À parte e juntos: as mulheres odiadas de Virginia Woolf

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Virginia Woolf nos anos 30. HIP/Art Resource, NY. 

Por Francieli Borges, de Porto Alegre, para Desacato.info.

Fazemos coisas práticas, sob um céu azul, mas nem tanto, desviamos das pessoas apressadas, também nós apressados, sonolentos, um tanto vazios. De repente uma constatação nos assalta. “Percebi”. Sem entender direito: um estalido, um cheiro no ar, a expressão de um rosto que não conhecemos. O cotidiano como algo que sai do ordinário sem que seja extraordinário. Nos provocam sensações totalmente novas como as que formaram e é possível revivê-las, ainda, enquanto são outras. Isso é ler Virginia Woolf.

Falar sobre a mulher na ficção, é por si, um tipo de ficção. Ao ler quaisquer que sejam os textos da escritora somos surpreendidos por inúmeras hipóteses: pensemos em como seria a formação da literatura se nas narrativas os homens só fossem representados como amantes das mulheres – e se tudo girasse em torno disso. Que nunca (a vida não trabalha com a força de exceções) fossem amigos de homens, sonhadores, corajosos, inteligentes, inspiradores. Só fossem loucos ou frívolos. Décadas a fio. Sob interesses perenes de domesticidade. E se, ainda, a parcela de imaginação para percorrer as encruzilhadas dos textos viesse com pinceladas precisas de assimetria dos papeis sociais designado às mulheres e aos homens, com privilégios e atribuições distintas.

A escritora nos conduz ao questionamento pungente: como as visões destinadas a cada sexo desenvolvem as habilidades das pessoas – e seus recursos financeiros e legitimidade cultural? A partir da exposição da tradição imperativa do patriarcado, há o descortinamento da posição das mulheres e das impossibilidades da expressão do livre pensamento.

Adiante com a força das representações, direcionamos a atenção às mulheres mortas. São uma tônica. Uma personagem mulher morre para que o narrador possa refletir e ascender. São suicídios e assassinatos formadores da história da literatura, bastante sintomáticos e igualmente assustadores.

Densa, Virginia, através dos caminhos tortuosos da digressão das suas personagens, entre fugas malsucedidas (não há para onde fugir porque “lá” não existe), desejos emudecidos, gravidezes indevidas, sonhos inviabilizados, a estratégia propriamente masculina de inferiorizar, a evidência das punições sociais para as mulheres – necessariamente pobres, desfalcadas de espaço, linguagem e tempo, em relação aos pares de séculos de riqueza, conhecimento e poder dos homens.

Não importa para onde vai a sua escrita, nunca é pura narração, sempre há pensamento articulado e consciente e que invade cada espaço como se fosse cheiro de pão saído do forno. É maravilhosa essa capacidade de impregnação: depois de ser captada, a personagem protagonista, quase sempre mulher, não pode fazer um único gesto sem que haja reflexão. O observador e o observado na breve cena: como saber quais dos nossos atos são concessões, quais são estratégias de sobrevivência, quais são traições?

Diante das situações verdadeiras como só a ficção consegue mostrar, somos acompanhados pela náusea ao perceber a atualidade dos indivíduos dos seus estudos que já vão para lá de cem anos. Isso talvez seja uma das maiores contribuições dos seus escritos.

*O título faz referência ao texto “Juntos e à parte”, da escritora, que está no livro A marca na parede e outros contos, compilados pela Cosac Naify em 2015.

*Virginia Woolf nasceu em Londres, na Inglaterra, em 1882. Foi proeminente participante do Grupo de Bloomsbury, formado por intelectuais e artistas britânicos do século XX. Escreveu diversas resenhas e artigos. Também colaborou com o Times Literary Supplement. De valor literário excepcional, sua produção de romances conta com Mrs. Dalloway, Ao farol e As ondas. Suicidou-se por afogamento em 1941, após anos de depressão.

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