Acompanhe a cobertura

Por Gustavo Siqueira e Larissa Cabral.

O portal Desacato está fazendo uma cobertura especial das Jornadas Bolivariadas 2012, atividade promovida anualmente pelo Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Acompanhe abaixo os artigos de Guga Siqueira. A 8ª edição das Jornadas tem como tema “O Caribe: espaço estratégico na América Latina” e seu lançamento ocorre no auditório da reitoria, às 19h, em conferência com Digna Castañeda, presidente da Cátedra do Caribe, da Universidad de La Habana (Cuba).

O estudante da 7ª fase de História da UFSC, colaborador do Desacato e membro da Cooperativa de Produção em Comunicação e Cultura, Gustavo Siqueira, irá acompanhar parte da programação e irá compartilhar com os leitores suas impressões pessoais, com embasamento teoórico e crítico, sobre temas debatidos durante o evento. O objetivo é prolongar e aprofundar questões abordadas nos encontros e prestigiar iniciativa tão importante por parte do IELA.

A programação completa das Jornadas Bolivarianas 2012 pode ser visualizada aqui.

Acompanhe o blog das Jornadas Bolivarianas aqui.

As Jornadas Bolivarianas – São encontros anuais dedicados a análises da vida política, econômica e cultural dos países latino-americanos, que permitem a formulação e disseminação de análises teóricas críticas, voltadas para a superação dos elementos estruturais que perpetuam a dependência e o subdesenvolvimento no nosso continente.

25/04/2012 – A realidade do Haiti

A manhã de quarta-feira (25) teve como conferencista a professora Maria Ceci Misozcky da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e o tema apresentado foi “A realidade do Haiti”. Embora a professora tenha alertado que não é especialista em Haiti, seu comentário foi muito pertinente ao fazer um apanhado geral da história política haitiana.

Ceci começou apresentando dados a respeito do país, destacando a média de idade muito baixa entre os haitianos, que não supera 21 anos. A expectativa de vida, por sua vez, é de 54 anos. Em relação aos dados econômicos, frisou que 4% da população detêm 66% de toda a riqueza. Perguntamo-nos o que aconteceu na trajetória deste país, que se tornou tão dependente e miserável a ponto de – livre de anacronismos – poder ser comparado com a desolação do contexto colonial francês.

Tomando como uma de suas referências o trabalho de Cyril James, a professora destacou a importância da Revolução Haitiana (iniciada em 1791) como única na história a ser realizada por ex-escravos. Apesar de em algumas correntes historiográficas a Revolução que culminou na independência do Haiti ser vista unicamente como “influenciada” pela Revolução Francesa, devemos fazer justiça e atribuir a ela sua verdadeira importância. Não é o caso aqui de diminuir o impacto – que reconheço positivamente em seu contexto – da Revolução burguesa levada a cabo na França. No entanto, e isso nos lembra os estudos mais apurados no âmbito popular latino-americano, é inadmissível que a Revolução Haitiana seja ainda vista (quando vista) nas escolas como um movimento secundário, da mesma maneira que a Revolução Mexicana é pouco debatida e expropriada de sua grande influência para a América do Sul no começo do século XX.

O lema copiado dos franceses pelos haitianos de “Liberdade, igualdade e fraternidade” poderia ser interpretado hoje como uma resposta dos ex-escravos ao governo francês, que na tomada do poder após 1789 o aplicaram apenas para a França, mantendo o sistema escravista e altamente hierarquizado nas colônias. A conferencista lembrou desse aspecto, tratando-o como uma medida “reacionária”, e acrescentando que a força revolucionária da época era considerável, pois sob o comando de Dessalines, venceu as tropas de Napoleão Bonaparte no ano de 1803 quando esse detinha uma das maiores frotas militares e intencionava recuperar a ilha para restabelecer o sistema escravocrata.

