A ilha de cada um

Padura ilha

O escritor Leonardo Padura, autor da obra-prima O homem que amava os cachorros, diz que jamais abandonará a ilha de Cuba. Apesar da escassez econômica e do cerceamento às liberdades individuais, Leonardo esclarece o porquê de não se exilar: “Um escritor é fundamentalmente sua memória e sua cultura. Eu sou um autor cubano”.

Por Fernanda Pompeu.*     

Concordo com Padura. Memória pessoal e social é água de nadar.  Seja água de aquário, rio, oceano, poça. As trilhas do passado – mesmo disfarçadas em atalhos do presente – são as lanternas nas mãos dos escritores.

A poeta negra Clara dos Anjos – moradora do Pelourinho, a Veneza seca de Salvador, declara: Moro na mesma casa por toda vida, aqui nasceram minha mãe e meus filhos. Presenciei vários Pelourinhos, pujante, decadente, comercial. Recebi boas propostas de vendar a casa. Mas não saio não. Minha escrita são essas ladeiras.

Também a escriba desta crônica nunca deixou o Rio de Janeiro. Apesar de viver em Sampa o dobro dos anos em que viveu na cidade natal. Apesar de amar a Pauliceia com fervor, não esqueço o canto das cigarras nos fins de tarde tijucanos. Até hoje, quanto aterrisso no aeroporto Santos Dumont, o cheiro da maresia destampa o frasco das minhas emoções primitivas.

O mineiríssimo Paulo Mendes Campos, carioca por adoção, poetizou a sua ilha, ao escrever: Voltar para Minas, ah, isso eu não volto mais não! Mas tem um trem: sair de Minas, ah, isso eu não saio nunca não!  Outro mineiro, o Drummond, pregou suas raízes na parede do apê em Copacabana: Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Para muitos, a ilha é além do lugar físico. A quem não tenha saudade especial do lugar em que nasceu, ou de onde foi criado. Gente que cria memórias no desterro.

O excelente cronista, Ivan Lessa deixou o Rio de Janeiro em 1978. Viveu em Londres até a morte em 2012. Depois da partida, nunca mais voltou ao Rio. Nem a passeio, nem para o velório do meu pai. Mas o londrino Ivan escreveu reiteradas vezes sobre o Brasil, chamado por ele de o Bananão. Paulo Francis, jornalista polêmico e muitos vezes genial, também deu uma banana para o país e se mandou para Nova York. De lá escreveu a coluna Diário da Corte para a Folha de S.Paulo. Culto e internacional, se interessou por muitas coisas. Mas, por suposto, foi a ilha Brasil seu prato principal.

Foto: Régine Ferrandis da pintura mural de Tereza Meirelles.

 Fonte: Geledés

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