A vitória do casto verticalismo

Imagem: Medium

Por Désceo Machado, para Desacato.info.

Plim plim plim, bang bang, cabum!

“- Pós-moderno!”, escutei por esses dias, no calor daquelas cenas tão conhecidas de violência no trânsito. Agucei os ouvidos para saber se era isso mesmo, e era. O motorista do carro que recebeu uma fechada, com a face desfigurada, bradou com a cabeça quase pra fora da janela em direção ao outro carro: “- Pós-moderno!”. Dos tantos estímulos que recebemos ao caminhar pela cidade, essa cena ficou marcada, e me arrependi de não ter anotado a placa dos carros para entender um pouco mais sobre o uso dessa expressão.

Com poucas pistas, mas curioso, fiquei a refletir quais peripécias e piruetas o sentido da expressão “pós-moderno” não sofreu para ser usada como xingamento no trânsito. “- São eventos recorrentes, é do cotidiano da língua a variação do uso e transformação do sentido das palavras, Désceo”, explicou-me com paciência um amigo linguista e me ofereceu uma série de exemplos, dentre os quais a expressão “comunista”. Comedor de criancinhas, terrorista, humanista, cristão, social democrata, patriota, sindicalizado, marxista, enfim, o espectro dos sentidos da palavra comunista é bem conhecido. Mas não era isso que eu estava a buscar. A transfiguração do sentido da expressão comunista para o campo do pejorativo é bem conhecida, trata-se da propaganda anti-comunista, da defesa das forças capitalistas contra o que há de ameaçador no comunismo: o fim da propriedade privada dos meios de produção e o fim da alienação, a libertação do homem e da mulher, para que possam se expressar no mundo de modo a dar vazão às suas aptidões.

Então, me perguntei, quais seriam as forças a carregar o pós-moderno para o campo do pejorativo? Se o pós-modernismo desde o final da década de 1960 estava ocupado a desenvolver e autonomizar o estudo da ideologia, os discursos e os valores, ou a fazer uma crítica da sociedade de consumo, apenas dois exemplos, quais forças estariam incomodadas com as críticas pós-modernas para jogá-las para o campo do xingamento de trânsito?!

Mas, a propósito do título com que iniciei essa crônica, as atividades de 8 de março, dia de luta contra as diversas formas de violência contra as mulheres, as atividades de 8 de março exerceram forte pressão contra o casto verticalismo que orienta as instituições na nossa sociedade. Embora a vitória arrebatadora da cultura hierárquica, que vige especialmente nas empresas e na ampla maioria das instituições, os valores contra-hegemônicos da horizontalidade e da igualdade, por um dia, se impôs, com a organização das mulheres, a presença ativa das mulheres na cidade e os debates acerca da condição da mulher. O casto verticalismo tem muito a sofrer com as pressões e mesmo vulgarizações das práticas democráticas vivenciadas pelas mulheres. O fim da propriedade privada e a ruptura das amarras da alienação passam pela radicalização das práticas democráticas.

Enfim, li agorinha no uatizap, o Diogo me mandou, que pós-moderno é outro nome do dicionário politicamente correto para “gay”, “viado”. Tudo explicado, era só mais um machão do trânsito vomitando seu casto verticalismo, de nada valeu minha digressão, mas como não há tempo para fazer outra crônica, peço desculpas aos leitores.

Bons dias, boas tardes ou boas noites!

 

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