A guerra semiótica calça chuteiras para a Copa 2018

Por Wilson Roberto Vieira Ferreira.

Para quem ainda duvida e acha que guerra híbrida e bombas semióticas não passam de “teoria da conspiração”, uma simples comparação entre as peças publicitárias que promoviam a Copa de 2014 e a desse ano, na Rússia, põe fim a qualquer dúvida: enquanto a Copa no Brasil foi dominada por criações publicitárias para lá de polissêmicas (ambiguidade entre festa e agressividade, alegria e raiva, em consonância com a pesada atmosfera das manifestações do “Não Vai Ter Copa!” + Lava Jato), nesse ano a publicidade é bem diferente: uníssona e assertiva – a Nação deve ficar unida, esquecer as diferenças e torcer pela Seleção. Em 2018 a Guerra Semiótica veste as chuteiras cumprindo duas funções: a primeira política, pacificar as ruas com a ideia de união e nação; e no campo ideológico, enfiar goela abaixo da choldra as preleções de Tite, misto de “coaching” e pastor motivacional. Para nos fazer acreditar que desemprego não é crise. É oportunidade para virarmos todos empreendedores. Mas, e se algo sair fora do script? Então teremos um “Plano B” cujos balões de ensaio já estão sendo lançados.

Visto em perspectiva, a intervenção norte-americana no Brasil por meio da estratégia de guerra híbrida (guerra semiótica implementada pelo complexo jurídico-policial-midiático com apoio logístico e de inteligência dos EUA) teve dois propósitos bem definidos: primeiro, o golpe político – o impeachment, nova modalidade de golpe sem mais traumáticas imagens de tanques de guerra cercando o Congresso ou um presidente com quepe estrelado discursando para a TV, e a inviabilização de um candidato de esquerda por meio da pesada artilharia do chamado “lawfare”.

E segundo, a conquista dos corações e mentes: fazer a choldra, que olha para tudo até agora bestializada, acreditar na ideologia do mérito-empreendedorismo da nova ordem neoliberal imposta ao País – diante da perda das garantias trabalhistas e sociais e por meio de pitacos ideológico-motivacionais, incutir nas massas a fé de que, daqui em diante, é cada um por si pelo próprio mérito e esforço empreendedor. E o salto de fé de que, um dia, a força de trabalho magicamente se converterá em capital.

Da mesma forma como na Copa do Mundo de futebol de 1970 (em pleno início do golpe militar e dos anos de chumbo de perseguições e tortura), na qual a ordem militar calçou as chuteiras dos “90 milhões em ação, prá frente Brasil!”, também o atual golpe político que promove a guerra semiótica também calça suas chuteiras.

Neste momento, a palavra de ordem é mostrar uma nação unida, brasileiros “com muito orgulho e com muito amor”, entusiasmo, felicidade e inspiração. E muitos pitacos motivacionais do técnico Tite em vídeos publicitários do banco Itaú.

Para aqueles que ainda duvidam sobre estarmos em plena guerra semiótica ou de que o País continua alvo de uma guerra híbrida cuja logística poderá colocar em xeque as eleições desse ano (se as coisas nãos seguirem o script previsto pela banca), uma prova é fazer um comparativo das campanhas publicitárias de duas copas do mundo de futebol: a de 2014 e a desse ano.

Lá em 2014 vivíamos o auge de uma pesada guerra semiótica que pretendia desestabilizar o governo Dilma Rousseff (o clima do “não vai ter Copa” + Lava Jato).

E agora em 2018, a luta midiática pela estabilização da Nova Ordem – Lula preso, a inviabilização de um candidato de esquerda (só esperam a definição do candidato para a artilharia lawfare ser acionada) e a catequização diária dos valores do mérito-empreendedorismo para a massa de desempregados e aqueles inseguros com o emprego que ainda possuem.

Em 2014, as campanhas publicitárias eram polissêmicas, ambíguas, explorando um duplo sentido: entre o tradicional ufanismo da pátria de chuteiras e a incitação das mobilizações de rua do “Não Vai Ter Copa!” e contra o governo federal.

Bem diferente, hoje vemos um clima publicitário semioticamente unívoco, assertivo, com um único sentido: a necessidade da Nação ficar unida, esquecer as diferenças e torcer pela Seleção. Um incômodo déjà vu que lembra as amargas atmosferas do anos de chumbo das copas de 1970, 1974 e 1978 – cuja Seleção chegou até a contar como um técnico militar, Cláudio Coutinho, capitão que se graduou na Escola de Educação Física do Exército.

Não foi por acaso que, assim como o juiz Sérgio Moro (arma do lawfare da atual guerra híbrida), Coutinho fez cursos nos EUA.  A diferença é que foi na área de preparação física com Kenneth Cooper (idealizador do famoso método de avaliação física), chegando a frequentar o Laboratório de Estresse Humano da NASA – afinal, o futebol fez parte do aparato ideológico dos governos militares.

A campanha polissêmica da Copa de 2014

Olhando em conjunto anúncios e vídeos publicitários é nítida a intenção polissêmica das criações que antecederam a Copa do Mundo no Brasil: um misto de festa e agressividade, alegria e raiva. E torcidas que ora parecem as tradicionais torcidas organizadas de futebol, ora manifestantes que saem às ruas para protestar.

E tudo é reforçado com alusões aos icônicos “cara pintadas” das manifestações (cores verde e amarelo pintadas no rosto) pelo impeachment de Collor em 1992.

