causa das mudanças climáticas, segundo o documento. No entanto, a maioria dos governos e dos tomadores de decisão têm se preocupado mais com os desafios da oferta de água, especialmente quando ela se torna escassa, enquanto ignoram a necessidade de tratar a água após ter sido utilizada.

“Coleta, tratamento e uso seguro das águas residuais constituem o alicerce de uma economia circular, equilibrando o desenvolvimento econômico com o uso sustentável dos recursos. A água reciclada é um recurso amplamente sub explorado, que pode ser reutilizado diversas vezes”, afirmou o documento.

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Pessoas carregam água em Bangladesh (Foto: Mohammad Rakibul Hasan/PNUD)

Do esgoto para a torneira

As águas residuais são mais comumente utilizadas para a irrigação agrícola e pelo menos 50 países em todo o mundo são conhecidos por utilizarem águas residuais para esse propósito, representando cerca de 10% de todas as terras irrigadas. Contudo, os dados ainda são incompletos em muitas regiões, principalmente na África.

Porém essa prática levanta preocupações de saúde quando a água contém patogênicos que podem contaminar as culturas. Dessa forma, o desafio é passar de uma irrigação informal para um uso planejado e seguro, como a Jordânia tem feito desde 1977, sendo que 90% das suas águas residuais tratadas são utilizadas para a irrigação.

Na indústria, grandes quantidades de água podem ser reutilizadas, para aquecimento e resfriamento, por exemplo, ao invés de serem descartadas no meio ambiente. Até 2020, estima-se que o mercado para o tratamento de águas residuais nas indústrias aumentará em 50%.

Águas residuais tratadas também podem servir para aumentar o abastecimento de água potável, embora ainda seja uma prática marginal. Windhoek, a capital da Namíbia, vem fazendo isso desde 1969. Para combater a recorrente escassez de água doce, a cidade criou uma infraestrutura para tratar até 35% das águas residuais, que depois são utilizadas para complementar as reservas de água potável. Os habitantes de Cingapura e San Diego (Estados Unidos) também bebem, com segurança, água que foi reciclada.

Essa prática pode encontrar resistência do público, que pode se sentir desconfortável com a ideia de beber ou utilizar água que uma vez foi considerada suja, segundo o relatório. A falta de apoio do público levou ao fracasso de um projeto de reutilização de água para irrigação e piscicultura no Egito na década de 1990.

Campanhas de conscientização podem ajudar a conquistar aceitação do público para esse tipo de prática remetendo a exemplos bem-sucedidos, como o dos astronautas da Estação Espacial Internacional que têm reutilizado a mesma água reciclada há mais de 16 anos.

Águas residuais e lodo como fontes de matérias-primas

Além de fornecer uma fonte alternativa segura para água doce, as águas residuais também podem ser vistas como uma fonte potencial de matérias-primas. Graças aos avanços em técnicas de tratamento, certos nutrientes, como fósforo e nitratos, podem agora ser recuperados a partir de esgotos e lodos e transformados em fertilizantes.

Estima-se que 22% da demanda global por fósforo, um recurso mineral finito e em esgotamento, poderia ser atendida pelo tratamento da urina e de excrementos humanos. Alguns países, como a Suíça, já aprovaram uma legislação que exige a recuperação de determinados nutrientes como o fósforo.

As substâncias orgânicas contidas nas águas residuais poderiam ser utilizadas para a produção de biogás, o que poderia ajudar a aumentar as instalações de tratamento de águas residuais, permitindo que elas deixassem de ser grandes consumidoras de energia e adquiram neutralidade energética, ou até mesmo passem a ser produtoras de energia.

No Japão, o governo estabeleceu uma meta que estipula a recuperação de 30% da energia de biomassa existente em águas residuais até 2020. Todo ano, a cidade de Osaka produz 6,5 mil toneladas de combustíveis biossólidos a partir de 43 mil toneladas de lodo de esgoto.

Essas tecnologias não precisam ficar fora do alcance de países em desenvolvimento, uma vez que as soluções de tratamento de baixo custo já permitem a extração de energia e de nutrientes. Elas podem ainda não permitir a recuperação direta de água potável, mas podem produzir água viável e segura para outros usos, como a irrigação. E as vendas de matérias-primas derivadas das águas residuais podem fornecer rendas adicionais para ajudar a cobrir os custos de investimento e operacionais do tratamento de água residual.

Atualmente, 2,4 bilhões de pessoas ainda não têm acesso a instalações sanitárias melhoradas. Reduzir esse número, de acordo com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 da Agenda 2030 da ONU, sobre água e saneamento, significará despejar ainda mais águas residuais que terão de ser tratadas de forma acessível.

Já foi alcançado certo progresso. Na América Latina, por exemplo, o tratamento de águas residuais quase dobrou desde o final dos anos 1990 e cobre entre 20% e 30% da água residual coletada em redes de esgoto urbanas. Mas isso também significa que entre 70% e 80% dessas águas são descartadas sem tratamento, por isso ainda existe um longo caminho a ser percorrido.

Segundo o documento da ONU, um passo essencial nesse sentido é o reconhecimento generalizado acerca do valor da utilização segura de águas residuais tratadas e de seus valiosos subprodutos enquanto alternativas à água doce bruta.

Leia aqui o relatório completo (em inglês).

Fonte: Saúde Popular.

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