“A luta não vai terminar, independente de quem venha substituir o Temer”, analisam advogados trabalhistas

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#DiretasPorDireitos – Marcha dos 100 mil, Brasília, 24 de maio. Foto: Adi Spezia

 

Por Raul Fitipaldi e Caroline Dall’Agnol, para Desacato.info

Mais de 150 mil trabalhadores em Brasília na última quarta-feira. Violência sem precedente no distrito federal contra trabalhadores e trabalhadoras. Impasse do governo, Michel Temer fica ou saí? A maior crise política brasileira dos últimos 40 anos. Para debater sobre isso convidamos os advogados trabalhistas Prudente José Silveira Mello e André Moura Ferro para um bate-papo.

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Os advogados Prudente José Silveira Mello e André Moura Ferro. Foto: Rosangela Bion de Assis

 

“Eu vejo que o quadro político está mais complicado a partir do legislativo, mas ele se estende para os outros poderes” observa Mello

“A mídia, citando a Globo, por exemplo, não quer mais o Temer pois ele se encontra em uma situação de muito desgaste. Logo, ele não consegue fazer as reformas. Eles querem um governo que faça as reformas.” salienta Ferro.

Leia a entrevista na íntegra

D: Como termina essa luta?

A: A luta com certeza não vai terminar, independente de quem venha substituir o Temer agora. Nós temos as reformas que vêm para destruir os direitos, que são a Reforma Trabalhista e Previdenciária, derrotas recentes como a PEC do Teto e a Lei da Terceirização, são várias questões que estão colocadas para a população. Medidas de austeridades que já foram aprovadas, medidas de austeridades que podem vir a serem e que vão precisar de uma luta generalizada dos trabalhadores. É preciso de resistência para que essas medidas não sejam aplicadas.

D: Qual é o contexto que sustenta essas reformas, Previdenciária e Trabalhista?

P: Não é um contexto puramente racional, é um contexto colocado pelo neoliberalismo em nível mundial que vem levando essa desconstrução dos direitos dos trabalhadores. É a construção do ideário político de direita, ideário político conservador que está em quase todos os países, seja nos EUA, seja na Europa ou na América Latina.

“Não basta tão somente falar em uma renovação no poder do legislativo. A que estabelecer um novo pacto nacional, e esse novo pacto talvez implique, efetivamente, numa assembleia nacional constituinte”

D: É suficiente as Diretas Já com esse congresso que está aí?

P: Eu vejo que o quadro político está mais complicado a partir do legislativo, mas ele se estende para os outros poderes. O executivo, com toda essa confusão e, segundo a ministra Calmon (Eliana Calmon, ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça), poderia também atingir até o judiciário. Ou seja, não basta tão somente falar em uma renovação no poder do legislativo. A que estabelecer um novo pacto nacional, e esse novo pacto talvez implique, efetivamente, numa assembleia nacional constituinte que garanta ou reestabeleça esse processo de mandatos, uma recuperação da política e a renovação do próprio processo político-partidário com a reforma político-partidária, uma reforma tributária e outros tantos elementos. Não há legitimidade na pauta que está hoje no congresso. Essa pauta foi rejeitada em 2014. Então, essa pauta que está sendo colocada e que os congressistas que estão aí querem aprovar, que é a pauta do neoliberalismo, do capital, ela não foi aprovada nas urnas. As pesquisas estão sinalizando que não querem essas reformas. Segundo, as pessoas querem eleições diretas já, e não vem de agora, esse desejo vem desde o golpe de Dilma Rousseff e isso só ganhou mais força. O Temer não tem credibilidade nenhuma. Talvez se fizer uma pesquisa agora o resultado seja negativo, abaixo do percentual. Nós realmente estamos em uma situação que não basta apenas Diretas Já. Mas há necessidade de Eleições Diretas, porque as Indiretas impostas não garantem legitimidade política desse processo.

“No caso de uma constituinte ela pode ser uma palavra de ordem positiva em certos pontos mas, dependendo da conjuntura, pode ser extremamente reacionária. Então podemos correr o risco de ter uma reforma constituinte pra derrubar os direitos que hoje são considerados intocáveis: a pena de morte e tantos outros direitos civis.”

 

D: Há uma acumulação suficiente para que haja uma Assembleia Popular Constituinte ou ainda não?

