Adeus à privacidade doméstica?

Foto: Pexels

Por Rôney Rodrigues.

Em janeiro de 2018, duas mulheres foram assassinadas em New Hampshire, nos EUA, e, com base na análise de câmeras de segurança, Timothy Verrill foi acusado pelo duplo homicídio. No entanto, o que gerou polêmica no caso foi a decisão do juiz de convocar uma inusitada testemunha: Alexa, a assistente virtual inteligente da Amazon. Um Echo (alto-falante controlado por comandos de voz) encontrado na cena do crime pode conter provas que ajudem a elucidar a autoria e a motivação dos assassinatos. O juiz demandou que a Amazon entregue as gravações, porém a empresa alegou que não disponibilizará informações de seus usuários “sem uma demanda legal válida”, alegando ser contra solicitações “excessivas ou inapropriadas”. O julgamento de Verrill começa em maio desse ano.

Alexa também se envolveu em outra controvérsia. Um alemão denunciou à revista de tecnologia C’t (que preservou sua identidade) que, nas vésperas do último Natal, baixou suas informações pessoais da Amazon e teve uma surpresa: 1.700 gravações de voz na assistente virtual inteligente, em que se podia ouvir um homem em várias partes de sua casa, inclusive no banheiro. O problema era que as gravações pertenciam a outro usuário. A empresa, quando inquirida pela Reuters, alegou “erro humano” e que esse era “um caso isolado”.

Os dois fatos – um grave, que envolve um crime brutal e outro, aparentemente, fruto de um erro — levantaram questões a respeito de informações coletadas, com e sem consentimento dos usuários, nos espaços domésticos. As grandes empresas de tecnologia — como Amazon, Google, Apple e Facebook – já perceberam que nossas casas são plataformas subutilizadas para a coleta de dados sobre nossos comportamentos e vêm, nos últimos anos, desenvolvendo tecnologias cada vez mais sofisticadas de assistentes virtuais inteligentes.

Também conhecidos como smart speakers, esses assistentes virtuais integrados possuem inteligência artificial, funcionam por comandos de voz e aprendem por meio de interações com as pessoas, melhorando, continuamente, suas respostas. Para alguns, são uma promessa de “casa do futuro”. Segundo uma pesquisa da Adobe Analytics, divulgada em setembro de 2018, 32% dos lares estadunidenses já possuem essa tecnologia. A previsão da Adobe é que, após o fim do ano, o número chegue a 48%. Zelar pela segurança da casa com fechaduras, alarmes e câmeras inteligentes, controlar as luzes e a temperatura, indicar a lista e validade dos produtos da sua geladeira, programar despertador e máquina de lavar roupas são algumas de suas aplicações.

Porém, conectar tudo pode ser apenas o começo. As empresas garantem aos clientes que os dispositivos só se engajam ao “ouvirem” um comando, como um “Hey, Google!” ou “Alexa!”. Porém, para operarem corretamente devem captar e processar, atentamente, cada palavra em seu entorno. Só assim “despertam” ao comando pré-estabelecido. Essas empresas, portanto, terão à disposição um banco de dados com gravações da “esfera íntima”, tanto que falamos como o que não falamos, para analisar e usá-los segundo suas conveniências.

Colin Hargan, escritor canadense especializado em inovações tecnológicas e mídias sociais, em artigo no Medium, levanta questões intrigantes sobre o advento das assistentes virtuais inteligentes: estaríamos preparados para as inúmeras maneiras que alto-falantes inteligentes sintonizados em nossas casas poderiam ser exploradas por empresas ou governo? Sabemos o que precisamos fazer para nos proteger – ou até que ponto a proteção é necessária – ou, ainda, se existem ferramentas disponíveis para isso?

“Quando cada barulho em nossas vidas é uma busca”, escreve ele, “os sons de nossas casas, a sinfonia da vida — rir, chorar, falar, gritar, sentar em silêncio — não serão mais consideradas memórias, mas dados. Quanto mais humanizamos a tecnologia — quanto mais ela deixa de ser apenas uma parte do mobiliário para ser parte da família — mais as nossas vidas se tornarão menos humanas”.

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