A recessão mais longa e profunda da história brasileira

 Por José Eustáquio Diniz Alves.

“Onde fica a saída? Perguntou Alice ao gato risonho
Depende para onde você quer ir, respondeu o gato”
Lewis Carroll

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A queda do PIB começou no segundo trimestral de 2014 e se aprofundou muito em 2015, quando a queda aumentou ao longo do ano, deixando uma herança maldita para o ano de 2016.

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED (LEI 4.923/65), que apresenta uma síntese do comportamento do mercado de trabalho formal no Brasil, apontam o colapso do emprego com carteira assinada no Brasil. Depois das eleições de 2014, o saldo entre admitidos e desligados foi negativo em 2,4 milhões de empregos formais entre dezembro de 2014 e fevereiro de 2016. Na média mensal foram fechados 159 mil empregos por mês no período, o que dá uma perda de 5.300 empregos com carteira de trabalho assinada por dia. Nota-se que os dados de dezembro de 2015 foram piores do que dezembro de 2014. No mesmo ritmo, a queda do emprego formal foi maior nos dois primeiros meses de 2016 em relação ao mesmo período de 2015. Houve também queda do rendimento real e da massa salarial. Os meses de março e abril de 2016 não devem ser diferentes.

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Há diversos dados mostrando que a recessão vai se agravar em 2016. O FMI estima uma queda de 3,8% este ano, repetindo os 3,8% de 2015. Mas há quem projete uma queda de até 4,5% neste ano. Segundo a Boa Vista Serviços, administradora do SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito), os pedidos de falência no Brasil cresceram 25,2% em março de 2016 na comparação com o mesmo mês do ano passado. O primeiro trimestre do ano teve alta de 31,6% na comparação com o mesmo período de 2015, enquanto que, na comparação mensal, o número de pedidos de falência aumentou 13,5% em março. Dados da Anfavea mostram que a produção de veículos recuou 27,8% no primeiro trimestre de 2016. Produção caindo e empresas fechando significam trabalhadores desempregados e salários mais baixos. Com a queda da massa salarial cai o nível de consumo da sociedade. Como os níveis de investimento estão muito baixos, a demanda agregada diminui e joga a economia ainda mais fundo na recessão.

Como mostra o primeiro gráfico, com dados do IBGE, o atual ciclo recessivo que teve início no segundo trimestre de 2014 (ainda no primeiro mandato de Dilma Rousseff) já completou sete trimestres em 2015. Segundo cálculos da Fundação Getúlio Vargas, o oitavo trimestre recessivo está em curso e até dezembro de 2016, serão 11 trimestres no vermelho. O tamanho do tombo estimado é de pelo menos 8,7% do PIB. Nos últimos 36 anos, a recessão mais longa durou 11 trimestres, entre 1989 e 1992, quando o PIB caiu 7,7%. Como mostra o gráfico abaixo, a recessão mais intensa, de nove trimestres, ocorreu entre 1981 e 1983, com contração de 8,5%. As mudanças na metodologia da apuração dos números pelo IBGE, de modo geral, resultaram em taxas melhores para o PIB atual. Por exemplo, o crescimento do PIB em 2011, foi revisto de 2,7% para 3,9%. Portanto, a crise atual é, por todas as medidas, a mais longa e profunda da história (ver gráfico abaixo da FSP de 12/03/2016). Os dados disponíveis indicam que os recordes da crise atual podem abranger um intervalo de tempo ainda maior se a recessão se prolongar no começo de 2017.

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Existem fatos que são incontestáveis para explicar a recessão, como a baixa produtividade e a falta de competitividade da economia brasileira, a insuficiência de poupança e do investimento, a crise fiscal provocada pelo crescimento dos gastos acima do aumento das receitas, etc. Mas não existe consenso sobre as razões teóricas para a explicação da crise, especialmente quanto ao papel do Estado como indutor ou contentor da recessão.

O fato é que o Brasil vive uma situação ímpar que pode comprometer qualquer possibilidade de progresso e desenvolvimento. O futuro foi roubado. O país pode cair para sempre na armadilha da renda média. A crise atual pode não ser conjuntural, mas estrutural. Seria o fim da história do “Ordem e Progresso”.

A crise política agrava a situação econômica e vice-versa. A Comissão Especial do Impeachment da Câmara Federal aprovou por 38 a 27 votos o andamento do processo contra Dilma Rousseff. Pesquisa Datafolha mostra que 61% da população apoiam o impedimento da presidenta. Mas mostra também que 58% apoia o impedimento de Michel Temer. As pesquisas também indicam que a população não quer a volta do PSDB e reprova políticos como Eduardo Cunha, Renan Calheiros e outros caciques de partidos tradicionais. Não existe nenhuma liderança capaz de empolgar a população brasileira. De fato, uma simples troca de governo pode não resolver nada ou até piorar a situação. Talvez o melhor fosse a convocação de eleições gerais o mais rápido possível, fato até admitido hipoteticamente pela presidenta Dilma. Outra hipótese é a cassação da chapa eleita em 2014 pelo TSE como quer Marina Silva e a Rede Solidariedade. Ainda há propostas como o parlamentarismo e um plebiscito para definir novas eleições. O quadro está bastante confuso. Mas enquanto o impasse continua e as diversas correntes políticas vão para a rua, o desastre econômico se acentua, o sofrimento se espalha, a pobreza aumenta e a violência se torna epidêmica, assim como o clima político fica intragável. E não há, no curto e médio prazo, uma força capaz de unir o país e enfrentar de forma séria a atual recessão. Na linguagem popular se diz que a vaca foi para o brejo.

