A juventude para depois do carnaval

Por João Gabriel Almeida, de Bogotá, Colômbia, para Desacato.info

É muito mais fácil avaliar o passado desde o presente, porém, mesmo sendo uma tarefa menos árdua, é mais necessário que se calar.  Eu fiz parte do Movimento Passe Livre Florianópolis em 2005. Então com 13 anos de idade, era parte de uma geração de moleques que, muito mais do que pela problemática concreta, estávamos seduzidos por um clima novo, de gente unida, interessante, se propondo a sair das suas casas para fazer algo mais, cuja energia alimentava uns aos outros, que fazia uma geração já acostumada em se isolar em casa se sentir parte de algo.

Tive que experimentar algumas coisas muito cedo. Carregar companheiro ferido antes mesmo de virar desculpa pra postagem de FB, balas de borrachas, etc. Ganhamos em 2005, tive aquela sensação de super-herói junto com muitos outros. Como vários, aquilo era nossa experiência mais viva e mais importante do dia, pois a escola não era tão sedutora quanto as ruas. Em 2006, me mandaram para uma formação com o MST, conheci pessoas interessantes, mas desta vez de secundarista só tinha eu e mais um. Acampamos junto aos indígenas nas missões em homenagem ao Sepé Tiarajú. Pela primeira vez tive uma arma apontada contra mim que não era de borracha. Fui fundador, junto com outras centenas de pessoas, do Passe Livre Nacional, corri pelo campus da UNICAMP desesperado por um banheiro e parei no postinho para tomar soro porque supostamente o PCO envenenou nossa comida. Éramos a geração que ganhou duas vezes, a passagem baixou em 2004 e 2005 na cidade. Pensava, os que havíamos inventado a roda.

Além de nos tornar um pouco prepotentes, éramos anti partidários. Me considerava inclusive anarco. Os partidários eram uns caras velhos que quando apareciam falavam meia dúzia de coisas super chatas, que não dialogavam com a gente. Tinham uns de juventude, mas o único menos irritante era o Andrino. Depois que tomou uma sova da polícia como muitos de nós ganhou até alguma simpatia. Lembro que foi meu primeiro voto a vereador. Os mais viciados no movimento tinham um certo carinho pela Ângela Albino, pois víamos ela aparecer por ai. Mas em quem confiávamos mesmo era no Pomar, no Matheus de Castro, na Adriana, na Flora, no André Moura Ferro (apesar de ser um chato), o Léo Vinicius, o Césinha, o camarada D., uma galera um pouco mais velha que tava com a gente direto, que sentíamos que podíamos confiar. Muito do nosso anti partidarismo era de ver essa galera fora dos partidos. Muitos ali se meteriam em outras coisas se eles estivessem ai. O problema é que a polícia entendeu muito bem que que eles significavam pra gente. Já em 2005, tinham feito uma repressão especial neles. Em 2005, estávamos raivosos, depois do aumento não era mais uma questão pelo transporte, era não deixar o filho da puta que nos agrediu tanto ganhar. Chegou 2006. Estes líderes desapareceram, tinha uma expectativa de que nós levássemos as coisas adiantes. Nos borramos nas calças. Me lembro quando eu peguei um megafone pela primeira vez nestes atos. Gaguejei imensamente. Estávamos na rua como antigamente, mas não nos sentíamos preparados. Perdemos, não entendíamos porque e não havia ninguém pra tentar nos explicar. Sobrou uma galera, que já tinha um certo convívio com o álcool e alguns com as drogas. Sem saber o que fazer e sem saber como lidar nos afundamos nas drogas. Alguns de forma passageira, outros não saíram ou demoraram muito pra isso. Só sei que, no final das contas, destas pessoas eu e mais uma estão em atividades políticas, passaram por alguma organização. Uma virou ativista cultural. Os demais se perderam ou se tornaram um tanto apáticos sobre o tema. Por que falar sobre isto? 2013 mostrou que o lance das pessoas não irem pra rua é mentira. Tem muita gente querendo ir, agora com a crise política isto volta a estar evidente. Mas o que leva a gente pra rua é uma negação difusa, uma sensação abstrata de pertencimento, de algum sentido em um mundo cada vez mais sem sentido. O que faz essas pessoas continuarem no dia a dia da luta é uma narrativa política para além do carnaval, que supere a quarta-feira de cinzas que toda mobilização popular passa. Isto minha geração não teve e vi muita gente boa sumindo. É responsabilidade dos partidos, de direita ou de esquerda, minimamente responsáveis coordenar isso. Depois do fuzuê, ganhadores e perdedores estarão desorientados e é responsabilidade das lideranças sociais lutar para que este capital político não se perca.

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