A população da Armação do Itapocorói, em Penha, diz não para a mudança do plano diretor municipal

A verticalização urbana do litoral catarinense

Armação de Itapocorói, Debret

Por Nilson Cesar Fraga.

O verão de 2018 começou marcado por fortes chuvas concentradas, principalmente no litoral catarinense, que, a exemplo dos anos anteriores, está lotado de turistas de vários lugares do Brasil e do exterior. Tais chuvas estão causando muitos problemas para as comunidades, sobretudo as mais periféricas, e também para os turistas, devido às inundações e alagamentos que acontecem quase todos os dias.

Em meio aos problemas socioambientais apontados, representantes políticos municipais e empresariais de Penha, cidade do litoral norte do estado, propuseram mudanças no padrão de ocupação de um dos espaços mais tradicionais de Santa Catarina, gerando polêmica no município e, mesmo, fora dele. A prefeitura marcou uma exposição pública em que, dentre outros assuntos, debateria a verticalização da localidade de Armação do Itapocorói, onde se localiza a secular igreja de São João Batista, caracterizada como um espaço de alto interesse histórico no estado.

Mas houve repercussão entre os munícipes que, no salão paroquial da capela de São João Batista, os residentes na Armação do Itapocorói deliberaram, coletivamente, pela não construção de prédios e a possível verticalização da orla, em Audiência Pública requerida pela Conselho da Cidade – CONCIDADE, quando se discutiu as possíveis mudanças do plano diretor do município (Lei Complementar nº 002/07), tendo a sugestão de alteração partido de empresários com interesse de construir acima do permitido pela lei atual.

A igreja secular mencionada foi tombada como patrimônio histórico catarinense faz duas décadas, sendo uma das primeiras edificadas no estado, tendo suas obras iniciadas em 1759. A localidade litorânea do Itapocorói era um importante porto de mercadorias no litoral catarinense, conjuntamente com os de São Francisco do Sul, Desterro (atual Florianópolis), Porto Belo e Laguna.

A partir de 1777, ano da invasão espanhola à ilha de Santa Catarina, uma das armações de caça às baleias do Desterro obteve permissão para desdobrar sua área de captura, quando optou pelo Itapocorói, que ganhou a alcunha de Armação.

Esta porção do litoral barriga verde faz parte do processo histórico de entrada e fixação de colonizadores açorianos – neste ano de 2018, a colonização açoriana, cuja cultura secular, está amalgamada na Armação do Itapocorói, completa 270 anos. Esses fatos exigem a manutenção do sítio histórico itapocoroiense, cujos patrimônios materiais, imateriais e ambientais são fundamentais na salvaguarda de quase três séculos da ocupação e organização territorial de Santa Catarina.

A população da Armação do Itapocorói conseguiu demonstrar preocupação com sua existência e história, ao exigir das autoridades o cumprimento das leis que impedem construções na orla daquele lugar e, ao mesmo tempo, abriu o debate para outras áreas de fragilidades ambientais, suscetíveis a inundações, como as que se verificaram em Penha nos dias 10, 11 e 12 de janeiro de 2018.

Cabe aos geógrafos, ambientalistas, historiadores-culturalistas de uma determinada região, que não necessitam ser enquadrados como pessoas radicais, mas esclarecidas das consequências nas modificações sociais e ambientais inadequadas dos espaços urbanos e históricos da ocupação humana, impedirem a ocupação de áreas que, se ocupadas, causariam enchentes e muitos prejuízos, como os verificados no litoral norte catarinense nesses primeiros dias de 2018, além, é claro, da destruição do patrimônio histórico de uma determinada população.

Penha, assim como Florianópolis, Itapema, Balneário Camboriú e outras cidades litorâneas, não foi gravemente atingida pelas fortes tempestades daqueles dias, isso porque cerca de metade do seu território está em área de conservação ou culturalmente conservada há quase três séculos, e por direito ninguém pode, ou deveria construir, fato merece profundo debate, para impedir os problemas verificados nas cidades mencionadas. Se houvesse assentamentos humanos nesses locais de Penha, muitos dos seus habitantes teriam sido alojados em ginásios de esporte ou escolas públicas, e estariam à mercê da solidariedade coletiva – há que se recordar que, entre os dias 10 e 11 de janeiro deste ano, todos os bairros de Penha foram atingidos pelas inundações das fortes chuvas que atingiram o litoral norte catarinense, mas os danos materiais não foram grandes, pois a ocupação urbana ainda não se compara a uma cidade como Florianópolis, por exemplo.

