A terra ardendo em chamas. Por Roberto Antônio Liebgott.

Foto: José Cruz/Agência Brasil.

Por Roberto Antônio Liebgott, para Desacato. info.

As queimadas no Brasil são avassaladoras. No Pantanal, até o final de agosto de 2020, um milhão de hectares foram consumidos pelo fogo. Segundo informações dos bombeiros, que estão tentando combater as chamas, as queimadas foram provocadas por ação humana. Na Amazônia a situação é a mesma. De acordo com Greenpeace, só no mês de agosto foram detectados 29.307 focos de incêndio. O fogo atinge todas as florestas e a causa é a mesma, a mão ambiciosa do homem, sem escrúpulos e assassina. No Cerrado, todos os seres vêm sendo sacrificados em nome do “desenvolvimento”.

O desmatamento e as queimadas constituem-se em armas letais manuseadas por empresários do agronegócio, do latifúndio, das mineradoras e madeireiras. Eles matam sem piedade. A terra, depois de morta, é deixada nua para ser lambuzada pelo veneno e pela transgenia. Os rios são assoreados e suas águas desviadas para a irrigação das lavouras onde se produz as transgenias da soja, milho e algodão.

A este panorama somam-se a exploração da força de trabalho, a desregulamentação dos direitos sociais, a absoluta vulnerabilidade política, econômica, social e cultural, onde os direitos fundamentais a vida e a dignidade humana são descaracterizadas e desconstituídas de modo intenso e sistemático. E é neste contexto que a pandemia do novo coronavírus chega ao país, aprofundando as desigualdades e violências contra os mais pobres.
Em suas análises e reflexões, o linguista e ativista político americano, Noam Chomsky, defende que vivemos no mundo um ponto de confluência de distintas crises muito graves.

A primeira delas é da ameaça sempre presente de uma guerra nuclear, estando ela relacionada às disputas pelo domínio das novas tecnologias, das energias, alimentos, intensivos agrícolas e medicamentos; a segunda refere-se às mudanças climáticas, marcadas pela devastação ambiental em todos os continentes, no entanto, muito acelerada no Brasil; a terceira caracteriza-se por uma grande depressão econômica, que se amplificou com a pandemia da Covid-19 e que afetará dramaticamente os mais pobres; a quarta refere-se a contraofensiva racista – extremista, fundamentalista, totalitária – de toda a ordem, tendo como epicentro os Estados Unidos da América, que agridem as liberdades individuais e coletivas, as culturas, as religiões, a educação e a política.

As preocupações de Chomsky fazem todo o sentido, pois nunca antes na humanidade houve a junção de tantas crises ao mesmo tempo. E todas elas provocadas pela ambição desmedida, em busca do lucro fácil, farto e, que em essência, comprometem a vida dos mais pobres e a existência dos povos originários. Todas devastam a terra, consomem seus recursos naturais e aniquilam com os rios, lagos e mares. O Relatório Poder, Lucros e Pandemia, produzido pela organização Oxfam, mostra que na pandemia, 42 brasileiros lucraram mais do que todo o custo do auxílio emergencial.

Nessa confluência de crises, a humanidade foi posta em risco. Para Chomsky, temos pouco tempo para decidir se a humanidade sobreviverá ou sucumbirá diante dos desastres ambientais provocados e implementados por governantes, como Donald Trump e seus seguidores, que desprezam os projetos de vida.

No Brasil, tanto o presidente Bolsonaro como seu vice Mourão, agem cotidianamente contra os interesses do bem comum e propagam a exploração da natureza como alternativa econômica. São propagadores da destruição. Parecem ter sido eleitos para essa finalidade. Através de discursos incentivam o desmatamento e as queimadas. Depois do fato consumado alegam que somente haverá o combate a destruição se esta for legalizada. Ou seja, primeiro mandam os predadores invadir, desmatar, queimar, lotear para depois legalizar, através de medidas administrativas e legislativas, o crime por eles incentivado.

O vice-presidente Mourão, durante entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, no dia 09 de setembro de 2020, argumentou que o governo precisa liberar a exploração minerária em terras indígenas e parar de tapar o sol com a peneira, portanto, no entender dele, há que se avançar ainda mais para dentro dos territórios indígenas, destruindo os modos de ser dos povos, suas culturas e todo o seu habitat originário. O atual governo não se importa com as vidas, apenas vislumbra a depredação para assegurar aos empresários da aniquilação o lucro acima de qualquer coisa.

O governo federal fragilizou e retirou o poder dos órgãos de proteção e fiscalização ao meio ambiente. Puniu e exonerou servidores que ousaram enfrentar os invasores e coibir suas ações. Os seus lugares estão ocupados por militares que fazem vistas grossas às invasões. Segundo o Greenpeace, 72% de toda a atividade garimpeira na Amazônia ocorreram dentro de unidades de conservação ambiental e de terras indígenas. Portanto, a desconstituição das equipes de proteção teve a evidente intenção de abrir estas áreas aos invasores.

Até onde e quando essa realidade devastadora prevalecerá ainda não sabemos. A reação contrária vem dos movimentos de luta pela defesa da vida, das terras e dos povos originários. Há ainda uma aparente reação de empresários estrangeiros que se sentem prejudicados – deparam-se com a diminuição de seus lucros – na venda de seus produtos por causa dos compradores conscientes, especialmente na Europa, que como forma de protesto deixam de adquirir produtos oriundos das ações dos invasores de terras indígenas e do desmatamento criminoso. Talvez resida nesta exigência de empresários e consumidores a propagação do discurso da legalização dos crimes ambientais.

Há que manter atenção nessa perspectiva, porque assim como se tentou legalizar a grilagem, se pretende fazer o mesmo com a exploração garimpeira, madeireira e minerária nas terras indígenas. Com a legalização esperam amenizar as críticas e abrandar as consciências de empresários que se sentem prejudicados em seus intentos exploratórios. Legaliza-se o crime e com isso voltar-se-á a normalidade nas relações comerciais e empresariais.

Chomsky acredita que somente haverá mudanças se as novas gerações assumirem o compromisso de enfrentar as crises, combater a violência, a intolerância e o racismo. Os povos originários e as comunidades tradicionais, desde sempre, defendem a terra como mãe. Os invasores a violam, a matam e aniquilam quem a defenda. Até quando isso vai perdurar, não sabemos. Mas há que lutar e resistir a esses tempos sombrios e aos governos nefastos.

Porto Alegre, 11 de setembro de 2020.

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Roberto Antônio Liebgott é Missionário do Conselho Indigenista Missionário/CIMI. Formado em Filosofia e Direito.

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