A: Me preocupa bastante porque se vê, por parte da direita, dentro de grupos empresariais, um desejo pela normalidade constitucional. Eles querem uma saída menos desgastante. A mídia, citando a Globo, por exemplo, não quer mais o Temer pois ele se encontra em uma situação de muito desgaste. Logo, ele não consegue fazer as reformas. E eles querem um governo que faça as reformas. A própria Ordem do Advogados do Brasil, a OAB, aprovou o pedido de impeachment contra Michel Temer. Esse pedido tem a ideia de eleições indiretas para que o sucessor leve as reformas de austeridade até a aprovação. Então, quando a gente fala que ‘precisamos reestabelecer a democracia’ não podemos cair numa normalidade institucional de um governo que está atacando a classe trabalhadora. No caso de uma constituinte ela pode ser uma palavra de ordem positiva em certos pontos mas, dependendo da conjuntura, pode ser extremamente reacionária. Então podemos correr o risco de ter uma reforma constituinte pra derrubar os direitos que hoje são considerados intocáveis: a pena de morte e tantos outros direitos civis. Até o Estadão, que é um jornal reconhecido no setor financeiro da grande burguesia, defendeu, no último editorial, a constituinte. E pra que o Estadão vai querer uma constituinte? Para acabar com os direitos que eles consideram impossíveis e irresponsáveis que estavam e estão ainda na constituição. Isso é uma preocupação muito grande. Eu entendo que o dia 24 foi um dia de luta dos trabalhadores para derrubar essas reformas, derrubar os governos impopulares que querem destruir com os direitos e continuar na luta para reverter aquilo que já foi aprovado.

“Existe uma radicalidade, existe uma divisão, que inclusive, certa parte é de uma classe média que está empobrecendo e que não vê perspectivas. Parte dessas pessoas vira presa fácil para o internacionalismo”

D: Sobre as correlações de forças, essa polarização, quais são os lados que se apontam nesse cenário? 

A: A esquerda se divide também. Quando tivemos essa última greve geral de um dia, surgiram dificuldades pois foi uma greve geral numa sexta-feira antes do feriado, de certa forma impediu que as categorias, até por questões locais, que se quisessem continuar a greve por tempo indeterminado não conseguiriam porque elas teriam uma quebra muito grande de 3 dias.

D: Mas foi uma das maiores greves do país.

A: Sim, com certeza. Mas ela ainda não é o ponto em que os trabalhadores vão conseguir virar o jogo. Para barrar essas reformas é preciso de uma greve geral por tempo indeterminado, até que saia do congresso essas reformas. Aí viramos o jogo e a partir disso exigimos que aquilo que já perdemos, com o governo Temer, mas também com o governo Dilma e Lula, possamos reverter esses pontos também. Mas é claro, existe uma radicalidade, existe uma divisão, que inclusive, certa parte é de uma classe média que está empobrecendo e que não vê perspectivas. Parte dessas pessoas vira presa fácil para o ultranacionalismo, para causas mais reacionárias e isso não vemos só aqui no Brasil.

P: Não dá para falar em Diretas Já sem o povo na rua. Não dá para falar um processo de acumulação de força sem que, de novo, tivéssemos esse movimento amplo. Se resgatarmos isso nos anos 82, 83, nas Diretas Já, e que acabamos não tendo essas diretas, elas foram, dentro de um processo de acúmulo de forças de greve nos anos de 1977, do processo contra a luta da carestia. Então, todo esse processo político dos anos anteriores nos levou não a Diretas Já em 1983, mas nos levou a um congresso constituinte e uma constituição. E nós estávamos num processo crescente. Eu analiso que, esse cenário político que estamos vivendo pode refletir aquilo que outrora aconteceu.

“quando o povo acreditar nas suas próprias organizações na sua própria forma de se organizar pra barrar as políticas de austeridades anti-trabalhador de qualquer governo que seja, aí sim, o povo ganha.”

D: Nessa disputa entre direita, centro e esquerda, quando é que o povo ganha?

A: O povo ganha quando ele se auto-organiza e confia nas suas próprias organizações. É claro que nós não estamos em uma situação de conselhos populares, mas eu entendo que, quando o povo acreditar nas suas próprias organizações na sua própria forma de se organizar pra barrar as políticas de austeridades anti-trabalhador de qualquer governo que seja, aí sim, o povo ganha.

