Agronegócio e evangélicos se instalam na Funai e barram pauta indígena

Por Beatriz Drague Ramos.

O novo presidente da Funai, Wallace Moreira Bastos tomou posse à frente da instituição no início de maio. Como uma de suas primeiras medidas, promoveu exonerações na diretoria de gestão e administração, setor responsável, entre outras funções, pelas licitações do órgão.

Empresário e pregoeiro, ele também é proprietário das franquias Giraffas, Casa do Pão de Queijo, Montana Grill e Café Cancun. Bastos não possui nenhum contato mais estreito com a questão indígena. Anteriormente, ocupava o cargo de subsecretário de Assuntos Administrativos do Ministério dos Transportes.

Para o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), a Funai é objeto de desejo de ruralistas e da bancada evangélica. E a troca recente evidenciaria a transformação da instituição em um espaço de barganha política. “Ali tem uma briga entre os interesses da Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), e os evangélicos, que querem o controle da Funai por razões de evangelização. A FPA ajuda a derrubar quando é um presidente que não responde aos interesses deles, e na hora de nomear ganham os evangélicos. Quem vem perdendo com isso são os próprios índios”, alerta.
Bastos é o terceiro presidente da Funai em um período de menos de um ano, mas a rotatividade do cargo não é o único fator que evidencia uma crise na instituição. O orçamento autorizado para 2018 é de R$ 596,90 milhões, mais do que os R$ 548,65 milhões de 2017. No entanto, a capacidade orçamentária da Funai segue como uma das mais baixas dos últimos 10 anos, de acordo com nota técnica do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), divulgada em janeiro.

“É preciso entender onde o recurso será alocado e se existem condições para ele ser executado, principalmente em uma conjuntura de desmonte do órgão e de ‘teto de gastos’, diz a nota. “A Política Indigenista, assim como as demais políticas públicas e o orçamento público federal para 2018, sofre visivelmente a influência do Teto dos Gastos e da ideologia da austeridade fiscal sustentada pelo governo federal e incentivada pelo Banco Mundial. A fragilidade institucional e orçamentária da Funai é, também, reflexo da influência, por dentro do Estado, de pressões políticas de grupos de interesse que estão de olho no controle de terras e recursos naturais.”

Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, diz que o enfraquecimento da entidade vem desde o fim do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acentuando-se no governo Temer. “Houve um desmonte na política de demarcação desde o fim do último mandato do Lula, e consequentemente uma paralisação de 100% das demarcações. A Funai, hoje, está sendo loteada, politicamente falando”, aponta.

De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em março do ano passado foram extintos de uma só vez, por decreto, 347 cargos comissionados. Com investimentos reduzidos em mais de R$ 40 milhões entre 2016 e 2017, as demissões tornaram-se frequentes.

Um funcionário, que preferiu não se identificar, diz que a situação crítica o fez passar por perseguições na instituição devido a suas posições políticas. Ele olha as últimas demissões com desconfiança. “O que a Funai mais recebe dos deputados, que é a pauta principal da assessoria parlamentar, são pedidos de nomeação de aliados para cargos públicos. As nomeações feitas foram sempre com pessoas que não têm histórico de trabalho na Funai, de trabalho com os povos indígenas.”

Segundo outra funcionária da Funai, que também pede anonimato, os servidores indicados chegam com tarefas específicas, como a de não encaminhar demarcações de terras, fazer avançar a agenda da abertura de áreas para o agronegócio, e liberar projetos em terras indígenas ligadas a políticos. “Especialmente em Roraima, com empreendimentos de interesse direto do senador Romero Jucá”, alega.

A servidora diz ainda que as perseguições permeiam diferentes níveis de funcionários, e pioraram com o desmonte do alto escalão da Funai no governo Temer. “Estão agora à frente das diretorias pessoas que não seguem a ética, que estão lá para cumprir outros objetivos, os servidores que trabalham bem acabam sendo um empecilho”, concluiu.

Cotas partidárias

No dia 19 de abril deste ano, Dia do Índio, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas pediu demissão da presidência da Funai, após a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) ter entregue a Temer uma carta assinada por 40 deputados e senadores, pedindo o afastamento de Freitas. O argumento era de que ele não vinha “colaborando” com o setor.

De acordo com nota da INA – Indigenistas Associados, associação fundada por um grupo de servidores da Funai, a lógica de loteamento partidário fica mais evidente a cada dia, uma vez que a força política do PSC não é a maior dentro de um órgão extremamente ramificado no território nacional como a Funai. O quadro das coordenações regionais seria hoje um polo de atuação regionalizada de parlamentares da base de sustentação do governo federal, com legendas como MDB, PSC, PP, PSDB e PR. A nota aponta ainda o deputado André Moura (PSC-SE), líder do governo no Congresso Nacional, como o “gerente político dos cargos e do orçamento da Funai, utilizando-os como moeda de troca em negociações sobre outros assuntos com deputados e senadores de outros partidos”.

Ameaças em pauta

As ameaças aos povos indígenas no cenário político atual são inúmeras. No Congresso Nacional tramitam o PL 3729/2004, na Câmara, e o PLS 168/2018, no Senado, Ambos dispõem sobre o licenciamento ambiental para o desenvolvimento de obras e empreendimentos poluidores. Segundo nota da Apib, a nova versão do projeto de lei em tramitação na Câmara “deve debilitar ainda mais a instituição e inviabilizar pelo menos 227 processos de demarcação que estão em andamento”.

Nilto Tatto critica o parecer 001 da Advocacia-Geral da União (AGU), que estabelece o uso da tese do “marco temporal”, entre outras limitações para o processo de demarcação e gestão de terras indígenas. “O parecer da AGU é inconstitucional, eles querem fazer valer para todos os processos a definição do caso da TI Raposa Terra do Sol, que na época foi uma decisão específica do STF”, argumenta Tatto.

Tuxá acredita que os povos devem lutar pela revogação do parecer, mas não só. “Nós fomos obrigados desde a invasão a nos posicionarmos de uma forma muito resistente, a nossa palavra de ordem hoje é a resistência, resistir para existir. Não tem governo posto ou pessoas que acabarão com os povos indígenas no Brasil. Se em 518 anos isso não aconteceu, não será hoje que vai acontecer”.

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