A volta do medo

Por Mouzar Benedito.

Medo do futuro? Medo de assombração? Medo de polícia? Medo de ladrões? Medo de bala perdida? Medo de perder o emprego? Há muitos tipos de medo. Um deles nos parecia extinto, o medo político, de instalação de uma ditadura, de um regime de exceção em que ter certas ideias é perigoso.

Há pouco mais de dois anos a gente acreditava que isso era coisa do passado, no Brasil. Pois olha ele aí de novo. Vejo muita gente com medo. Eu, se não tenho medo disso, tenho pelo menos uma cisma, um temor. Parece que temos muito a temer. Mas não vamos tratar só desse tipo de medo.

A meu ver, medo, em certas circunstâncias, é uma coisa normal, faz parte do instinto de sobrevivência. Só os malucos não têm medo. É diferente de covardia. Nas tais mídias sociais vemos um monte de covardes se arvorando de corajosos, ofendendo as pessoas que pensam diferente deles. Sentem-se protegidos ali. Cara a cara, se borrariam de medo. A não ser que estejam em bandos, e os “inimigos” sejam em minoria e mais fracos. São assim a coragem e o medo dos covardes.

Vi muitos insultos de “corajosos” por aí e prefiro falar do medo. O medo de verdade. Aí vão alguns textos sobre medos de tipos variados e também ditados e frases ditas por pensadores.

Medo de polícia x medo de revolução

A gente passa por situações de medo, e a grande coragem é saber não ser dominado por ele. Durante a ditadura tivemos que ter esse comportamento quase que constantemente. Quando militava na imprensa alternativa, havia um certo medo latente de ser pego pela polícia, torturado, “desaparecido” etc. Mas nem por isso deixávamos de fazer o que achávamos que devia ser feito. Dominávamos o medo, em vez de sermos dominados por ele.

Um dos jornais em que militei foi o Versus. Numa fase mais agressiva da polícia, a gente chegava para fechar o jornal depois das onze da noite (tínhamos empregos para nos sustentar em outros lugares, não ganhávamos nada no Versus) e na porta havia pelo menos uma perua Chevrolet Veraneio (veículo usado pelos órgãos de repressão política) e vários homens fortões na porta, olhando na cara da gente e dando murros nas mãos enquanto entrávamos na casa.

Forçávamos a barra e passávamos sorrindo.

Marcos Faerman, o Marcão, era o editor-chefe, e costumava dizer, brincando: “Nessa questão, a gente tem que se comportar como o povão quando acontece alguma desgraça com a gente, dizer: foi Deus quem quis”. Não deixar de fazer as coisas.

Por falar nos jornais alternativos, havia também o medo de gente “do outro lado” (o dos ditadores e seus beneficiários). Apesar de poderosos, muitos tinham medo de acontecer aqui uma revolução que mandasse um monte deles para o paredão. Colegas que trabalhavam no jornal Movimento me contaram que alguns empresários contribuíam com ele mas não com anúncios. Se os nomes deles ou das suas empresas aparecessem no jornal, ficariam mal com o governo e a repressão. Sentiam-se como se estivessem comprando indulgência. Temiam que um dia acontecesse uma revolução e, quando isso acontecesse, o captador de grana do jornal seria testemunha dele para não ser tratado como inimigo, “não ir para o paredão”.

Recentemente, pensando nisso e no fim do que chamavam “perigo vermelho”, com os exploradores crentes de que o capitalismo é o fim da história, eu disse a amigos: “A União Soviética podia ser uma merda para quem morava lá, mas seu fim foi uma merda para os trabalhadores do resto do mundo: temos agora o capitalismo de rédea solta, sem medo de revoluções”.

Nicola não precisava mais ter medo

Tenho um bando de amigos na Zona Leste de São Paulo, uma turma muito bem-humorada. Por exemplo: o Hélio, com diabete, acabou tendo que amputar um dedão do pé. Como sou militante da Sosaci – Sociedade dos Observadores de Saci, ele me mandou um recado brincalhão, sobre a perda do dedão: “Vou virando Saci aos poucos”.

Mas não é dele que quero falar sobre o medo. É sobre o Nicola, da mesma turma, que morreu há uns três anos. Com câncer no reto, fez uma cirurgia e ficou sem ânus. As fezes saíam por uma bolsinha amarrada à barriga. Mal saiu do hospital, foi festejado pela turma, incluindo o próprio Hélio.

Diziam que a partir dessa cirurgia ele não precisava mais ter medo de nada. Por quê? Bom, tem o ditado “quem tem cu tem medo” e ele não tinha mais.

