A natureza não é coisa

Foto: Rubens Lopes

 

Por Elaine Tavares.

 

O povo do sul da ilha de Santa Catarina lutou bravamente para defender seu modo de vida, contra a proposta das mega-empresas de fazer da nossa casa um lugar de baladas e eventos gigantes. Perdemos a batalha, mas isso não significa que a luta esteja acabada. Por aqui pelas terras do sul, há décadas que as pessoas lutam, na tentativa de não deixar a comunidade sucumbir diante do jogo especulativo do capital, que tudo o que toca transforma em mercadoria. Temos bem diante dos olhos o triste exemplo do norte da ilha, onde a praia e a vegetação são apenas moldura para um estilo de turismo que não dá a menor importância para o ambiente.

O turismo milionário de lugares como Jurerê, Canasvieiras, Ingleses e até Balneário Camboriu, está pouco se lixando para o meio ambiente. As pessoas estão ali como poderiam estar em algum lugar em Paris, Nova Iorque, Istambul, São Paulo. O que vale ter é gente bonita, sarada, feita em mesa de cirurgia ou academia, muito champanhe e algum “estimulante” da hora. Em Florianópolis há um programa de televisão apresentado por um garoto chamado Leo Coelho que mostra muito bem isso. Ele só entrevista gente rica, destas que vem para a ilha em busca de lugares VIP como o costão do Santinho ou algum “lounge” no Jurerê. O que se ouve, nas entrevistas, é um festival de bobagem de gente que não tem compromisso algum com os lugares onde estão. Eles são os gafanhotos, aqueles que chegam e devastam. Pouco se lhes dá se o complexo do Santinho impede a comunidade de visitar a praia, não querem saber se regiões inteiras foram destruídas para que pudessem se recostar em voluptuosos sofás à beira de piscinas gigantes, tendo como fundo o mar. A imensidão azul é só cenário. Não desfrutam a praia, não se importam. Mergulham no vinho e no espumante. Esse é seu mundo. Querem o melhor salmão e não querem saber se para que ele chegue às suas mesas é necessário que um homem do mar tenha de enfrentar a fúria das ondas e toda a sorte de infortúnios causados pela poluição que empurra o peixe cada vez mais para longe.

As comunidades do sul da ilha não vêem a natureza como uma moldura bonita para suas vidas de plástico. Não. A natureza faz parte do modo de vida. A relação dos homens e mulheres com o mar, as dunas e a restinga, é de simbiose, harmonia, respeito. Cada nódoa no oceano, cada mancha na areia, cada árvore caída é vista com cuidado, investigada, tratada, porque boa parte das pessoas que vivem no sul sabe que suas vidas dependem da qualidade do ambiente. Não distinguem nem separam natureza x humanos. Tudo é uno. Daí que no Campeche, no Pântano, na Solidão, na Armação, e em outras comunidades do sul – e mesmo do norte – há gente que faz do lugar sua morada, seu espaço de vivência. A paisagem, então, não é coisa passageira, moldura de festa ou de lazer. A paisagem é permanente, parte da vida, é coisa viva, cheia de sacralidade. Para as pessoas que desde há décadas vem travando lutas pela qualidade vida no sul da ilha, esse papo de ecologia não é grife, nem moda, é coisa visceral, é a vida mesma, porque não há meio-ambiente, há ambiente inteiro com pessoas, bichos e plantas, tudo integrado.

E é porque as gentes pensam como pensam que estão em luta por um Plano Diretor que leve em conta esse jeito de encarar a vida. Querem comunidades planejadas, de casas baixas, vizinhos que se conhecem, com saneamento comunitário, água limpa, bichos circulando pelos caminhos, passarinhos cantando, água do mar clarinha, areia branca, ruas de pedra, procissão, barqueata, festa do divino, quermesse, banda de música passando pelas ruas, bicho de pé, bananeiras no quintal. Por que é tão difícil respeitar isso? Por que os serviçais dos milionários insistem em tentar ridicularizar esse modo de vida? Afinal, são estas pessoas que eles chamam de eco-chatos, odaras e que tais, que mantêm este espaço geográfico ainda capaz de se prestar ao turismo. Porque se as praias deixarem de existir tampouco poderá sobreviver a idéia de que aqui é um paraíso.

A natureza não é coisa, não é produto nem mercadoria. Ela está viva e atenta. Se destruírem as dunas, a vegetação, a restinga, o mar há de avançar, comendo as casas, os hotéis, os “lounges”, mesmo os mais finos, porque não há dinheiro que compre a fúria do oceano. “Tudo que se faz à terra, se faz também aos filhos da terra”, diz a longínqua e sábia fala indígena. O povo do sul quer viver em harmonia e vai lutar por isso, a despeito de todos os vilões da mídia, das mega-empresas e da municipalidade. Inclusive, a despeito dos vilões mais próximos, que vivem no mesmo espaço, mas que já foram tocados pela sedução do capitalismo.

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