A imagem tortuosa que Doria construiu de si próprio

Por Luis Nassif.

A construção de imagem de um político que aspire altos cargos é tarefa particularmente delicada. Trata-se da construção do seu caráter público, de um personagem permanentemente submetido a julgamentos por qualquer passo que dê. O resultado final é a soma dos episódios em que ele se envolve e que é acompanhada pelo público.

Ainda mais nesses tempos de redes sociais, selfies, velocidade de propagação da informação.

Em outros tempos, era trabalho mais fácil.

Fernando Collor era um político desconhecido do Brasil, quando saiu de Alagoas para disputar a presidência. E teve o auxílio da Globo na construção da imagem de caçador de marajás, em um período em que o país estava cansado da centralização em Brasília, no regime militar, e na esbórnia de distribuição de cargos públicos que caracterizou a partilha do butim pelos que ascenderam com Sarney. E que havia pouca informação circulando. A Folha foi o único jornal que trouxe algumas indicações sobre a personalidade de Collor.

Covas não tinha a physique du role, mas tinha os valores do caráter, aqueles mais facilmente captados pelo cidadão comum, como a lealdade, a firmeza, os grandes gestos (como no apoio à Martha contra Maluf), a coragem e a biografia, de quem resistiu contra a ditadura e teve papel central na Constituinte.

Queimou-se um pouco quando o gênio trapalhão de Jorge Serpa sugeriu a Roberto Marinho o “choque de capitalismo” que derrubou a candidatura Covas.

Tinha inúmeros defeitos, é claro. E, como em todos os casos, a atividade não pública muitas vezes se chocava com a imagem pública.

Covas tinha uma enorme implicância com marqueteiros, porque eles não trabalham a construção de imagens permanentes. Apenas respondiam aos movimentos do dia da opinião pública, muitas vezes sem guardar coerência dos atos entre si.

Faço essa introdução para analisar João Dória Junior.

Doria percebeu a necessidade do novo na política. E montou a construção da sua imagem em três factoides: a imagem de gestor; a imagem de trabalhador; e a de campeão do antilulismo. Ressuscitou a conversa do “gestor gerente”, que sempre funciona após períodos de cansaço com a política.

E passou a confiar em factoides para se safar de qualquer aperto.

O mais manjado é fazer um imenso barulho em torno de iniciativas irrelevantes, para compensar a falta de qualquer ação verdadeiramente transformadora na gestão pública.

Falta remédio na rede municipal; responde-se com uma doação empresarial sem nenhum peso, perto das carências apresentadas, mas que passa ao cidadão incauto a ideia de que o prefeito consegue que os empresários substituam os gastos públicos na gestão municipal.

Com a superficialidade dos que só entendem o marketing imediato, Doria conseguiu criar as bases de uma imagem pública das mais execráveis.

•   A agressividade e o impulso, incompatíveis com um homem público de nível. O episódio de jogar flores no chão, de taxar Dilma de anta e outras baixarias do gênero.

•   A imagem da crueldade. Tornou-se o prefeito que joga água gelada em sem-teto, no dia mais frio do ano; que proíbe crianças de repetir a merenda escolar; que monta uma praça de guerra contra dependentes químicos. Pode impressionar uma minoria doente da opinião pública. Mas não resiste à maioria.

•   O falso gestor. Cidade esburacada, suja, sem semáforos. E o prefeito viajando. Questionado explica que na era digital pode governar São Paulo à distância. Que ninguém lhe peça os relatórios de gestão que recebe para poder decidir, porque não existem. Doria sempre foi um comerciante bem-sucedido, que cresceu explorando o ego de CEOs. Nunca foi gestor.

•   O homem que decide. Os funcionários da prefeitura já se cansaram da equipe de Doria. Entram executivos do setor privado sem nenhum conhecimento das engrenagens do setor público,  julgando que a lentidão dos processos é mera questão de incompetência do gestor público. Frente à realidade, só dão cabeçadas, atropelam controles, procedimentos, sendo obrigados a voltar atrás.

•   A deslealdade. Esse é a característica fatal, quando pega no homem público. Em Doria, o deslumbrado devorou o esperto. A maneira como está tratando seu padrinho, Geraldo Alckmin, é mais fulminante que as próprias falhas de gestão. Trai, se deslumbra com a possibilidade de ser candidato, é taxado de desleal, aí força uma filmagem conjunta, empurrando goela abaixo de um Alckmin contrafeito uma filmagem, para aparentar boas relações. É impressionante a falta de desconfiômetro.

•  O deslumbramento. A maneira como se mete em reuniões internacionais tirando selfies e videos com pessoas ilustres é digna de qualquer mocinha do interior.

Em suma, se subiu, ninguém sabe, ninguém. Mas está preparando uma queda retumbante. Conseguiu, em pouco tempo, construir uma das imagens mais execráveis da vida pública nacional.

Fonte: Jornal GGN

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