O medo mais inédito

Um personagem dos meus tempos de criança era o João Gravatá, um daqueles homens que vagam de uma cidade a outra, vivendo miseravelmente do que lhe davam. Ele tinha elefantíase, suas pernas e seus pés eram inchados demais, e só andava descalço.
Diziam que ele não tinha medo de “quase nada”. E vi provarem isso. Algum gozador o ameaçava de todas as formas, inclusive com arma de fogo, e ele nem ligava. Não se abalava.

Só tinha medo de duas coisas: assombração e maria-mole. Quando achavam que ele estava incomodando num bar, o dono pegava uma maria-mole e chacoalhava perto dele. Aí se desesperava, saía correndo desajeitadamente.

Adultos com medo de assombração?

Eu sempre disse que feliz é o lugar onde adultos têm medo de assombração. É lugar não violento, em que não é preciso ter medo dos vivos, de assaltantes. Em certos lugares, quem tem que passar à noite rente a um muro de cemitério, passa rezando. Em São Paulo, não vejo ninguém com medo dos mortos, de “almas do outro mundo”. O medo, para quem passa junto a um cemitério, é que pule um assaltante de dentro dele.

Pois é, quando era criança, na minha cidade alguns adultos tinham medo de ir pra casa sozinhos, depois de certa hora da noite. Vou citar dois, mas trocando os nomes deles. Zé e Tonho, que moravam na parte mais alta da cidade morriam de medo de assombração!

As ruas eram escuras, muito mal iluminadas, e ninguém andava de carro, era sempre a pé. Eles ficavam no centro da cidade (não juntos, cada um na sua) confiando que quando fossem embora alguém iria “subir” junto com eles. Não era incomum ver um deles lá pelas onze da noite procurando desesperadamente alguém que morasse lá no alto que tivesse como caminho obrigatório a rua em que moravam. Em último caso, algum “corajoso” que topasse lhe fazer companhia até sua casa e voltar sozinho.

Sádicos, nós moleques procurávamos passar mais medo nos dois. Para ir embora, tinham que passar pelo largo do Rosário, sem iluminação nenhuma, com uma igreja velha, construída por escravos e abandonada havia muito tempo. Era uma igreja bonita, com sino em uma das janelas. Mas na escuridão, parecia meio tétrica. Tinha fama de assombrada. Sempre tínhamos “notícia” para dar ao Tonho de uma assombração nova na igreja do Rosário. Contávamos com detalhes o aparecimento de alguma alma penada, quase matando de medo pessoas corajosas… E ele ficava apavorado. Aí sim, não ia embora sozinho.

Às vezes, a estratégia era outra: ficávamos escondidos no escuro, no largo do Rosário, e quando eles passavam em frente, tiritando de medo, pegávamos os estilingues e dávamos pedradas no sino. Era uma correria!

Uma noite, já na minha adolescência, o feitiço virou contra o feiticeiro.

Com uns 14 anos de idade, eu estava na fase de aprendiz de barbeiro, trabalhando com meu pai. Pra me incentivar, ele deixava eu ficar com todo o dinheiro que eu ganhava, sem dar nem uma comissãozinha pra ele. Eu fazia umas quatro barbas e ia lá pro alto da cidade, mais de um quilômetro morro acima, jogar sinuca num bar onde quase não iam os meirinhos (oficiais de justiça, na linguagem atual), que faziam a ronda tentando impedir menores de permanecerem nesses ambientes. Jogava apostado, com o pessoal da zona rural, e quase sempre ganhava.

Num dia de semana de julho muito frio, perto de zero grau, fui jogar sinuca no final da tarde. E comecei a ganhar… ganhar… ganhar… Quando vi, era mais de uma hora da manhã. Olhei os fregueses que estavam ali, nenhum morava no centro da cidade. Joguei a última partida e à uma e meia da manhã desci pela rua escura, mal dando para enxergar as lâmpadas, muito fracas, que mal eram vistas com a neblina intensa. Naquele frio, não havia ninguém fora de casa.

Fui assobiando, despreocupado, pelo meio da rua, quase sem enxergar nada. De repente, um gato preto passou correndo e rosnando na minha frente, rente aos meus pés. Dei um pulo e me arrepiei todo. Aí bateu o medo. Pior: uns cem metros abaixo ficava a igreja do Rosário, e comecei a pensar se “por castigo” alguma assombração me cercasse como castigo por eu assombrar o Tonho e o Zé.