Mas para cada comunidade que foi poupada dos prejuízos, doenças e mortes, existe um ou outro cidadão descontente por não poder lucrar com empreendimentos nestas áreas que permitiriam o adensamento de moradores e veranistas. Paciência, democracia é assim mesmo e isto precisa ser deixado claro para órgãos executivos e, também, os legislativos, que são responsáveis pela criação dos planos diretores e vigília sobre estes – dessa vez, parece ter vencido a vontade do cidadão, mas não nos enganemos, pois o poder dos agentes imobiliários sobre os vereadores é capaz de mudar a legislação nas madrugadas do inverno de 2018 que se aproxima, quando a cidade estiver mais recolhida e os veranistas, nas suas cidades de origem.

As imagens feitas pela população e pela imprensa no dia 11 de janeiro mostraram áreas inundadas desde a Ilha de Santa Catarina até São Francisco do Sul, passando por Penha, imensa área ocupada pelos açorianos desde meados do século XVI. Felizmente as ações das autoridades, sobretudo do Ministério Público estadual e federal, têm sutilmente contido as ameaças dos agentes imobiliários e políticos e poupado os municípios de tragédias imensamente maiores do que as registradas até agora. Mas, para evitar situações mais desastrosas, é necessário que se respeitem as leis orgânicas dos municípios que regem sobre a ocupação e organização geográfica dos territórios de ocupações histórico-culturais, como é o caso da Armação do Itapocorói.

Quando as leis não garantem um futuro socioambientalmente digno para as pessoas que ocupam um município como este, de Penha, há que se ampliarem as legislações para que se evitem a urbanização e a verticalização de cidades, a exemplo de Balneário Camboriú e Florianópolis. Penha, ainda, consegue manter o mínimo de qualidade de vida para seus cidadãos e turistas – a verticalização das praias do município não são garantia de maior incremento nos cofres públicos, assim como não garantirá melhoria na qualidade de vida e ambiental municipal, pelo contrário. Temos a chance de fazer de Penha um exemplo diferente e melhor, dentre os municípios com balneários de lazer para aqueles os visitam.

Exemplos como o de Balneário Camboriú, que tem sido marcada pela construção de altos edifícios de forma acelerada, deveriam nortear o pensamento dos penhenses, pois a verticalização excessiva às margens do litoral traz implicações ao cotidiano e à conformação da cidade. Os vários edifícios, muitos deles de elevadíssimo padrão, localizados na orla do famoso balneário, acabam por criar áreas de sombreamento na areia da praia, impedindo que os turistas tenham acesso (ou direito) ao sol, depois das 15h. Os edifícios geram uma falsa visão de modernidade, atraindo diversos turistas e empresários – não são poucos os comentários de que Balneário Camboriú pareça, a cada novo espigão ereto na orla, com uma Dubai no Atlântico Sul. Mas essa pseudomodernização também vem provocando críticas, sobretudo aquela relacionada ao sombreamento que as edificações arremessam na praia.

 Verticalizar, que significar edificar os espaços urbanos, litorâneos ou não, pressupõe criar novos chãos sobrepostos, lugares de vida organizados em andares múltiplos, permitindo o abrigo, em local determinado, de grandes contingentes de pessoas do que seria possível em moradias horizontais, e, por consecutivo, aquilatar e revalorizar os espaços urbanos pelo acrescentamento do seu possível aproveitamento.

Todos deveriam saber que o crescimento da cidade, sem os devidos cuidados e planejamentos, pode trazer sérias consequências para a qualidade de vida urbana. A solução mais simplista, porém, destituída de embasamento técnico, seria meramente impedir a produção de novas unidades na cidade, sobretudo aquelas de muitos pavimentos, que geram sombras, impedem a circulação do ar e causam tantos outros males na vida urbana.

Nesse sentido, a população do Armação do Itapocorói deu um grande passo e, a princípio, salvaguarda a qualidade de vida secular da sua população. Esse não aos agentes políticos e imobiliários serve, ainda, de exemplo para outros municípios do litoral de Santa Catarina, sobretudo para os que desejam evitar o quase caos dos verões registrados em Florianópolis, Balneário Camboriú e Itapema, por exemplo.

Nilson Cesar Fraga é pesquisador do CNPq, professor na Universidade Estadual de Londrina e coordenador do Observatório da Região e da Guerra do Contestado.

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