Ágatha, como se fosse o alvo em um jogo no vídeo

Arte: Rodrigo Yokota

Por Nilson Lage.

Já vi muita desgraça.
Corpos despedaçados em desastre de trem.
Gente agonizante pedindo que a matassem.
“Se a anamnese mostrar que a mãe do bebê caquético não tem como comprar leite e ovos, não adianta internar. Dê uma lata de leite em pó e libere”
Esqueletinhos furando o asfalto para cobrir com barro e assim ganhar moedas dos motoristas.
Prostitutas anciãs.
Numa rua da Boa Viagem, perto do hotel, a menina de uns dez anos propondo: — Uma chupadinha, doutor? Dez reais.

No entanto, jamais me comovi tanto quanto com essa história da Ágatha Félix, morta com um tiro de fuzil na kombi do avô.
Sei o quanto trabalho, amor, esperança e orgulho se embute em uma criança de oito aos, de família de trabalhadores pobres, que dança balé e ensina inglês em casa aos tios encantados.
Ou porque foi algo assim que me impulsionou na vida, porque tive quatro filhas ou porque a velhice derreteu em lágrimas alguns calos guardados na memória, a revolta impotente fere e magoa.
Essa polícia perdida, corrompida e inútil, sob tão estúpido comando, que leva no carro trouxinhas de maconha e armas sem serventia para plantar junto dos corpos que assassina; que repete nos relatórios as mesmas frases para se livrar da culpa – “fomos recebidos com tiros e revidamos”, “estava armado”. E, todos sabem, quase sempre é mentira.
Homens com medo, armados, vendo sombras, tentam sobreviver a uma guerra cuja lógica não entendem. Atiram a esmo em lugares povoados como se Ágatha ou as dezenas de criancinhas já abatidas no Rio de Janeiro fossem os alvos em um jogo no vídeo.
“Error” “Try again”.
E o cheiro de enxofre que vem daqueles bairros bonitos à beira-mar. Gente que manda e comanda a malta dos tolos, gananciosa, dona da verdade e sem noção, que meu pai dizia, “é perigosa”.
E como é!

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