A música como ferramenta de empoderamento socioambiental a partir de Leona Vingativa. Por Elissandro Santana.

Por Elissandro Santana, para Desacato.info.

Nos encontros de Educação Ambiental, doravante EA, com discentes do curso de Pedagogia da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes, instituição na qual atuo em Porto Seguro, cidade localizada no Extremo Sul da Bahia, nossas arenas discursivas ultrapassam o mero campo das discussões em uma perspectiva teórico-conceitual e entramos nos domínios da metodologia e da didática para a análise de recursos, ferramentas e mecanismos que possam enriquecer o processo de formação de professores/as em torno de uma educação socioambiental libertadora que ative sensibilidades e racionalidades de respeito à diferença e à diversidade, processos que fazem parte do meio ambiente e que deveriam aparecer na forma de pensar e de agir das comunidades humanas.

Os ecossistemas, biomas e natureza em geral possuem como pilar básico de existência e resistência a biodiversidade, pois é nisso que a vida se sustenta e, em minhas aulas de EA, busco elaborar discussões que permitam as quebras de paradigmas obsoletos que nos trouxeram ao quadro de destruição sócio-político-econômico-cultural-ambiental, evidenciando que outras lógicas de resistência são possíveis para a construção da sustentabilidade do existir.

Como ferramenta para o ensino-aprendizagem de questões socioambientais na escola brasileira, seja no nível da Educação Infantil, no Fundamental e no Ensino Médio, eu apresento sempre a música como elemento imprescindível para ensinar, aprender e revolucionar. Ao fazer isso, parto de duas noções, a de que a música faz parte da vida cotidiana de todos (arriscando-me a dizer que, talvez, esta seja a arte mais universal e cognitivo-sensível) e serve de entretenimento. Somente por estas duas razões, sem contar as demais que não foram mencionadas aqui, utilizar a música na EA já seria uma oportunidade incomensurável para fazer com que temas e pontos que são cruciais para a consciência e a sensibilização societária sobre o meio ambiente do qual somos parte e não algo alheio a ele se fixem nos imaginários coletivos.

Para a introdução da música como ferramenta de ensino e de aprendizagem na EA, começo os debates sempre apresentando cantores/as que seriam mais clássicos (clássicos no sentido de mais conhecidos/as historicamente pelas camadas mais escolarizadas da atualidade), oportunizando o acesso a saberes musicais que os meios de massa (em sua maioria) esqueceram, tendo em vista que artistas preocupados/as com as questões ambientais não interessam muito ao grande projeto de alienação político-empresarial-cultural atual, já que não vendem e podem servir para a formação crítica da sociedade, algo que as elites que dominam a política e manipulam a opinião pública não desejam de modo algum. Nesse contexto inicial, apresento artistas como Luiz Gonzaga (e seu Xote Ecológico), Chico Buarque (e seu Passaredo), Emicida (com Passarinhos), Guilherme Arantes (e seu Planeta Água), Dorival Caymmi (e seu Mar), Beto Guedes (e seu Sal da Terra), Tulipa Ruiz (e A ordem das árvores), Caetano Veloso (e Um Índio), Rael (e sua Aurora Boreal) e João Nogueira (e as Forças da natureza). Somente após apresentar artistas como estes e estas, direciono-me e nos direcionamos para musicalidades mais recentes e aí me deparo com aquela artista que, para mim, é a maior de todas no momento – Leona Vingativa, dona de uma linguagem que a maior parte dos atores e das atrizes sociais mais abandonados/as pelo poder público entende.

Ao apresentar Leona Vingativa para os/as pupilos/las, bacânticos/ bacânticas, com o objetivo de evitar estranhamentos e reacionarismos, haja vista que muitos/as de meus e de minhas discentes são evangélicos/as, inicialmente, discuto questões como paródia e importância crítica desse recurso para o enriquecimento da linguagem. Feita essa discussão de cunho linguístico-gramatical com certo cuidado sociocultural, discorro, de forma crítica, sobre quem é Leona e, principalmente, acerca das semióticas que se operam a partir desta artista. Ela e sua língua afiada musicalmente, que no início representava, por meio do deboche da paródia musical, apenas o empoderamento LGBT e feminino, agora, além dessas duas questões, que por si só, já seriam gigantes, dado a relevância que estes temas possuem em nossa sociedade heteronormativa machista hipócrita, recentemente, ela se tornou, pelo menos em minhas aulas, um modelo de ativista ambiental por meio da música, tanto que, nas produções mais recentes, trouxe letras como “Bem feito, você não tem respeito”, letra na qual critica a cultura relacional insustentável da sociedade com o lixo e as consequências disso e “Acaba com o lixão”, paródia musical interessante em que ela começa valorizando os garis (profissionais que desempenham um papel ambiental gigante, mesmo que sejam tão desprezados por tantos atores sociais desse sistema capitalista injusto) e explicitando quais os principais problemas no tocante ao descarte de resíduos em rios, riachos, na rua e em outros espaços.

No mais, a partir das duas letras acima, pelo menos para mim e para parte de meus/minhas companheiros/as de aprendizagem, Leona se consolidou não somente como uma artista da lacração e do empoderamento, dois elementos que a deixam ainda mais especial, pela importância destes temas para tantas minorias sociais que experimentam o fel dos preconceitos relacionados às questões de gênero, de sexualidade e étnicas, minorias estas que, ao longo da história, foram condenadas aos espaços das cidades com mais degradação nesse imenso Brasil, o que demonstra que nosso país está afundado em processos de racismo ambiental e gentrificação.

Sem dúvida, Leona, a partir de letras como as mencionadas, prova que é preciso lacrar e apontar o dedo para problemas que vão além das necessidades básicas das minorias. Com estas duas letras, diante do grau de alcance e da aproximação que ela tem do ponto de vista da linguagem com diversos segmentos sociais historicamente explorados, ela deveria atingir o posto de embaixatriz das questões socioambientais, se este existisse. Do mesmo modo, pode-se externar que Leona é mais do que uma cantora, pois, inconscientemente, talvez, à medida que amadurecia musical e artisticamente, aprendeu a nos ensinar que tudo o que fazemos com o meio ambiente, recebemos de volta. Com base na querida Vingativa, ensinei ao meu alunado, de forma implícita e explícita, que se nós não soubermos votar, e a história está aí para provar que não, e, desta forma, continuarmos elegendo políticos inimigos das florestas e de todo o meio ambiente, o troco da natureza será ainda maior. Ademais, de uma forma ou de outra, mostro em aula que a lacração pode ser ecológica e que esta é uma poderosa arma de Pachamama ou Gaia para o combate aos bandidos antagonistas da vida.

 

Elissandro Santana é professor, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

3 COMENTÁRIOS

  1. A música como ferramenta de construção de saberes aliadas ao conceito político-socio-ambiental é uma arma poderosíssima para o despertar da consciência e, consequentemente, à transformação do indivíduo!!. Como sempre, você foi muito feliz em suas colocações! Obrigada pelas contribuições textuais sempre ricas e verdadeiras!

  2. Sem dúvidas a música pode ser instrumento de reflexão e debates em sala de aula. Obrigado por torna nossas reuniões em EA mais prazerosas e interessantes, nos levando a um nível de aprendizagem e consciência mais eficaz em torno desse tema.

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