Ação sindical em conjuntura de guerra. Por José Álvaro Cardoso.

 

Foto: Sintrasem

Por José Álvaro Cardoso.

De 2012 a 2019 os sindicatos perderam 3,8 milhões de filiados no Brasil, segundo dados da Pnad Contínua/IBGE, divulgados em agosto. Em 2019, das 94,6 milhões de pessoas ocupadas no país, 11,2% (10,6 milhões de pessoas) estavam associados a sindicatos. Em 2012 16,1% da população ocupada era sindicalizada ou 14,4 milhões de pessoas. Uma queda muito significativa, exatamente num período em que os trabalhadores mais precisavam da ação dos sindicatos. Na condição de primeira e mais importante linha de defesa do trabalhador, os sindicatos se movem, historicamente, sob violento fogo cerrado. Além dos ataques patronais, há inúmeras outras dificuldades no trabalho de sindicalização e de arregimentação de pessoas para o trabalho coletivo.

No mundo todo há uma mobilização dos trabalhadores que pode ser considerada de baixa intensidade, que impacta bastante o trabalho de sindicalização e ação geral do sindicato. Ou seja, o refluxo da mobilização da classe trabalhadora no mundo, obriga os sindicatos a “remarem contra a correnteza”. A outra opção é afundar. A sistemática desqualificação dos sindicatos feita através da mídia comercial, empresas, instituições em geral, torna muito difícil os trabalhadores enxergarem a importância que exerce o sindicato nas suas vidas.

É complicado o trabalhador comum entender que a existência do salário mínimo é uma conquista fundamental, numa sociedade na qual quase 60% da população vive com renda domiciliar per capita igual ou inferior ao valor do salário mínimo, e 43,1 milhões de pessoas, 20,6% da população, vivem em uma situação de insegurança alimentar. A conquista do salário mínimo, que se estende, direta ou indiretamente, a 70% da população, é fruto de décadas de lutas organizadas dos trabalhadores. Ou seja, da luta sindical.

Uma parte dos trabalhadores brasileiros está recebendo, por estes dias, o 13º salário. A previsão do DIEESE é que o 13º significará uma injeção de renda na economia brasileira equivalente a R$ 215 bilhões, beneficiando diretamente 80 milhões de compatriotas. A conquista do 13º salário é fruto direto da organização dos trabalhadores, através dos sindicatos. O governo João Goulart, teve que criar o 13º salário em 1962, decorrência da significativa mobilização dos trabalhadores, num momento em que o país estava em ebulição política, e próximo a tomar mais um golpe de Estado. Na ocasião, os sindicatos organizaram abaixo-assinados, passeatas, piquetes e greves. Nos protestos, houve inclusive prisão de vários trabalhadores.

A cultura de valorização do individual, tão cultivada na sociedade, leva os trabalhadores em geral, a achar que conseguem resolver seus problemas solitariamente, sem a ajuda do sindicato ou de outras formas de organização coletiva. Uma parcela dos trabalhadores imagina que destacando-se, e trabalhando mais do que a média, conseguirá ser reconhecida pela empresa e subir profissionalmente, sem precisar da ação coletiva do sindicato. E isso é verdade. O problema é que a fórmula funciona para um trabalhador, talvez, para cada mil. Analisado o problema de perto, veremos que todos os direitos existentes são frutos das lutas coletivas dos trabalhadores. Direitos nunca caíram do céu.

Outro problema importantíssimo no trabalho sindical é a elevadíssima rotatividade do trabalho, no país. Existem categorias nas quais a taxa de rotatividade é mais do que 100%, ou seja, são admitidos e contratados um número de trabalhadores superior ao número total de trabalhadores no setor. Além disso, aumentam as dificuldades de os dirigentes estarem na sua base sindical e conversar com os trabalhadores. Há poucos dirigentes liberados, especialmente no setor privado. O trabalhador “comum”, em geral, não quer ser sindicalista, dado o nível de adversidades que a função enfrenta.

