A PEC das Domésticas e direitos trabalhistas no Brasil

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José Álvaro de Lima Cardoso.*

Estudos realizados pelo DIEESE, e outras instituições de pesquisa, mostram que o trabalho doméstico é a ocupação que mais emprega mulheres no país (cerca de sete milhões), em sua maioria, negras. Segundo dados da FENATRAD (Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas), apenas 27% dos trabalhadores domésticos têm carteira assinada, o que representa cerca de 2 milhões do universo total de mais de 7 milhões em todo o Brasil. As trabalhadoras sem carteira recebem, em média, 30% menos que as que possuem carteira de trabalho assinada. Estudo do DIEESE revela que, em São Paulo, 38,7% têm carteira assinada, 28,2% não são registrados e 33,1% são diaristas. Deste total, 45,5% contribuem para a Previdência Social. O trabalho doméstico, de Sul a Norte do país, representa uma síntese das imensas precariedades do mercado de trabalho brasileiro, caracterizado por salários baixos, alta rotatividade, e frágeis condições de trabalho.

Promulgada em abril último, a Proposta de Emenda à Constituição Federal 66, popularmente conhecida como PEC das Domésticas, pode começar a reverter estas mazelas neste importante segmento do mercado de trabalho brasileiro. A partir da promulgação da PEC qualquer trabalhador maior de 18 anos contratado para trabalhar para uma pessoa física ou família, passa a ter os mesmos direitos conquistados há décadas pelos demais trabalhadores, em regime de CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Entre os trabalhadores domésticos beneficiados pela nova lei estão incluídos profissionais responsáveis pela limpeza da residência, lavadeiras, passadeiras, babás, cozinheiras, jardineiros, caseiros de residências na zona urbana e rural, motoristas particulares e até pilotos de aviões particulares.

Alguns direitos, como a jornada de 44 horas semanais e o pagamento de horas-extras, adquiram validade imediata com a promulgação da Lei em 02 de abril. Outros, como indenização em demissões sem justa causa, seguro-desemprego e salário-família, adicional noturno, auxílio-creche e seguro contra acidente de trabalho deverão ser regulamentados em até 90 dias. A nova lei garante ainda: jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais; hora extra; respeito às normas de segurança de higiene, saúde e segurança no trabalho; reconhecimento de acordos e convenções coletivas dos trabalhadores; proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil ou para portador de deficiência; proibição do trabalho noturno, perigoso ou insalubre ao trabalhador menor de 16 anos; adicional noturno; obrigatoriedade do FGTS; seguro-desemprego para todos os domésticos; salário-família; auxílio-creche e pré-escola e seguro contra acidentes de trabalho e indenização em caso de despedida sem justa causa.

Uma parte da grande mídia combateu fortemente a referida PEC, centrando suas críticas nas dificuldades práticas de implantação da lei (o que verdadeiro) e na elevação de custo para o empregador, que pode chegar a até 9%. Mas o fato concreto é que os avanços representados pela Lei superam largamente as dificuldades de sua implantação e o aumento de custo para o empregador. As medidas atacam simultaneamente, as discriminações sofridas pela mulher e pelo negro na sociedade brasileira, isto é, atinge o cerne das desigualdades no mercado de trabalho. Era realmente insustentável, em pleno século XXI, a sétima economia do mundo manter uma categoria de trabalhadores de “segunda classe”, sem direitos elementares, como uma jornada de trabalho decente e seguro desemprego. A batalha para que a Lei não vire “letra morta” será duríssima, numa categoria onde 90% dos trabalhadores estão na informalidade. Mas vale a pena, porque implantar na prática as medidas previstas é uma questão de dignidade dos trabalhadores e avanços nos marcos civilizatórios do país.

*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

Fonte: Sensor Econômico Brasil

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