Fui pela calçada do outro lado. Mas lembrei que no escritório de contabilidade que ficava nessa calçada, poucos dias antes havia morrido trabalhando nele um rapaz que eu conhecia. Tive medo de ele aparecer pra mim ali. Fui então pelo meio da rua, com as pernas tremendo. Até que não resisti e desembestei rua abaixo, me arriscando a tropeçar em alguma pedra e cair, porque não enxergava nada. Por sorte não me esborrachei no chão, correndo às cegas.

Mas na semana seguinte já estava de novo assustando o Tonho e o Zé, que continuavam morrendo de medo.

Ditados e frases

Agora vamos ver ditados e frases que colhi por aí. Mas começo discordando do ditado “quem não deve, não teme”. Pelo menos no Brasil, parece que quem tem mais motivos para ter medo é quem não deve. Bandidaços é que parecem não precisar temer nada. Vamos aos outros.

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Marquês de Maricá: “Ninguém é mais adulado que os tiranos: o medo faz mais lisonjeiros que o amor”.

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Maricá, de novo: “O medo é a arma dos fracos, como a bravura a dos fortes”.

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Albert Camus: “Nada é mais depreciável que o respeito baseado no medo”.

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Monteiro Lobato: “A treva gera o medo; o medo gera os deuses e os diabos, que por sua vez geram as religiões”.

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Raquel de Queiroz: “O medo é o mais antigo e fiel companheiro do homem e é o medo que nos faz conhecer nossas limitações e nos torna humildes”.

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Thomas Hobbes: “O medo dos poderes invisíveis, inventados ou imaginados a partir de relatos, chama-se religião”.

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Ditado popular: “Depois da onça morta, até cachorro mija nela”.

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Esopo: “Muitos, por medo, não hesitam em beneficiar aqueles que os odeiam”.

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Clarice Lispector: “O medo sempre me guiou para o que eu quero. E porque eu quero, temo. Muitas vezes foi o medo que me tomou pela mão e me levou. O medo me leva ao perigo. E tudo o que eu amo é arriscado”.

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Clarice Lispector, de novo: “Não entendo, apenas sinto. Tenho medo de um dia entender e deixar de sentir”.

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John Lennon: “Eu tenho o maior medo desse negócio de ser normal”.

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Sócrates: “Deve-se temer mais o amor de uma mulher do que o ódio de um homem”.

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Anaïs Nin: “Pessoas vivendo intensamente não têm medo da morte”.

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George Bernard Shaw: “Liberdade significa responsabilidade. É por isso que tanta gente tem medo dela”.

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Carlos Drummond de Andrade: “A conquista da liberdade é algo que faz tanta poeira que, por medo de bagunça, preferimos, normalmente, optar pela arrumação”.

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Nietzsche: “O medo é o pai da moralidade”.

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Ditado popular: “O medo é o pai da crença”.

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Josué de Castro: “A única coisa de que devemos ter medo é do próprio medo”.

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Josué de Castro, de novo: “O medo é, dos sentimentos humanos, o mais dissolvente, porque nos leva a fazer muita coisa que não queremos fazer, e deixar de fazer muita coisa que queríamos e necessitávamos fazer”.

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Theodore Roosevelt: “O único homem que nunca comete erros é aquele que nunca faz coisa alguma. Não tenha medo de errar, pois você aprenderá a não cometer duas vezes o mesmo erro”.

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Elbert Hubbard: “O maior erro que você pode cometer é o de ficar o tempo todo com medo de cometer algum”.

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Renato Kehl: “Não há gente sem medo. O medo é manifestamente normal quando consequência da percepção justa dum perigo real.

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Ditado popular: “Sempre o medo nasceu da culpa”.

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Johan Paul Richter: “O tímido tem medo antes do perigo. O covarde durante. O corajoso depois”.

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Millôr Fernandes: “Eu sofro de mimfobia, tenho medo de mim mesmo e me enfrento todo dia”.

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Ditado popular: “Nada há tão contagioso como o medo”.

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Anne Frank: “Enquanto puderes erguer os olhos para o céu, sem medo, saberás que tens o coração puro, e isto significa felicidade”.

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Ditado popular: “Às vezes muito ameaça quem de medroso não passa”.

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Nelson Mandela: “Aprendi que a coragem não é a ausência do medo, mas o triunfo sobre ele. O homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas o que conquista esse medo”.

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Ditado popular: “A covardia é o medo consentido, a coragem é o medo dominado”.