Punhos fechados, gritos com dentes acirrados, gente gritando com fisionomias ambíguas entre alegria e raiva e massas de torcedores que ocupam ruas com mais punhos fechados, gritos e bandeiras. Praticamente, as peças publicitárias eram extensões das imagens dos telejornais de manifestantes nas ruas gritando “não vai ter Copa” e exigindo “padrão Fifa” para educação e saúde.

Em outras palavras: vendo em perspectiva a semiótica publicitária daquele momento, tudo parecia a prévia dos ícones que iriam tomar conta da midiosfera dos anos subsequentes: batedores de panela com camisetas da CBF, esgarçando os dentes e fechando os punhos.

Itaú e Boticário vão à luta

Duas campanhas foram emblemáticas: a do Itaú e do Boticário. A do representante da banca financeira (interessada em criar a cortina de fumaça do discurso anticorrupção para esconder o fator dos juros altos na atual crise) criou o “Hino da Copa do Mundo” composto e dirigido por Jair Oliveira e Simoninha e cantado por Paulo Miklos e Fernanda Takai. Um vídeo-clip que agora se repete em 2018, porém com outra edição bem sintomática.

Lá na versão de 2014, o foco são torcedores saindo de casa e tomando as ruas. Muitos jovens correndo pelas ruas num conjunto de cenas com claras alusões às imagens dos protestos que tomavam conta dos telejornais naquele momento. Com direito a um skatista com gestalt de black bloc. Mais punhos fechados e gritos. Há uma ambiguidade clara entre festa e torcida se contrapondo à tensão e protesto reforçado pelos signos dos gritos, rostos franzidos e punhos fechados para o alto.

Na atual versão do vídeo-clip Itaú do “Hino da Copa do Mundo” tudo mudou:  vemos os músicos no estúdio numa metalinguagem da gravação da música. A atmosfera é de calma, leveza, concentração e união dos músicos. Com letterings se sobrepondo as imagens nos quais se ressalta a “união”, “coração”, “todos juntos”, “alma verde-amarela” etc.

Veja os dois vídeos abaixo e compare:

Quando as imagens dos torcedores aparecem não há mais ruas tomadas pelas massas.  Na verdade, elas estão agora ocupando campos, áreas arborizadas, montanhas, rios e natureza. Os closes são agora em bandeiras. Não há mais os planos abertos do alto mostrando massas humanas de torcedores/manifestantes ocupando as ruas.

Em 2014, o Boticário também foi à luta com a “Coleção Torcida Linda”. Mais gente nas ruas, dessa vez mulheres lindas e perfumadas. Tendo ao fundo mais torcedores/manifestantes com punhos fechados e erguidos no ar. O ar é de leveza, mas a modelo leva as mãos em concha para a boca, como se preparasse para gritar/manifestar.

A preleção de Tite para os desempregados

No ano de 2014 víamos nas peças publicitárias torcedores ocupando muito mais as ruas do que estádios. Agora em 2018 temos o inverso: torcida no estádio e muitos closes em bandeiras e rostos não mais tensos e com dentes acirrados. Agora todos com olhos bem abertos e sorrisos.

No vídeo do Itaú, agora as ruas estão vazias. A torcida foi para o estádio. Os rostos agora estão limpos. Sem mais a maquiagem dos cara pintadas que dominava as campanhas de 2014.

Mas se as ruas foram pacificadas, agora precisa-se conquistar os corações e mentes com o ideário mérito-empreendedor. Nada melhor do que um misto de personal coaching  e pastor motivacional: o técnico da seleção Tite.

Ele fala de “resgate de valores” com “determinação e trabalho duro”. Depois que os corruptos foram presos (aqueles que querem ganhar dinheiro no mole, sem mérito, trabalho e determinação), instaurou-se a Nova Ordem: a da Meritocracia, com uma preleção de Tite para todos os brasileiros. Ele fala que “tudo que é passado é História”, superar o medo, termos coragem para “lutar, retomar e recuperar”… mesmos com os juros escorchantes da banca representada pelo Itaú.

Portanto, a guerra semiótica calçou a chuteira nessa Copa ao assumir uma dupla função: no campo político, pacificar as ruas com a ideia de união e nação; e no campo ideológico, enfiar à fórceps em corações e mentes a preleção de Tite. Para nos fazer acreditar que desemprego não é crise. É oportunidade para virarmos todos empreendedores.

Mas, e se o script sair do controle? E se as ruas, agora vazias, forem ocupadas novamente e a “grande esperança branca” não for um candidato forte que potencialmente vença um candidato à esquerda?

Bom, então teremos o Plano B, o grande álibi para um golpe dentro do próprio golpe: um Estado de exceção para combater o suposto novo inimigo interno pós-prisão de Lula – o crime organizado, aquela “facção criminosa” que a grande mídia não ousa dizer o nome: o PCC.

Sinais ou “balões de ensaio” já começam a despontar: a estranha enquete do tucano telejornal “Jornal da Cultura”, prontamente apagado do Tweeter após reações negativas contra o post:

E a escalada de notícias nos telejornais sobre execuções de policiais por criminosos tanto no Rio quanto em São Paulo.

Um golpe tão milimetricamente planejado que, até aqui, não sofreu nenhum tipo de revés. Sabe que diante das ruas vazias e do auxílio luxuoso da grande mídia há uma grande margem de manobra para a criação de álibis, pretextos e crises que justifiquem uma nova virada de mesa.

A esquerda precisa urgentemente de um Goebbels!

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