A política de atenção à saúde dos povos indígenas e a insegurança quanto ao futuro. Por Roberto Liebgott.

Por Roberto Antonio Liebgott, para Desacato. info.

O ano de 2020 encerra-se com graves denúncias de descaso na assistência às comunidades indígenas do Vale do Javari, no Amazonas. A Associação do Povo Kanamari do Vale do Javari publicou nota na qual denuncia a desassistência em saúde por parte do Estado brasileiro, a falta de medicamentos, equipamentos, combustível e meios de transporte para fazer a locomoção dos doentes. Agravando ainda mais esse quadro, a Associação denuncia práticas incompatíveis com a função pública por parte de servidores e profissionais em saúde responsáveis pelo atendimento às comunidades. Informa-se, neste sentido, que os profissionais que atuavam no Vale do Javari abandonaram as ações e serviços logo após as eleições municipais, ocorridas no mês de novembro de 2020 e que, antes ainda do abandono das atividades, alguns profissionais consumiam bebidas alcoólicas em área indígena.

A Associação do Povo Kanamari informa também que os índices de adoecimento por malária avolumaram-se e que não há ações preventivas nem mesmo em relação à pandemia de coronavírus. Há suspeitas de que pessoas das comunidades indígenas contraíram a doença sem nenhum tipo de acompanhamento. Ainda de acordo com a nota divulgada, as crianças são as mais dramaticamente afetadas, o que compromete a segurança, a vida e o futuro dessas comunidades.

Essa situação parece sintetizar aquilo que acontece no Brasil com relação à política indigenista, que se torna ainda mais grave com a pandemia vivida no pais ao mesmo tempo em que o presidente da república relativiza a doença, seus efeitos e suas vítimas.
Nesse contexto, os povos indígenas estão entre os que mais sofrem com a negligência e omissão do governo na execução de políticas assistenciais e, em especial, na garantia de proteção, fiscalização e demarcação dos territórios.

O desprezo aos povos indígenas parece ser a senha para a implementação do que se pode chamar de antipolítica indigenista. Tal desprezo projeta cenários de um futuro dramático para as comunidades indígenas. A desassistência em saúde, fato notório, tem sido prática comum no governo Bolsonaro, associada à mentira, ao engodo e ao divisionismo.

Através dos executivos que comandam a Sesai e a Funai, o governo Bolsonaro tem feito ofensivas contra organizações indígenas, indigenistas e lideranças que se manifestem contra a antipolítica, cooptando pessoas – lideranças, funcionários indígenas e indigenistas – desencadeando processos de perseguição e desqualificação das pessoas ou instituições que ousam criticar ou cobrar ações e políticas que assegurem a promoção e a proteção aos direitos constitucionais.

O projeto do governo é o da desconstitucionalização de todos os direitos indígenas e da integração forçada dos povos à “comunhão nacional”. Ao que parece, as demandas prioritárias relativas à defesa da terra e da vida são as mais atacadas pelo governo Bolsonaro. E a (des)atenção à saúde torna-se uma espécie de embrião da perspectiva integracionista, pois, se o governo conseguir impor suas restrições a políticas diferenciadas e afirmativas, seu projeto de morte ganhará ainda mais força.

Cabe aos povos indígenas organizarem-se para atuar fortemente contra o governo e suas estratégias, especialmente a divisionista e de cooptação. A dor e a morte são inaceitáveis e a luta contra elas passa pela retomada dos projetos de vida dos povos e estes estão vinculados ao direito a terra, seu usufruto exclusivo, e as políticas de assistência específica e diferenciada, com ampla e irrestrita participação dos povos e suas comunidades.
O cenário político ainda é de caos profundo, porque quem governa o Brasil é inimigo da causa indígena, mas a sua superação passa pela força política, ancestral e espiritual dos povos, com manifestações e lutas em âmbito nacional e internacional.

No documento abaixo, a denúncia por abandono de trabalho de profissionais da Sesai nas aldeias Kanamari, Rio Itacoai, Vale do Javari/AM.

Porto Alegre, 29 de dezembro de 2020.

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Roberto Antônio Liebgott é Missionário do Conselho Indigenista Missionário/CIMI. Formado em Filosofia e Direito.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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