A Universidade pública, de qualidade e gratuita é viável?

Por Otaviano Helene.

O ataque sis­te­má­tico à uni­ver­si­dade pú­blica no Brasil, a fim de abrir es­paço ao setor pri­vado, fez com que nosso país se tor­nasse um da­queles com as mai­ores pro­por­ções de ma­trí­culas no setor pri­vado em todo o mundo. Apesar da (falsa) jus­ti­fi­ca­tiva para a pri­va­ti­zação ser a ne­ces­si­dade de apelar para que o setor pri­vado co­la­bore com a in­clusão no en­sino su­pe­rior, o fato é que isso não ocorre.

A taxa de pri­va­ti­zação no Brasil é maior do que a média dos de­mais países da Amé­rica do Sul, mas a taxa de in­clusão de jo­vens no en­sino su­pe­rior, perto de 40% (1), está bem abaixo da média ob­ser­vada nos de­mais países sul-ame­ri­canos, de 58% (no Brasil, a taxa de in­clusão é pouco mais da me­tade da­quela ob­ser­vada na Ar­gen­tina ou na Ve­ne­zuela e sig­ni­fi­ca­ti­va­mente in­fe­rior à do Uru­guai, países com taxas de pri­va­ti­zação bem in­fe­ri­ores à bra­si­leira). Ou seja, a pri­va­ti­zação não re­solveu – e não tinha porque re­solver – o pro­blema da in­clusão.

A pri­va­ti­zação em São Paulo

No es­tado de São Paulo, a pro­porção de es­tu­dantes ma­tri­cu­lados no en­sino su­pe­rior pú­blico é bem menor do que a média dos de­mais es­tados – São Paulo “puxa para baixo” a média na­ci­onal. Em São Paulo, apenas 16% das ma­trí­culas em cursos su­pe­ri­ores estão em ins­ti­tui­ções pú­blicas, sejam elas uni­ver­si­dades, fa­cul­dades iso­ladas ou fa­cul­dades de tec­no­logia; nos de­mais es­tados, essa pro­porção é de 32%, duas vezes me­lhor (ou, duas vezes menos ruim).

A ta­bela a se­guir mostra ou­tros in­di­ca­dores da pri­va­ti­zação do en­sino su­pe­rior, con­fir­mando que São Paulo é, qual­quer que seja o cri­tério, muito mais pri­va­ti­zado do que o res­tante do país. Se São Paulo fosse um país, seria aquele com en­sino su­pe­rior mais pri­va­ti­zado de todo o mundo.

Por­cen­tagem das vagas de in­gresso no setor pú­blico

Con­cluintes do en­sino médio por vaga de in­gresso em ins­ti­tui­ções pú­blicas

Re­lação entre o nú­mero de ha­bi­tantes e o nú­mero de ma­trí­culas no en­sino su­pe­rior pú­blico

São Paulo

9%

4,8

166

De­mais es­tados

17%

3,3

103

Ta­bela 1 – A pri­va­ti­zação da edu­cação su­pe­rior em SP é maior do que a dos de­mais es­tados qual­quer que seja o cri­tério ado­tado para medi-la. Cál­culos do autor com base em dados dis­po­ni­bi­li­zados pelo IBGE e INEP. Ano de re­fe­rência: 2015.

A pri­va­ti­zação do en­sino su­pe­rior no Brasil não é uma con­sequência de di­fi­cul­dades econô­micas: ela é re­sul­tado de uma po­lí­tica de­sen­vol­vida ao longo do tempo. A uni­ver­si­dade pú­blica de qua­li­dade é per­fei­ta­mente viável e com­pa­tível com a re­a­li­dade econô­mica do país

Um “ar­gu­mento” falso, mas muito usado contra a edu­cação pú­blica, é que seu custo seria maior do que o custo de uma ins­ti­tuição pri­vada. Esse “ar­gu­mento”, tão evo­cado pela mídia e pelos grupos econô­micos do­mi­nantes, acaba por se pro­pagar porque a enorme mai­oria da po­pu­lação não tem acesso a in­for­ma­ções ne­ces­sá­rias para ana­lisar a si­tu­ação.

Os in­ves­ti­mentos ne­ces­sá­rios para manter um es­tu­dante de gra­du­ação na USP são equi­va­lentes ou in­fe­ri­ores aos mesmos in­ves­ti­mentos feitos no setor pri­vado em um mesmo curso e com qua­li­dade com­pa­rável. A ta­bela 2 mostra os va­lores cal­cu­lados a preços de abril de 2016 (2).

As di­fe­rentes áreas de co­nhe­ci­mento foram se­pa­radas entre aquelas que não exigem la­bo­ra­tó­rios ou onde estes são bem sim­ples, como é o caso dos cursos de ma­te­má­tica e grande parte dos cursos nas áreas cha­madas de “hu­ma­ni­dades”, entre ou­tros, aquelas que exigem la­bo­ra­tó­rios re­la­ti­va­mente sim­ples – sem seres vivos e sem equi­pa­mentos muito com­plexos, al­gumas en­ge­nha­rias ser­vindo de exemplo – e aquelas que exigem la­bo­ra­tó­rios com­plexos (e altas cargas ho­rá­rias), onde o curso de me­di­cina talvez seja o mais co­nhe­cido.

Ta­bela 2 – In­ves­ti­mento mensal médio para manter um es­tu­dante na USP nos três grupos de cursos con­si­de­rados; va­lores de abril de 2016.