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Jean-Paul Sartre: “Todos os homens têm medo. Quem não tem medo não é normal: isso nada tem a ver com coragem”.

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Ayrton Senna: “O medo faz parte da vida da gente. Algumas pessoas não sabem como enfrentá-lo; outras – acho que estou entre elas – aprendem a conviver com ele e o encaram não como uma coisa negativa, mas como um sentimento de autopreservação”.

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Provérbio chinês: “O cão não ladra por valentia e sim por medo”.

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Ditado popular: “Ao homem medroso, tudo o estremece”.

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Sêneca: “Justamente aquelas coisas que provocam mais medo são menos temíveis”.

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Miguel de Cervantes: “Um dos efeitos do medo é perturbar os sentidos e fazer que as coisas não pareçam o que são”.

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Mário Quintana: “A noite acendeu as estrelas porque tinha medo da própria escuridão”.

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Ditado popular: “Maior é o perigo onde maior é o medo”.

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Charles Bukowski: “Eles pensaram que eu tinha coragem, mas perceberam tudo errado. Eu só estava com medo das coisas mais importantes”.

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Mahatma Ghandi: “O medo tem alguma utilidade, mas a covardia não”.

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Ditado popular: “O medo é do tamanho que se quer”.

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Wanderley Luxemburgo: “O medo de perder tira a vontade de ganhar”.

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Napoleão Bonaparte: “Não tenhais, sobretudo, medo do povo. Ele é mais conservador do que vós”.

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Napoleão, de novo: “Quem ter medo de ser vencido tem a certeza da derrota”.

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Napoleão, mais uma vez: “Tenho mais medo de três jornais do que de cem baionetas”.

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Ditado popular: “Não há asas mais leves que as do medo”.

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William Shakespeare: “Não é digno de saborear o mel aquele que se afasta da colmeia com medo das picadelas das abelhas”.

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Maquiavel: “Homens ofendem por medo ou por ódio”.

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Ditado popular: “Quem tem o que perder, tem o que temer”.

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Chico Buarque: “As pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho medo que as coisas nunca mudem”.

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Provérbio judaico: “A mentira deriva, em geral, do medo injustificado”.

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Ditado popular: “Quem é casado com mulher feia não tem medo de outro homem”.

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Martin Luther King: “Devemos construir diques de coragem para conter a correnteza do medo”.

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Machado de Assis: “O medo é um preconceito dos nervos. E um preconceito desfaz-se: basta uma simples reflexão”.

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Stendhal: “O medo nunca está no perigo, mas em nós”.

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João Guimarães Rosa: “O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo”.

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Ditado popular: “Quem tem medo não mama em onça”.

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André Breton: “Não é pelo medo da loucura que nos forçará a largar a bandeira da imaginação”.

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Luís Fernando Veríssimo: “Eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo”.

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Dom Francisco de Portugal: “Calando se desonra quem com medo se cala”.

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Dom Francisco, de novo: “Medo: naufrágio sem tempestade”.

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Alexandre Herculano: “O medo é o pior dos conselheiros”.

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Eleanor Roosevelt: “Faça todos os dias alguma coisa de que você tem medo”.

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Eleanor Roosevelt, de novo: “O meu maior medo foi sempre o de ter medo – física, mental ou moralmente – e deixar-me influenciar por ele e não por sinceras convicções”.

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Ralph Waldo Emerson: “Faça aquilo que você tem medo de fazer e a morte do medo é certa”.

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Paulo Freire: “Eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso. Amo as gentes e amo o mundo. E é porque amo as pessoas e amo o mundo que eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade”.

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Leoni Kaseff: “O medo é o instinto que o espírito tem da própria fraqueza”.

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Kaseff, de novo: “É pelo temor que a ignorância rende culto aos heróis”.

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Provérbio malgaxe: “Quem cumprimenta crocodilo não é por amor, mas por temor”.

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Outro provérbio malgaxe: “Quando morre o crocodilo de um lago, todos os medrosos vão se banhar nele”.

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Umberto Eco: “Nada inspira mais coragem ao medroso do que o medo do alheio”.

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Ditado popular: “Quem tem medo de cagar, não come”.

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Fernando Sabino: “Os homens se dividem em duas espécies: os que têm medo de viajar de avião e os que fingem que não têm”.

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Geraldo Tartaruga (de São Luiz do Paraitinga): “Antigamente o diabo aparecia para as pessoas, para os fazendeiros. Hoje não aparece mais: ele tem medo”.

Fonte: Blog da Boitempo.

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