AGU: de boa vontade o inferno está cheio

Por Egon Heck e Guilherme Cavalli.

Na última semana, de 02 a 07, uma delegação de oito povos cumpriu uma série de agendas em Brasília (DF). Nos órgãos federais, aproximadamente 70 indígenas vindos do Maranhão (povos Apanikrã Kanela, Krepun, Memortumré Kanela, Krenyê e Gavião), de Roraima (Macuxi e Wapixana) e da Bahia (Tupinambá de Olivença) ressoaram o grito que repudia medidas assumidas pelo atual governo. A principal agenda ocorreu na Advocacia Geral da União (AGU), terça-feira (03), onde os indígenas exigiram a revogação do parecer 001/2017, chamado de anti-demarcação.

Na reunião com a ministra Grace Mendonça (AGU), enquanto um grupo conversava com os representantes do órgão, 50 indígenas dançavam em rituais contra o documento assinado por Michel Temer. “Quanto mais a senhora fala, mais nos deixa preocupados”. A sentença abrevia o “diálogo”. Mesmo que a ministra da AGU utilizasse de um discurso diplomático para, em curtas explicações, demonstrar “amiga dos índios”, a delegação indígena não se deixou encantar.

Dona de uma retórica que advoga em sintonia com o atual governo, a ministra defendeu “boa vontade” de Michel Temer em tomar providência nas terras em processo de demarcação. “Posso garantir a vocês que em conversa com o presidente Temer, ele externou seu desejo de demarcar as terras indígenas”. Óbvio que não seria outro o discurso da advogada da “União”.

Foto: Laila Mendes .

Os indígenas não acreditaram. A respeito à pretensa boa vontade de Temer em dar andamento as demarcações, os indígenas foram imperativos: “O governo não tem interesse em demarcar as terras indígenas. Caso tivesse, já teria feito. O que vemos são avanços contra nossos direitos”. No Brasil, são 836 territórios não demarcados que esperam pela “boa vontade” do poder público. Durante o governo Temer, não houve nenhuma homologação de terra indígena.

Enquanto Grace Mendonça defendia a solicitude de Temer em demarcar os territórios tradicionais, Ramon Tupinambá, cacique, registrava sua preocupação em relação a não demarcação. A liderança foi incisiva em reafirmar: “Os procedimentos administrativos para a homologação já foram realizados, inclusive o levantamento fundiário. O que falta? Aguardamos a urgente assinatura para demarcar nossos territórios”.

Retorno da portaria 303

“A ministra tenta uma manobra para trazer novamente a portaria 303/2012, que também queria trazer o marco temporal para os processos de demarcações”. Antonio Kracrose, liderança indígena do povo Kanela, é claro em sua leitura. “O parecer afeta diretamente nossa organização social, que depende de nosso território. Não acreditamos nessa conversa da Grace Mendonça”.

Enquanto os indígenas são categóricos no que desejam, a ministra se contradiz. “Nenhuma decisão será tomada sem prévio debate com os povos indígenas”, afirma. Em contraponto, indígenas sustentam o desejo de revogação do instrumento que paralisa as demarcações. ““Ministra, não aceitamos esse parecer”, dissemos. Ela continuou insistindo que o parecer é bom. A gente se pergunta: bom para quem?””, questiona Antonio Kanela.

A advogada de carreira, primeira mulher empossada por Temer como ministra, insistiu que desejava ouvir os povos indígenas. Contudo, quando as 12 lideranças colocaram na mesa o insistente anseio de revogação do Parecer 001/2017, Grace Mendonça se contradizia na veleidade de diálogo. Se mantinha intransigente sobre o documento que paralisa os processos de homologações. O acordo de publicação deste foi acertado com figuras da linha de frente da bancada ruralista. Lembrete: quatro dias antes de publicar o parecer, Luis Carlos Heinze (PP-RS) divulgou um vídeo que explicitava os acertos feitos por ele e Osmar Serraglio, à época ministro da Justiça, com Grace Mendonça. O deputado gaúcho afirma que as negociações com a AGU iniciaram em abril.

A ministra assistiu ao vídeo? Parece que subestima a memória dos indígenas. Diz que o parecer defende a vida dos povos tradicionais. Descolada da realidade, conjuga seu discurso a partir da cartilha dos fazendeiros, donos dos bois. Assume a mesma homilia proferido pelo atual ministro da Justiça, Torquato Jardim, quando se reuniu em Brasília com uma delegação indígena vinda do Mato Grosso do Sul. Muda ministro, permanece o discurso. Insistem na política assimilacionista e de mercado, intenção do atual governo em implementar a exploração de recursos naturais e de projetos de produção do agronegócio nas terras indígenas já demarcadas. A delegação, instantaneamente, assinalou que não concorda com qualquer medida que explore a Mãe Terra.

“Não queremos transformar nossas terras em capital de giro, como diz a senhora ministra. Não queremos crescimento individual, como ela defendeu na reunião.  Não aceitaremos essas propostas de lotear nossos territórios. Quem explora a mãe? Esse projeto quer o viver bem para alguns, e não o bem viver para os povos”, insiste a indígena do povo Kanela.

Derrubaremos o parecer anti-demarcação

A ministra permaneceu nos possíveis benefícios do Parecer 001/2017, editado pela AGU a partir de solicitação da Casa Civil da Presidência da República. Afirmou que a medida pretendia trazer segurança jurídica aos processos de demarcação. Reiterou: a intenção do mesmo seria defender os direitos indígenas. Segundo Grace, ao contrário do que alguns procuram difundir, o parecer não faz nenhuma referência ao Marco Temporal.

“O atual governo monta um quebra cabeça para retirar nossos direitos conquistados na Constituição Federal. Querem que nós, povos indígenas, sejamos instrumento de lucro. Não aceitaremos e combateremos ideias como essas. Não concordamos com o argumento que esse tipo de economia vai favorecer os povos indígenas”, garante Adriano Guileto Gavião.

Diga ao povo que avance. “Continuaremos resistindo ao Parecer da AGU por entender que ele é maléfico para os povos indígenas. Estamos sendo afrontados a todo momento, lá na ponta, nas comunidades”, assegurou Ramon Tupinambá.

Boa vontade? Não basta!

Com relação aos reais interesses políticos, as lideranças deixaram claro que, além de não demarcar, o governo Temer tem sinalizado a possibilidade de abrir as terras já demarcadas para a exploração pelas mineradoras, madeireiras e o agronegócio. Quem não sabe que esse é o governo sustentado pela bancara ruralista?

Fonte: CIMI.

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