Áreas que não exigem la­bo­ra­tó­rios ou estes são re­la­ti­va­mente sim­ples

Áreas in­ter­me­diá­rias

Áreas com altas cargas ho­rá­rias e la­bo­ra­tó­rios com­plexos

R$ 1.100

R$ 2.200

R$ 4.400

Os va­lores que apa­recem na ta­bela 2 são in­fe­ri­ores às men­sa­li­dades co­bradas pelos cursos equi­va­lentes e com mesma qua­li­dade ofe­re­cidos pelo setor pri­vado.

Ainda que possa pa­recer es­tranho para grande parte da po­pu­lação acos­tu­mada com o dis­curso, falso, mas quase uni­versal, de que o setor pú­blico é caro e ine­fi­ci­ente, o custo da edu­cação pú­blica é menor do que o custo da edu­cação pri­vada com igual qua­li­dade.

Custo da USP frente ao PIB pau­lista

Quanto custa uma uni­ver­si­dade como a USP? Res­ponder a essa questão é fun­da­mental para ar­gu­mentar que uma uni­ver­si­dade pú­blica de qua­li­dade e capaz de atender a uma pro­porção de jo­vens equi­va­lente ao que fazem muitos países é to­tal­mente viável. Em­bora o que segue se res­trinja ao en­sino su­pe­rior, isso ocorre também nas de­mais mo­da­li­dades.

O re­fe­ren­cial ade­quado para fazer as es­ti­ma­tivas dos custos é o pro­duto in­terno bruto (PIB), in­di­cador que re­flete tanto as ne­ces­si­dades edu­ca­ci­o­nais do país como suas pos­si­bi­li­dades. A ta­bela 3 mostra quanto custa o en­sino, a pes­quisa e a ex­tensão de ser­viços à co­mu­ni­dade (mu­seus, hos­pi­tais, rá­dios, cursos abertos à co­mu­ni­dade ex­terna etc.) na Uni­ver­si­dade de São Paulo em re­lação ao PIB es­ta­dual.

En­sino (gra­du­ação e pós)

Pes­quisa

Ex­tensão

Total

0,12%

0,06%

0,01%

0,18%

Ta­bela 3 – Custo da USP em re­lação ao PIB pau­lista.

Caso o in­ves­ti­mento em en­sino su­pe­rior pú­blico em São Paulo, em nível de gra­du­ação, fosse da ordem de 1% do PIB es­ta­dual, valor tí­pico para países cuja ne­ces­si­dade edu­ca­ci­onal e re­a­li­dade econô­mica não são di­fe­rentes das nossas, a to­ta­li­dade dos es­tu­dantes de en­sino su­pe­rior pau­lista po­deria estar fre­quen­tando ins­ti­tui­ções pú­blicas de qua­li­dade, es­pa­lhadas pelo es­tado se­gundo as ne­ces­si­dades e pos­si­bi­li­dades das di­fe­rentes re­giões e ci­dades (e não se­gundo os in­te­resses co­mer­ciais), que ofe­recem cursos de qua­li­dade e que res­pondem ade­qua­da­mente às nossas ne­ces­si­dades.

Con­clusão

O aban­dono do en­sino su­pe­rior pelo setor pú­blico e a con­se­quente en­trega ao setor pri­vado nada tem a ver com di­fi­cul­dades econô­micas do es­tado de São Paulo.

O custo para manter um es­tu­dante na USP é in­fe­rior, e bem in­fe­rior em al­gumas áreas, ao custo de um es­tu­dante no mesmo curso e em uma ins­ti­tuição pri­vada de qua­li­dade equi­va­lente. Além disso, vale ob­servar que a evasão nas ins­ti­tui­ções pú­blicas de en­sino su­pe­rior é menor do que nas ins­ti­tui­ções pri­vadas, fato que faz com que o custo de um aluno for­mado seja ainda mais fa­vo­rável no setor pú­blico quando com­pa­rado com o setor pri­vado.

Não pode haver dú­vidas, por­tanto, que o en­sino pú­blico su­pe­rior em uma uni­ver­si­dade de qua­li­dade é to­tal­mente com­pa­tível com a re­a­li­dade do es­tado de São Paulo e, com­pa­ra­ti­va­mente, muito me­lhor do que o en­sino pri­vado. Vale lem­brar, por fim, que os in­ves­ti­mentos em edu­cação se pagam em pe­ríodos que podem ser tão curtos quanto cinco ou dez anos.

Aban­donar o en­sino su­pe­rior é um crime que se faz hoje e cuja ví­tima será a po­pu­lação fu­tura.

Notas:

1) Todos os dados ci­tados têm como fonte as si­nopses es­ta­tís­ticas do INEP, in­for­ma­ções po­pu­la­ci­o­nais di­vul­gadas pelo IBGE e os dados edu­ca­ci­o­nais dis­po­ní­veis nos sí­tios da UNESCO.

2) De­ta­lhes dos cál­culos apa­recem no ar­tigo “Quanto ‘custa’ a USP? Quanto ‘custa’ um aluno na USP?”, pu­bli­cado ori­gi­nal­mente no Cor­reio da Ci­da­dania em 29/junho/2016 e aces­sível em
http://?www.?cor?reio?cida?dani?a.?com.?br/?social/?11786-?29-?06-?2016-?quanto-?custa-?a-?usp-?quanto-?custa-?um-?aluno-?na-?usp

Fonte: Controvérsia.

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