É certo também que a vida duríssima do trabalhador (desemprego, baixos salários, péssimas condições de trabalho, etc.), dificulta que ele pare para refletir sobre questões de importância vital. A situação é tão desfavorável que o trabalhador nem quer parar para ouvir os argumentos dos sindicalistas, independentemente do assunto. Outra coisa: a vida cultural do trabalhador, regra geral, é uma verdadeira miséria. Quem está com emprego, tem pouco tempo para introspecção, leitura, reflexão. E o que é oferecido a valores baixos, ou gratuitamente nos meios de comunicação, veicula quase exclusivamente a ideologia dos inimigos dos trabalhadores.

Nesse ambiente, textos e materiais em geral produzidos pelo sindicato não são lidos pela maioria dos trabalhadores. Ou por falta de tempo, medo, desinteresse, falta de curiosidade, etc. Também o assédio moral e a super exploração dificultam muito o trabalho dos sindicatos. O trabalhador, pressionado pelo conjunto de dificuldades (e neste momento, em rápido processo de empobrecimento), muitas vezes espera do sindicato, vantagens de caráter assistencialista, as quais a entidade não consegue oferecer, por crescentes limitações financeiras.

É certo que o assistencialismo não deve ser praticado pelo sindicato como um fim em si mesmo. A assistência não é função da entidade sindical, que nem dispõe de recursos para praticá-la. Porém, dada a extrema gravidade da crise econômica atual, de desemprego recorde e franco empobrecimento da classe trabalhadora, se o sindicato dispuser de condições, penso que ele deve amparar o trabalhador em suas dificuldades.

Não existe ação sindical em meio à fome. Não me refiro à assistência social tradicional, acrítica, e como um fim em si mesmo. Diz respeito à uma ajuda que o sindicato pode prestar ao trabalhador desempregado de sua base, se isso não ameaçar a própria sobrevivência da entidade. Claro, sempre vinculando a referida ajuda a um processo de formação básica sobre sindicalismo, deixando claro para o trabalhador que sua situação não é uma fatalidade, e sim resultado direto de um processo social.

Uma grave dificuldade da ação sindical é que, historicamente, há uma sonegação à população em geral, e à juventude, da história dos direitos, e dos sindicatos. Isso ocorre na escola tradicional, nas instituições, nas empresas, nos meios de comunicação, etc. A história em geral é desconhecida, mas principalmente a história dos trabalhadores. Em consequência, uma parcela significativa da população, especialmente a juventude, supõe que os direitos existentes “caíram do céu”, ao invés de serem frutos de décadas de muita luta. Essa visão a-histórica dos direitos, por ironia, está sendo violentamente negada pela história recente, a partir do golpe de 2016, quando os direitos estão sendo destruídos, em escala e velocidades industriais.

Dirigentes sindicais, normalmente, não são preparados (“treinados”) para o trabalho de sindicalização. Além disso, falta muitas vezes firmeza política e ideológica para o desempenho desse trabalho. A tarefa de sindicalização requer conhecimento do sindicato e de algumas noções de economia e de política, que a maioria dos trabalhadores não dispõe.

Um fenômeno que dificulta a sindicalização também é a política antissindical das empresas, com a disseminação de calúnias, associação do sindicato com desemprego, etc. Por exemplo, os que ocupam cargos nas empresas (gerentes, chefes, etc.), muitas vezes comparecem às assembleias de trabalhadores, para conferir e mapear os trabalhadores que comparecem às assembleias. Na primeira onda de demissões estes trabalhadores que comparecem às atividades sindicais, guardados outros critérios, são os primeiros a serem demitidos. Essa cultura de opressão à organização sindical, uma espécie de herança cultural da sociedade escravista, dificulta muito o trabalho dos sindicatos. A empresa exerce grande influência sobre o trabalhador, na medida em que a vida deste e de sua família, dependem da renda obtida no emprego.

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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