A necessidade do resgate da inteligência emocional e espiritual em Pachamama

Por Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.

A simbologia de um dia/um mês dedicado à Grande Terra é imprescindível para que, em um determinado período, pelo menos, já que na efervescência da pós-modernidade, não haveria tempo nem espaço para a veneração cotidiana e contínua à mantenedora de nossa existência, Gaia, para os antigos gregos, e Pachamama, para os povos andinos, os filhos da Terra, aqueles providos da consciência racionalista sensível, se é que isso é possível, possam refletir sobre suas empirias e relações com o Planeta, bem como com os demais seres que nele habitam.

A data de hoje deveria servir como ponto de reflexão em torno das crises socioambientais atuais e, principalmente, como elemento sensibilizador, com vistas ao conhecimento das causas geradoras das crises, pois somente assim, de posse do saber da operacionalização do modus operandi do homo economicus, será possível combater os efeitos febris que estão depredando a nossa Casa Comum.

Esse período deveria despontar como espaço interlocutório, possibilitando ao ser humano a consciência do despertar para a necessidade do resgate da inteligência emocional, ambiental e espiritual, já que há déficits em todos esses campos nas arquiteturas mentais societárias hodiernas. Frente a esse despertar, o homo sapiens sapiens, um dos bichos mais recentes na escala da existência da vida no planeta, que, segundo o respeitado pesquisador da Ciência Ambiental, G. Tyler Miller Jr., comparada aos bilhões de anos de existência da vida na Terra, a da nossa espécie pode ser considerada um período menor que um piscar de olhos.

Desafortunadamente, em eras do vazio e em sociedades da decepção, datas como essa, dedicadas ao grande ventre-terra da vida, feminino, no sentido mais profundo da geração e da concepção de todas as riquezas do existir, passam sem visibilidade pelos mecanismos tradicionais de comunicação a serviço do capital. O que impera nesse caos da alienação das massas sociais são os fluxos do “pensar” direcionados ao consumo, o senhor do prazer frugal, fugaz, destrutível e insustentável.

No antropoceno, vive-se para consumir e remodelar o globo ao bel-prazer das necessidades humanas. Com isso, esse se tornou o período das extinções em massa, tempo no qual, espécies são extintas em velocidades temporais estonteantes. A extinção é um fenômeno natural, para a biologia e para outras ciências que dialogam nessa vertente, mas, diante do quadro de alienação do consumo como promessa de paraíso de prazer, o egoísmo materializa-se em hipocrisias, maldades disfarçadas de éticas e oportunismos em larga escala.

Nessa nova era geológica, se é que já se pode rotular assim o antropoceno, a alienação proporciona a fragmentação do pensar e do sentir, gerando o homem apático, e em meio a esse arcabouço do mecanicismo mental, fragmentário nas bases, ganham força movimentos fascistas de negação das diferenças e da aniquilação da diversidade, elementos negadores da própria ecologia, área plural, por natureza.

Imerso nas leis do consumo, o ser humano não se dá conta de que os modelos de produção, bases de sistemas do modelo capitalista como, também, do socialista, estão esgotados, dado que, na relação com a Terra, ambos falharam. A diferença entre este e aquele reside no princípio da inclusão, pois, enquanto na perspectiva capital impera a selvageria do salve-se quem puder, no socialismo há a promessa da distribuição.

Mas nem tudo está perdido, não ainda, pois, todavia, temos um curto espaço de tempo para operar mudanças em nosso design mental de relação com a natureza e com as formas de produzir no mundo. Devemos, nesse pequeno tempo que nos resta, tentar reformar o pensamento para atingir um eco socialismo, pois no capitalismo, mesmo naquele que alguns teóricos acreditam que poderia ser cooperativo, vencerá a dialética do lucro sobre tudo e todos. Somente por meio da lógica da sociedade ecológica haverá a continuidade da existência.