Maria Ceci ainda trabalhou a questão do racismo na ilha. Destacou que o problema da discriminação ocorre entre negros e mulatos, uma herança da hierarquia “esbranquiçada” do sistema colonial (que, sem embargo, não é exclusividade do Haiti e marca as sociedades latino- americanas até hoje). Para isso, vale destacar o que disse James em “Os Jacobinos Negros” (1938): “As vantagens de ser branco eram tão evidentes que o preconceito de raça contra os negros impregnou a mente dos mulatos, que tão amargamente se ressentiam do tratamento preconceituoso recebido pelos brancos”. Percebe-se infelizmente, como ressaltou Ceci, que essa amarga visão não foi superada pela sociedade haitiana.

Poderíamos enumerar mais fatores importantes relativos à história do Haiti e seus governantes na perspectiva que deu Maria Ceci, mas para nossa proposta aqui, basta apresentar alguns aspectos mais destacados da realidade desse país, com a intenção de despertar nos amigos leitores o interesse de acompanhar e se informar a respeito do que acontece nesta região estratégica e pouco conhecida de nosso continente. Além do mais, atribuímos o devido reconhecimento ao evento das Jornadas Bolivarianas que são a válvula de escape dos estudos críticos dentro da Universidade Federal de Santa Catarina e todo o estado.

A produção do portal Desacato agradece a todos que nos acompanharam e lembra que na noite desta quarta-feira ocorrerá uma mesa redonda com todos os conferencistas e pode ser acompanhada ao vivo pelo nosso site www.desacato.info.

24/04/2012 – Os Estudos sobre o Caribe

Por Gustavo Siqueira.

O segundo encontro das Jornadas teve como tema “Os Estudos sobre o Caribe”. Quem ministrou a conferência foi o colombiano Carlos Martínez, que é professor de Ciências Econômicas da Universidad Nacional de Colombia.

Martínez tratou de expor o poderio estadunidense que se revela em forma de bases militares na América do Sul. Através de um mapa, apresentou todos os pontos onde se encontram as bases e apontou suas importâncias geopolíticas no continente. Como colombiano, ressaltou o perigo existente no seu país, que abriga sete bases ianques, e lembrou, citando um pronunciamento do Plan Colombia, que “para controlar a Venezuela é necessário militarizar a Colômbia.” Não à toa o país que Uribe deixou a Santos é o mais militarizado da América Latina e que, no entanto, não consegue vencer as FARC (Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia) dentro de seu território. Esgotam-se forças e vidas humanas, ressurge no para-militarismo, justifica-se no combate ao narcotráfico, mas a guerra não deixa de acabar com a vida de civis, militares e guerrilheiros.

Hernando Calvo Ospina, jornalista colombiano, atualmente colunista do Le Monde Diplomatique em Paris, trata de apresentar uma visão adversa àquela vinculada na mídia colombiana – e brasileira – sobre a guerrilha que já dura 60 anos. Ele nos mostra como a atividade do governo colombiano serve para a manutenção da ordem vigente, fechando sindicatos, organizações de esquerda e reprimindo pequenos grupos de camponeses. Neste aspecto é importante frisar o ciclo vicioso da atitude irracional do governo Uribe (e outros anteriores), pois o destino dos civis perseguidos (se não encontram a morte) será a guerrilha, única alternativa para sua salvação e vingança. Desde esta perspectiva, é muito justificado o uso do termo “terrorismo de Estado” no título de sua obra (lançada em 2010 pela editora Insular) que treina suas tropas nas mais avançadas escolas militares dos EUA.

Este assunto encerrou o discurso de Martínez, ainda que o colombiano tenha focado na 4ª Frota estadunidense e sua estratégia de controle sobre a América do Sul a partir do Caribe. O professor apresentou os modelos de que dispõe os EUA nesta frota, como os aviões C17 e C135, um porta-aviões e um radar móvel AWAK. Deixando a todos conscientes do que têm os norte-americanos para nós, questionou as intervenções “humanitárias” do governo nas ilhas caribenhas, fruto do interesse de dominação imperialista.

