A produção social da ignorância

Pensador

Por Thiago Burckhart, para Desacato.info.

Vivemos em uma sociedade e em um tempo marcados pelo vazio de pensamento, como já afirmava a filósofa Hannah Arendt em seu livro “A Condição Humana”. Esse vazio de pensamento, que também se projeta como um vazio de emoção e de ação, como coloca Marcia Tiburi, aliados a uma sociedade do espetáculo – onde praticamente tudo se mercantiliza -, são o motor para a produção social da ignorância.

A publicidade enquanto deturpação da filosofia e do pensamento autônomo faz com que a maioria das pessoas despreze o conhecimento sofisticado e contestatório, passando a cultuar a ignorância. Essa ignorância nasce no contexto onde a publicidade cria discursos por meio de pensamentos prontos, em sua grande maioria pautados em clichês e mesmo em preconceitos sociais historicamente construídos. Os meios de comunicação de massa contribuem, assim, em grande medida para a difusão da ignorância, pois ao estabelecer e reproduzir constantemente um discurso pronto, acabam por impedir que o receptor do discurso reflita sobre o mesmo. Cria-se, portanto, a indústria cultural da ignorância, que alimenta a ideologia da ignorância. O lema é: a ignorância é a nova moda. Essa mesma produção social da ignorância, da desinformação e do desconhecimento também produz a imbecilidade.

Ao assistirmos televisão ou mesmo utilizarmos nossos celulares super-potentes, por exemplo, acabamos por não nos darmos conta de que esses instrumentos podem nos controlar. Ao contrário, pensamos que temos o domínio sobre esses instrumentos. Esquecemo-nos que o conteúdo desses instrumentos possuem uma vinculação ideológica, como já falava Milton Santos, a ideologia hoje se materializa. Além de se materializar, assume a sua perversividade enquanto poder biopolítico e mesmo tanatopolítico que não dá impulso a reflexões críticas e profundas, a experiências filosóficas, mas nos coloca no lugar de receptores de um conteúdo já pensado e direcionado.

A ignorância e a banalidade do mal

A publicidade, ao tomar o pensamento, as emoções e a ação das pessoas, abre o caminho para o fascismo. Não é de hoje que nota-se um levante de ódio nesse país, como a reprise de um filme de terror, os discursos de ódio cada vez mais se produzem e reproduzem. Esse cenário preocupante liga o alerta para a banalização do mal (Hannah Arendt). A banalidade do mal é aquele mal que se torna corriqueiro, cometido pelos “ninguéns”, que naturalizam a forma de ser, as atitudes, o modo de pensar e de agir de determinadas pessoas. Em tempos de fascismo social, alimentados pela ignorância, o mal torna-se ainda mais corriqueiro, sutil e difuso.

O ignorante assume para si, como ideologia e como prática cotidiana, o caráter performativo do pensamento dominante, antiético, autoritário e não-autônomo. Assim, a ignorância quando se alia à banalidade do mal, produz o ódio em um circulo vicioso. A ignorância aliada à banalidade do mal corre na contramão da democracia e de sua consolidação enquanto regime político justo. Nesse mesmo sentido, a ignorância aliada à ausência de um projeto de educação para o país também produz outro círculo vicioso, talvez ainda pior.

Pensa aí!

Os meios de comunicação de massa, em sua maioria vendidos aos interesses econômicos vigentes, na medida em que produzem e reproduzem seus discursos prontos como “compre aí”, “faça isso”, “seja assim”, também produzem sutilmente a ignorância. Em vez do “compra aí”, por que não dizer “pensa aí”, “questione!” ou “rebele-se”?

Pensar não é fácil. Exige esforço e comprometimento para consigo e também para com o próximo (alteridade). Em primeiro lugar exige uma profunda autocrítica, de modo a desmistificar muitos dos mitos que nos perseguem. Exige também que tomemos conhecimento de nossas ignorâncias e que isso sirva de motor para se auto renovar. Em segundo lugar exige autonomia, ou seja, que a pessoa pensante se ponha no mundo de modo livre. Exige também abertura para o novo e para o “outro”, para o conhecimento e para novas práticas sociais.

Pensar, em meio a um mar de ignorância, torna-se cada vez mais um ato revolucionário. Procurar pelo esclarecimento e por lucidez torna-se subversivo. A produção social da ignorância pode ser facilmente combatida com mentes pensantes, com o diálogo aberto em vez de discursos prontos e acabados, com criticidade em vez da passividade reflexiva.

 Thiago Burckhart é estudante de Direito.

Foto: Tali Feld Gleiser.

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