Retomando a discussão acerca da necessidade do retorno da inteligência emocional e espiritual, é interessante recorrer ao que afirma Leonardo Boff quando ele pontua que toda a cultura moderna fundou-se sob a égide da razão instrumental-analítica, ação que deu origem à sociedade tecnológica na qual vivemos. O mesmo pensador, na mesma linha de raciocínio, externa que a razão iluminista gerou o fascínio de gerações pelos sucessos que ela alcançou em todos os campos e pelas facilidades que trouxe para a vida cotidiana. Esse período foi o período da razão intelectual.

O fascínio do racionalismo empoderou o homem, colocando-o no centro das coisas e o tornando insensível aos demais seres que existem e que merecem existir. Nesse empoderamento insensível, o bicho homem, mais demens que sapiens sapiens, vilipendiou a possibilidade de outras existências, interferindo na dinâmica da vida.

Cônscios de que o consumo movimenta a economia, os (des)humanos confundiram consumo com desenvolvimento, crentes de que estariam movimentando a mola do progresso.

 Bem da verdade, a comemoração da terra deveria ocorrer todo dia, em cada despertar, a cada vento dobrando a esquina e purificando os pulmões da existência, a cada chuva que molha o solo e faz brotar a vida, a cada vez que os pássaros cantam e embelezam a vida em voos rasantes.

A partir do despertar da inteligência emocional e espiritual, o homem sairia do estado demens e chegaria ao plano da ecologia mental e, dessa forma, alcançaria a ecologia integral. Com base na ecologia integral, o ser humano acordaria para a complexidade do conhecer, percebendo que tudo está em rede, em uma teia de vida de infinitas inter-trans-relações. Possuidor da sensibilidade desse saber complexo teria a oportunidade de repensar todas as práxis de destruição e voltaria no tempo para saber em que momento houve o desligamento com a natureza, e, ao encontrar o eixo temporal de separação, tentaria o re-ligare.  Religando-se, o homo economicus daria lugar ao homo ecologicus e, então, de assassino da vida, aliar-se-ia ao planeta no combate a todas as culturas insustentáveis do machismo, do racismo, da homofobia e de todas as formas de intolerância que, desde o desligare até o presente, esfacelam todos os seres de Pachamama.

Ou atingimos a inteligência emocional e espiritual, e a noção de espiritual aqui não tem relação com a espiritualidade das religiões, mas no sentido profundo do termo, ou pereceremos. Nesse âmbito, é possível recorrer ao que afirma Lester no livro “O futuro do capitalismo”: “em nenhum outro aspecto da vida, o horizonte de tempo do capitalismo é um problema mais agudo do que na área do ambiente global… O que poderia fazer uma sociedade capitalista sobre problemas ambientais de longo prazo, como o aquecimento global ou a redução da camada de ozônio?… Usando as normas de resolução do capitalismo, a resposta ao que deveria ser feito hoje para prevenir tais problemas é muito clara – não fazer nada. Por maiores que possam ser os efeitos negativos, daqui a cinquenta ou cem anos, o preço que se paga por provocá-los, no presente, é zero. Se o valor corrente das consequências negativas futuras é zero, então, segundo a lógica econômica vigente, nada deveria ser gasto hoje para prevenir que emerjam aqueles problemas distantes. Mas se os efeitos negativos forem muito grandes daqui a cinquenta ou cem anos, então será tarde demais para fazer qualquer coisa capaz de melhorar a situação, já que qualquer coisa a ser feita naquele tempo poderia somente melhorar a situação num futuro distante, de cinquenta ou cem anos. De modo que, se forem bons capitalistas, os que viverem no futuro também decidirão não fazer nada, não importa quão graves sejam seus problemas. Finalmente, chegará uma geração que não poderá sobreviver no ambiente alterado da Terra – mas a essa altura será muito tarde para fazerem qualquer coisa e prevenir sua própria extinção. Cada geração toma boas decisões capitalistas, embora o efeito em rede seja o suicídio social coletivo.”.

Imagem: Arquivo da internet.

 

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