D: Diretas Já ou Constituinte Já? Duas pautas que não tem consenso na esquerda brasileira. Será que a esquerda, por não querer sofrer o que a Venezuela hoje passa, ainda não resolveu esse impasse?

P: penso se que seja mais profundo. O governo do PT fez reformas do ponto de vista social, introduziu questões sociais, pontos de discussão sobre LGBT, gênero, etnias, direito a implicação de programas fundamentais, porém, o que faltou, no meu modo de entender, é que todos esses direitos constituídos deveriam ter sido entronizados de tal forma que fossem reconhecidos e que fossem ferramenta de luta para se contrapor. Tanto que a destruição e desconstituição de tudo foi muito rápida com o golpe contra a Dilma. Então, se isso tudo tivesse entronizado, como Chávez conseguiu fazer na Venezuela, essa força e poder popular seria muito mais contraposto.

“Estamos vivendo um processo de estado de exceção porque, mesmo o poder judiciário não está exercendo sua plenitude a intervenção que seria necessária, julgando a partir de uma perspectiva efetivamente democrática e constitucional.”

D: O que falar da truculência da polícia nesses últimos dias?

P: Nós temos no Brasil uma criminalização dos movimentos sociais. Esse é o primeiro aspecto. Nessa criminalização, outro ponto a destacar é a criminalização de movimentos sociais à esquerda. Àqueles que tem compromisso com a transformação social, àqueles que tem compromisso com os direitos trabalhistas, direitos previdenciários, com os direitos das mulheres, com os direitos LGBT, com os direitos dos Sem Terra, dos Sem Teto, são criminalizados. Mas, aqueles que se colocam a favor dos interesses do status quo dominante e da mídia dominante, quando interessa ao poder, como no caso de depor Dilma, a mídia o fez, 24 horas no ar e, utilizando esse processo de manipulação das pessoas, levou-as pras ruas. Àqueles que os definem de “coxinhas” embarcaram nessa aventura em depor Dilma e a sua queda dela foi a destruição do processo democrático. Estamos chegando a um estado de exceção. Nós estamos dentro de uma ordem jurídica em que as liberdades passam a não ser reconhecidas. Em que jornalistas são atingidos por balas de borrachas, em pleno exercício da profissão. Estamos vivendo um processo de estado de exceção porque, mesmo o poder judiciário não está exercendo sua plenitude a intervenção que seria necessária, julgando a partir de uma perspectiva efetivamente democrática e constitucional.

“Quem incomoda, quem vai contra o capital, é atacado pela polícia e pelos órgãos repressores do estado. É um aparelho voltado para isso, observa Ferro.

 

D: Constrói uma república nova ou se remenda esta. O que se faz?

A: Eu, como marxista, entendo que uma saída para os trabalhadores é se construir com o próprio poder por meio de conselhos, algo que se entende como saída não só para os trabalhadores mas uma saída para a humanidade.

D: Essa saída não é muito bolchevique para nossa sociedade?

A: Não foi só na Rússia, nessas situações em que os trabalhadores tiverem que se construir. Claro que foi com muitas lutas e tentativas, muitas derrotas também, porém eu vejo que nesse sistema nós vamos continuar lutando por uma crise que não consegue se superar. Uma crise que não está se superando, que inclusive, em alguns países, há uma depressão da crise, como é o caso da Grécia que vive uma profunda depressão econômica que não se vislumbra uma saída.

“O problema é que nós estamos caminhando para uma sociedade que é aquela que alguns autores dizem, 20 por 80, 20% de incluídos e 80% de excluídos, que são considerados como dejetos.”

D: A direita tem medo do fantasma dos 100 anos da Revolução Russa?

P: A direita hoje, falando em termos mundiais, está dominada. Porque o poder econômico, os estados já não possuem mais esse poder, porque o poder está centrado nas mãos de 10 grandes empresas de 180 empresários no mundo que dominam 90% de toda a riqueza mundial. O problema é que nós estamos caminhando para uma sociedade que é aquela que alguns autores dizem, 20 por 80, 20% de incluídos e 80% de excluídos, que são considerados como dejetos. Essa grande população de excluídos não tem outra saída a não ser estabelecer um novo processo de luta. O problema é saber quanto tempo vai levar pra fazer, de fato, essa volta, a virada do parafuso.

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