Agricultor é libertado e entidades apontam criminalização da luta pela terra na Mata Sul

São muitas as denúncias de violação dos direitos contra os moradores do Engenho Fervedouro e outros engenhos existentes nas terras da Frei Caneca. A situação de violentos conflitos fundiários, que expressam acirramento da disputa pela terra no período de pandemia, tem assolado boa parte da Mata Sul de Pernambuco.

Agricultor Ernande Vicente Barbosa da Silva (Foto: Divulgação/CPTNE2)

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Após 34 dias de prisão, Ernande Vicente Barbosa da Silva, de 52 anos, finalmente foi libertado. Para a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a detenção do agricultor representou mais um capítulo da criminalização da luta legítima pelo direito à terra na antiga Usina Frei Caneca, localizada no município de Jaqueira, na Mata Sul de Pernambuco. Cerca de 75 famílias que vivem no Engenho Fervedouro desde os anos 1970 estão sendo pressionadas, pela empresa Agropecuária Mata Sul S/A, a deixar suas terras e casas numa escalada de violência que tem mobilizado a sociedade civil organizada do campo.

Ernande teve a prisão decretada pela Justiça, no dia 21 de agosto, a pedido do delegado Flávio Sorolla como um dos suspeitos pelo atentado a Alisson Manoel da Silva, funcionário da Agropecuária Mata Sul S/A, praticado no dia 22 de junho. Alisson estava dirigindo em uma estrada que cruza o Engenho Amaraji, em Ribeirão, quando dois homens numa moto dispararam tiros em direção ao seu carro. Ele conseguiu sair da situação sem ser atingido e prestou queixa. Ernande nega qualquer participação no episódio. Com o fim das investigações, o delegado pediu o relaxamento da prisão e a Justiça libertou o agricultor que estava detido no Presídio Rorenildo da Rocha Leão, em Palmares.

O detalhe é que Ernande foi preso justamente quando procurava a Delegacia de Jaqueira, por estar se sentindo ameaçado. Na manhã daquele dia, quando estava pronto para ir ao trabalho, um carro da Agropecuária Mata Sul S/A, com os vidros escurecidos, fez a volta lentamente em frente à sua casa, em uma rua de difícil acesso que não tem circulação de automóveis. Para quem não acompanha os conflitos fundiários que envolvem o Engenho Fervedouro, onde mora o agricultor e sua família, a breve visita não diz muita coisa, mas para Ernande soou como uma ameaça real.

Ernande e um dos advogados responsáveis pela sua defesa, Rui Rodrigues, na saída do Presídio Rorenildo da Rocha Leão, em Palmares (Foto: Divulgação/CPTNE2)

Trabalhadores rurais na mira de delegado

O delegado Flávio Sorolla também está à frente de uma investigação por tráfico de drogas e armas na região e colocou na sua mira os agricultores que lutam pelas terras em Fervedouro, entre eles o próprio Ernande e mais nove outros trabalhadores rurais. Alisson, o funcionário da Mata Sul S/A que sofreu o atentado, é citado como uma das testemunhas ouvidas sobre as acusações de associação ao tráfico de armas e drogas atribuídas a estes agricultores, em inquérito policial.

Nesse mesmo período começou a circular denúncias de que haveria uma lista de agricultores marcados para morrer, informação repassada por uma fonte anônima a entidades da sociedade civil.

No dia 16 de junho, a Polícia Civil cumpriu um mandado de busca e apreensão nas casas das dez famílias nomeadas no inquérito. Neste dia, três agricultores e uma agricultora tiveram que prestar esclarecimentos na Delegacia de Jaqueira sobre o suposto envolvimento com tráfico de drogas e armas. Na ocasião, os agricultores José Severino Elias da Silva e Adson Michael da Silva foram presos, mas soltos após alguns dias.

Um mês depois, o agricultor Edeilson Alexandre Fernandes da Silva, de 24 anos, sofreu uma tentativa de homicídio em Fervedouro. Foi alvejado com sete tiros e internado em estado grave em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Hoje, Edeilson não reside mais em Fervedouro porque não se sentia mais seguro no local após o ocorrido.

A reportagem solicitou à Polícia Civil atualização sobre o andamento do inquérito que investiga os dez agricultores sobre associação ao tráfico de armas e drogas. Em nota, o órgão afirmou que “todas as diligências necessárias estão sendo realizadas, tais como cumprimentos de Mandados de Busca e Apreensão e oitivas de acusados e testemunhas. O inquérito está em fase de conclusão, mas a PCPE só se pronunciará após a finalização do procedimento.”.

Criminalização do direito à terra

Segundo a advogada da equipe jurídica da Comissão Pastoral da Terra no Nordeste (CPTNE2), Mariana Vidal, que está acompanhando de perto os casos, não havia qualquer prova para embasar a prisão de Ernande por nenhum dos dois inquéritos, incluindo o do atentado a Alisson.

“O que eu acredito é que esse aparelho do Estado, que é a Polícia Civil, vem sendo em grande medida instrumentalizado para criminalizar a comunidade de Fervedouro e outras comunidades que estão vivenciando um conflito fundiário com a empresa Agropecuária Mata Sul, que quer se apropriar dos territórios dessas comunidades. Criminalização é uma estratégia que esses grupos econômicos vem se utilizando há muito tempo quando querem minar as forças de uma comunidade. A criminalização de Ernande não está isolada, ela faz parte de um conjunto de tentativas de criminalização”.

A defesa de Ernande está sendo feita pela Defensoria Pública do Estado, a equipe jurídica da CPTNE2 e pelo Observatório Popular de Direitos Humanos. A fala de Mariana reforça o posicionamento da própria comissão e outras organizações da sociedade civil que ingressaram com uma representação na Corregedoria da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS-PE) contra o delegado Flávio Sorolla.

O documento aponta fraudes, arbitrariedades e ilegalidades que teriam sido praticadas pelo delegado durante a condução do inquérito policial, principalmente durante a operação realizada no dia 16 de junho.

A disputa pela terra, travada entre as famílias agricultoras e a empresa Agropecuária Mata Sul S/A, que ocorre desde 2013, já foi abordada em reportagem anterior da Marco Zero Conteúdo.

Apesar de não ser o titular oficial da empresa, o fazendeiro e empresário pernambucano Guilherme Cavalcanti Petribú Albuquerque Maranhão é quem se faz presente nas terras da falida Usina Frei Caneca, se colocando como tal. Foi registrado um boletim de ocorrência contra ele por tentativa de atropelamento a um grupo de agricultores, no dia 24 de abril desse ano. Ernande estava entre os trabalhadores que fizeram a denúncia. Guilherme é irmão de Marcello Maranhão (PSB), prefeito do município de Ribeirão.

São muitas as denúncias de violação dos direitos contra os moradores do Engenho Fervedouro e outros engenhos existentes nas terras da Frei Caneca. A situação de violentos conflitos fundiários, que expressam acirramento da disputa pela terra no período de pandemia, tem assolado boa parte da Mata Sul de Pernambuco.

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