Acumulação de capital e de antagonismos. Por José Álvaro Cardoso.

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Por José Álvaro Cardoso.

A COVID-19 representa uma das crises globais de saúde mais graves dos nossos tempos, como se sabe. Catalisou um dos choques econômicos mais dramáticos da história, tendo, dentre outras coisas, engrossado o número de pobres em centenas de milhões. Como ocorre nessas situações em geral, a atual crise global está afetando as pessoas diferenciadamente, sendo muito mais dura para os mais vulneráveis. Claro que o grosso da conta da crise é transferido para a classe trabalhadora. Mas, mesmo no interior dessa, o impacto é diferenciado, a depender de variáveis como o tipo de país, setor econômico, tipo de inserção no mercado de trabalho, gênero, e assim por diante. Sabe-se, por exemplo, que os trabalhadores em fábricas de processamento de carne estão sendo muito penalizados no Brasil, nos Estados Unidos e Europa.

As mulheres, minorias étnicas, migrantes, são segmentos da classe trabalhadora extremamente penalizados também pela crise, por receberem menos, estarem na economia informal, e assim por diante. Quem ainda consegue se defender um pouco melhor do flagelo são os trabalhadores sindicalizados, que, apesar de todos os ataques dos últimos anos, têm mais direitos sociais, rendimento regular, e uma articulação coletiva que garante o mínimo de proteção. Neste contexto, um problema adicional é que as organizações sindicais vêm sendo desmontadas a um bom tempo, no mundo todo. No Brasil, em paralelo à construção do Golpe de Estado, de 2012 a 2019 os sindicatos perderam 3,8 milhões de filiados, segundo dados da Pnad Contínua/IBGE. Em 2019, das 94,6 milhões de pessoas ocupadas no país, 11,2% ou 10,6 milhões de profissionais estavam associados a sindicatos. Em 2012, 16,1% da população ocupada era sindicalizada ou 14,4 milhões de profissionais.

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Na condição de primeira e mais importante linha de defesa do trabalhador, os sindicatos se movem, em qualquer época, sob violento fogo cerrado. Mas neste momento, os inimigos dos trabalhadores, que estão no poder, aproveitam a desarticulação sindical para tentar liquidar de vez direitos sociais e sindicais. Os governos golpistas vêm empreendendo, desde Temer, uma devastação sistemática dos direitos e da renda no Brasil, inclusive os referentes à estrutura e financiamento sindical. Esse era o jogo planejado, o golpe foi dado também para isso.

Se estima que perto de 400 milhões de empregos em tempo integral foram liquidados em todo mundo, nos primeiros seis meses do 2020. Os trabalhadores mais vulneráveis (de baixa renda, informais, mulheres, minorias étnicas) são os que mais perderam seus empregos. Nos Estados Unidos, os empregos de estratos mais inferiores, de baixa renda, sofreram uma redução de 35% desde fevereiro. Esta é uma regra geral de funcionamento do mercado de trabalho: quem está na informalidade, tem escolaridade baixa, tem menor qualificação para o trabalho sofre mais rapidamente os impactos do desemprego. Além disso, quando a economia se recupera, esses trabalhadores são os últimos a se reinserirem no mercado de trabalho.

Vemos no Brasil, mas é um fenômeno mundial, que uma parte expressiva dos trabalhadores não dispõe de acesso a sistemas de proteção trabalhista/social e a auxílios emergenciais governamentais. A renda do trabalhador informal, como se sabe, ”é da mão pra boca”, ou seja ele não dispõe de reservas. Se é demitido, como não tem seguridade social, como seguro desemprego ou FGTS, fica à mercê da “insegurança alimentar”, nome elegante para a Fome.

A perda de empregos decorrente da crise mundial afetou mais mulheres do que homens: estima-se que 54% dos empregos perdidos são de mulheres, mesmo constituindo elas menos de 40% da força de trabalho mundial. No entanto, enquanto trabalhadores, do mercado formal e informal, se esforçam ao máximo para não morrer de fome, muitas das maiores empresas do mundo estão usando seu poder econômico e político não só para se proteger das consequências das crises (econômica e sanitária). Foi esta a constatação de estudo recente, divulgado pela ONG Oxfam, intitulado: “Poder, Lucros e Pandemia”, que revela como, em todo o mundo, as grandes empresas aproveitam a crise para engordar os lucros dos seus acionistas, que se concentram, em 90%, nos países ricos. Segundo a Oxfam, os lucros altíssimos são obtidos, na melhor das hipóteses, porque as empresas atuam em um setor que se beneficiou com a pandemia. Na pior, porque estão lucrando mesmo às custas das pessoas que estão sofrendo com os custos da pandemia.

Reconheçamos que, guardadas as devidas diferenças, o fenômeno não é novo na história. Durante a Segunda Grande Guerra, entre os trabalhadores escravizados nos territórios ocupados pela Alemanha, centenas de milhares foram usados por grandes corporações alemãs como Thyssen, Krupp, IG Farben, Bosch, Blaupunkt, Daimler-Benz, Demag, Henschel, Junkers, Messerschmitt, Siemens, Volkswagen, BMW. Assim como a empresa holandesa Philips. É fato relativamente conhecido, inclusive, que a famosa grife Hugo Boss fabricou uniformes para o exército nazista antes e durante a guerra. Neste mesmo período o Deutsche Bank roubou bens de judeus e vendeu ouro de vítimas do Holocausto.

Segundo o citado estudo da Oxfam, grandes empresas do mundo aproveitam a crise e a COVID-19 para acumular uma riqueza ainda maior para seus acionistas e altos executivos. Tais empresas pertencem a um grupo cada vez menor de capitalistas, na esmagadora maioria bilionários residentes nos países imperialistas centrais. Tais grupos já vêm ganhando muito dinheiro desde a década passada, que foi a mais lucrativa da história. Os lucros das empresas listadas na Global Fortune 500 aumentaram em 156%, saindo de US$ 820 bilhões em 2009 para US$ 2,1 trilhões em 2019. Tal desempenho dessas empresas na década passada, coincide com um empobrecimento dos trabalhadores em todos o mundo. Os salários ficaram estagnados, aumentou a taxa de desemprego, a precarização do trabalho se generalizou. São dois lados de uma mesma moeda.

Os lucros extraordinários auferidos pelas empresas na década passada, como mostra a Oxfam, foram, na sua grande maioria, distribuídos a acionistas ricos. Inclusive pelas mãos dos altos executivos das empresas, que, em regra, são também acionistas. Ao mesmo tempo em que ganharam muito dinheiro, as grandes empresas aperfeiçoaram os seus mecanismos de evasão e sonegação fiscal. Embora as estimativas variem, segundo a pesquisa da Oxfam, o total de perdas fiscais globais anuais decorrentes da evasão fiscal de empresas pode chegar a US$ 600 bilhões por ano.

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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