Abrir as portas da Igreja para as mulheres

“Portas são símbolos poderosos na Igreja. Em sua instalação, um bispo recém-nomeado bate à porta da catedral três vezes com o bastão episcopal (báculo), simbolicamente tomando posse da Igreja. As grandes basílicas em Roma possuem “portas santas”, que geralmente são seladas do lado de fora e apenas abertas aos peregrinos nos anos jubilares designados pelo papa, como o recém-concluído Ano Santo da Misericórdia declarado pelo Papa Francisco“, afirma editorial de National Catholic Reporter (06-09-2017). A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Eis o artigo.

As Escrituras também fazem referência a portas com muita frequência. No Evangelho de Mateus, Jesus instrui os seus seguidores a rezar em silêncio por trás de portas fechadas. Mateus inclui também a instrução: “Batam, e abrirão a porta para vocês!”

Os Atos dos Apóstolos contam vários relatos de anjos que abriram portas trancadas (e soltam correntes) para que PedroPaulo e outros pudessem escapar da injúria, punição e morte. No Evangelho de João, Jesus diz ser a “porta das ovelhas”. A New American Bible Revised Edition (ou Nova Edição Americana Revisada da Bíblia) traduz esta passagem por “portão”, mas a ideia é a mesma.

Quando Paulo e Barnabé voltaram para Jerusalém da viagem missionária a ListraIcônioAntioquiaPisídiaPanfília e Atália, “reuniram a comunidade e contaram tudo que Deus havia feito por meio deles: o modo como Deus tinha aberto a porta da fé para os pagãos” (Atos 14,27).

O pároco irlandês Roy Donovan usa a imagem da porta para descrever o estado da Igreja:

As lojas de grãos estão cheias de alimentos, mas trancadas atrás de portas “guardadas” enquanto o povo lá fora passa fome. Nós temos a solução. Os grãos estão aí, mas o povo não é alimentado. Estamos deixando pessoas passarem fome da riqueza e nutrição que as mulheres podem dar. Preferimos um sacerdócio exclusivo que vem se extinguindo em decorrência a uma falta de membros. As mulheres não prejudicarão a Igreja e, no entanto, não estamos dispostos a permiti-las entrar. Por que os homens não se dispõem a compartilhar o sacerdócio? Por que os homens acreditam que as mulheres não são dignas disso?

A imagem de famintos espirituais deixados a portas fechadas de um armazém repleto com a graça não é exclusivamente irlandesa. Um leitor do National Catholic Reporter, em uma diocese na Califórnia, recentemente escreveu a nós informando que a sua comunidade estava cancelando as missas diárias porque o padre havia adoecido com uma enfermidade crônica e o sacerdote aposentado que o ajuda está em condições limitadas de trabalhar. Segundo a carta, a doença do pastor torna as missas dos finais de semana um teste de resistência e não uma celebração propriamente.

Dado o número crescente de clérigos a envelhecer na Igreja, os católicos irão testemunhar essa situação com uma frequência cada vez maior.

O autor da carta também acrescenta que a paróquia tem integrantes que são padres ordenados, mas que são impedidos de liderar a comunidade porque se casaram. A hierarquia da Igreja “prefere não ter celebração eucarística a ter uma celebração feita por um padre casado ou viúvo”, lê-se no texto da carta. “E assim o fazem, com o rosto erguido, como se estivessem certos”.

Nós acrescentamos que muito provavelmente nesta mesma congregação existe um grande número de mulheres igualmente qualificadas e capazes que poderiam ser chamadas ao ministério, mas que não são – apenas por serem mulheres.

Em 2015, na Filadélfia, a teóloga inglesa Tina Beattie palestrou num congresso da Women’s Ordination Worldwide – WOW (coalizão de grupos internacionais de apoio à ordenação feminina, formado em 1996). O discurso de Beattie explorou a linguagem confusa, por vezes contraditória, na questão de gênero presente em documentos oficiais do Vaticano.

Ainda que a Igreja exiba uma “clara consciência do quanto as mulheres têm sido vítimas de injustiça, violência e opressão”, disse, o Vaticano cada vez mais se opõe aos movimentos internacionais e locais que propõem mais direitos às mulheres e crianças. O motivo disso, evidentemente, é a impossibilidade oficial da Igreja de distanciar-se do ensino tradicional referente às distinções entre homens e mulheres que formou a teologia católica ao longo dos séculos.

Segundo Beattie, na medida em que os teólogos e teólogas ultimamente exploram novas perspectivas, especificamente a teoria de gênero, as certezas morais e os binários sexuais da teologia tradicional se dissolvem e se inauguram novos modos de pensar.

“Convida-se a uma reflexão renovada sobre o que significa dizer com São Paulo que ‘Não há mais diferença entre judeu e grego, entre escravo e homem livre, entre homem e mulher, pois todos vocês são um só em Jesus Cristo’”, falou Beattie.

A palestrante, que participou do evento uma semana antes de Francisco visitar a Filadélfia para o Encontro Mundial das Famílias, concluiu contrastando algumas afirmações que este papa fez e que conta com o símbolo poderoso das portas.

Na exortação apostólica de 2013, Evangelii GaudiumFrancisco afirma: “A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai. Um dos sinais concretos desta abertura é ter, por todo o lado, igrejas com as portas abertas. Assim, se alguém quiser seguir uma moção do Espírito e se aproximar à procura de Deus, não esbarrará com a frieza duma porta fechada”.

Por contraste, destacou Beattie com respeito à ordenação feminina ao sacerdócioFrancisco diz: “A Igreja falou e diz ‘não’ (…). Essa porta está fechada”.

Este “não” não é aceitável para Donovan, para a Women’s Ordination Worldwide e inúmeros fiéis católicos ao redor do mundo. Eles estão de pé à porta, batendo, esperando para tomar posse da sua Igreja, rezando para que um anjo rompa as fechaduras e abra esta porta.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

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