Desta forma, o Brasil perde espaço na economia internacional e vê suas condições piorarem. Segundo avaliação do professor Reinaldo Gonçalves, do Instituto de Economia da UFRJ (e que foi um dos principais economistas do PT até 2002), o prejuízo da nação acumulado no período 2011-18 será enorme: “Caso o governo Dilma Rousseff complete o seu segundo mandato, o estudo estima em 0,2% a taxa média anual de crescimento da renda real e em 4 trilhões de dólares o custo econômico acumulado no período 2011-18 (…) Considerando esse custo econômico, pode-se afirmar que o governo Dilma Rousseff é a maior expressão de mau governo em toda a história republicana brasileira”.

Na verdade, o Brasil vem perdendo espaço na economia mundial desde 1980, quando respondia por 4,4% do PIB mundial. O FMI mostra que a participação do PIB brasileiro (em poder de paridade de compra) teve a maior queda entre os governos José Sarney (1985-1989) e Fernando Collor (1990-1992). Mas o Brasil continuou perdendo posição relativa nos governos seguintes (embora tenha havido uma leve recuperação no início do Plano Real e no governo Lula entre 2006 e 2010). A perda se acelerou na atual década (2011-2020) e o país deve responder por apenas 2,4% da economia mundial em 2020, segundo dados divulgados pelo FMI, em 12/04/2016. O Brasil, ao invés de emergente, está se consolidando como país submergente.

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Nos 30 anos entre 1950 e 1980 a taxa de crescimento do PIB brasileiro só não foi maior do que a taxa de crescimento do PIB mundial em 4 anos, todos eles em período de crise política: em 1956, após o suicídio de Getúlio Vargas e das dificuldades da eleição de Juscelino Kubitschek o PIB brasileiro cresceu 2,9%; nos anos de 1963, 1964 e 1965, após a renúncia de Jânio Quadros e da crise que se seguiu, o PIB brasileiro cresceu 0,6%, 3,4% e 2,4% respectivamente. Em nenhum ano entre 1950 e 1980 houve decréscimo do PIB. Porém, entre 1987 e 2016 o Brasil só cresceu mais que a economia internacional em 8 anos (1993, 1994, 1995, 2002, 2004, 2007, 2008 e 2010). O Brasil cresceu menos do que o mundo em 22 anos entre 1987 e 2016. O pior é que estamos caminhando para uma década perdida entre 2011 e 2020.

dados divulgados pelo FMI, em 12/04/2016, confirmam que o Brasil, pela primeira vez na história, deverá ter um crescimento do PIB nacional menor do que o crescimento do PIB mundial em todos os anos da década. O Brasil deve ter pela primeira vez uma recessão por dois anos seguidos (2015-2016) e quatro anos seguidos de queda da renda per capita (2014-2017). Na média do decênio (2011-20), o PIB mundial deve apresentar um crescimento de 3,54%, enquanto o Brasil deve ter um crescimento médio de 0,63% ao ano. Como a população brasileira cresce a 0,8%, haverá redução da renda per capita no decênio. Trata-se de uma situação preocupante para um país que tem uma renda média, em 2016, em torno de US$ 15 mil em ppp, ou $7.500,00 em dólares correntes. O Brasil pode ficar preso à armadilha da renda média e nunca dar o salto para o grupo de países de renda alta.

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O pesquisador Marcelo Neri (economista da FGV e ex-ministro do governo Dilma) divulgou estudo mostrando que pela primeira vez desde 1992, a renda do trabalho dos brasileiros diminuiu e a desigualdade aumentou, de acordo com dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Esta situação vai se agravar em 2015 e 2016. Em entrevista ao jornal El Pais, ele disse: “Após a crise política e econômica, já antevemos a crise social”

A recessão agrava o quadro de crise fiscal da União que se estende para os estados e municípios, com a dívida pública disparando, o que aumenta a insolvência. A situação da economia brasileira é muito grave e o ambiente de ruína vai além das disputas partidárias e ideológicas. As dificuldades estão sendo subestimadas. É preciso achar um caminho para o emprego voltar a crescer e se garantir a sobrevivência e a autonomia individual. O Brasil precisa achar um rumo que garanta a qualidade de vida para as pessoas e para o meio ambiente. Como Alice, no País das Maravilhas, o Brasil busca uma saída. Mas não existe consenso para onde se quer ir e qual o caminho (das pedras) a ser trilhado.

Referências:

ALVES, JED. O PIB brasileiro: anuênio, biênio, triênio, quadriênio, quinquênio, sexênio, septênio, octênio, novênio e decênio, Ecodebate, Rio de Janeiro, 09/03/2016

PATU, G; CUCULO, E. Recessão econômica atual deve ser a pior da história do Brasil. FSP, 12/03/2016

GONÇALVES, Reinaldo. Custo econômico do mau Governo Dilma Rousseff, IE/UFRJ, Rio de Janeiro, Texto para Discussão, 009/2016

*José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]

Fonte: EcoDebate.

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