Martínez, finalmente, concorda com Castañeda no que diz respeito à integração dos países e a necessidade de acirramento na ajuda brasileira no Haiti com elementos além de tropas militares. Como sul-americano, lembrou que o Brasil vem se aproximando cada vez mais e positivamente, deixando de dar as costas para a América Hispânica, e vice versa. Em relação ao Caribe, o colombiano mostrou a debilidade dos países em relação a produtos como materiais de construção, combustível e etc. e citou a si próprio numa frase instigante que serve para a reflexão no âmbito americano e mundial: “no Caribe se produz o que não consome e se consome o que não produz.”

Bases norte-americanas na América Latina
———————————————————————————————————————————————–

Fotos do primeiro e segundo dia das Jornadas por Rubens Lopes e Carlos Martínez

23/04/2012 – O Caribe, região estratégica do imperialismo

Por Gustavo Siqueira.

As Jornadas Bolivarianas inauguram sua 8ª edição com aquilo que se poderia esperar de um evento desta proposta: um tema polêmico e discursos com forte caráter crítico. Polêmico para quem não está acostumado com o fundamental debate caribenho – “méritos” da mídia nacional – e crítico para quem reconhece a região em um mapa, mas ignora sua importância histórica.

A conferencista da noite, segunda-feira (23) foi Digna Castañeda, presidenta da Cátedra do Caribe da Universidad de La Habana (Cuba), que abriu seu discurso lembrando aos presentes o seguinte: o Caribe não é apenas belas praias, rum e grandes resorts. Apesar de óbvio, é importante ressaltar este aspecto, pois esta visão estereotipada desvirtua o indivíduo do pensamento crítico em relação a essa conturbada região do nosso continente. Para isso, Castañeda apresentou diferentes definições de Caribe, e a primeira delas, de Germán Arciniegas, conceitua as ilhas como área fundacional das Américas e responsável pelo desenvolvimento ocidental. Esse ponto é essencial pra compreender a que visão de Caribe devemos nos fixar, pois o desenvolvimento do capitalismo dependeu diretamente das produtivas terras caribenhas, seja a Inglaterra pelas Antilhas, seja a França pelo Haiti/Santo Domingo. Países como o Haiti são exemplo do saque desenfreado da Europa mercantil, assolando o país que sofre política e economicamente até hoje. Em Cuba, uma das mais tardias independências da América, romper o jugo colonial foi uma tarefa que só se consolidou em 1959 com a Revolução de Fidel, Raul, Camilo e Ernesto. A independência política de 1898, como lembrou Digna, representou apenas a troca de um colonizador espanhol por outro estadunidense.

Na base do discurso da professora cubana está evidente a influência de Eric Williams (que ela devidamente referenciou). Williams escreve na década de 1940 sobre o surgimento do racismo contra o negro como fruto da escravidão (e não o inverso), pois a necessidade de braços para o trabalho e a proximidade da Grã-Bretanha com a costa africana e baixos preços pela sua aquisição tornavam a oferta mais interessante economicamente. Em relação à mão-de-obra branca, ela era escassa e não provinha de uma condição escravista, mas de servidão por contrato. E os índios, por sua vez, não se apresentavam com a eficiência do negro africano. Desde esta perspectiva, podemos afirmar que o racismo contra o negro é causa direta do capitalismo e os anseios do mercantilismo europeu.

A abordagem do “racismo de pele” não passou despercebida por Castañeda. Surpreendeu-me a semelhança da sociedade etnocêntrica caribenha com a sociedade colonial brasileira. A classificação dos indivíduos segundo sua etnia e cor de pele parece ser uma constante nas relações Metrópole-Colônia das Américas. A cubana ainda chamou a atenção pro “neo racismo”, que, para ela, se constitui como o preconceito contra a religião, jeito de se vestir e tantos outros existente nas sociedades atuais.

Por fim, Digna Castañeda propõe que uma das saídas para se realizar a ascensão caribenha é a união entre os países. Repetidas vezes a professora ressaltou o problema da fragmentação do Caribe e a necessidade de se criar uma unidade. Neste aspecto, demonstrou otimismo com a CELAC (Cumbre de Estados Latinoamericanos y Caribeños) que, em nome de Simón Bolívar e José Martí, vem trazer uma nova alternativa de integração e respeito à soberania nacional de nossa América.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.