A galeria dos medíocres

 Por Fernando Evangelista.

No penúltimo bloco do debate, sem expectativa de surpresas ou novas polêmicas, o candidato de gel no cabelo, postura ereta e voz grossa, sentenciou: “o mal desta cidade reside na má qualidade da merenda escolar”.

A afirmação, originalíssima, não mereceu mais do que alguns cochichos da plateia. Nem o mediador, nem os outros candidatos a prefeito, deram sequência ao raciocínio. Embora isso tenha acontecido há muitos anos, não me esqueci do comentário nem do debate – só não me lembro do nome do candidato.

Eu acabara de voltar de uma temporada em Cuba e tinha ouvido, pelo rádio, Fidel Castro profetizar: “Os homens passam, os povos ficam; os homens passam, as ideias ficam”. Não sei se a frase foi apropriada porque Fidel, naquela época e desde sempre, dava toda a pinta de que ficaria eternamente no poder, mesmo com suas ideias ficando cada vez mais fora de moda.

De qualquer modo, Fidel tem razão. As ideias ficam e ficam também os problemas, quando as ideias não são das melhores. Esta parece ser a raiz das nossas aporrinhações cotidianas: a ausência de boas ideias. No fundo, e cada vez mais, o grande mal da cidade e do país é a mediocridade.

Basta erguer os olhos para ver: os medíocres tomaram conta não só da política, mas de todas as áreas, sem exceção. Se você procurar com atenção, vai descobrir um medíocre ao seu lado, bem pertinho – pode apostar.

Medíocre é o mediano, é aquele que não é bom nem mau, nem grande nem pequeno, nem grego nem troiano. O mediano, quando chega a algum lugar, ninguém percebe e, quando sai, ninguém se importa.

O mediano não fede nem cheira, é o famoso “sem sal”. Por isso, causa impressão quando aparecem pessoas ou grupos capazes de se desvencilhar da média e fazer coisas inéditas e espetaculares. A campanha do Figueirense, único time de Santa Catarina na Série A do campeonato brasileiro, é um exemplo.

Assim como o anfíbio Michael Phepls e o tricampeão olímpico José Roberto Guimarães, o Figueirense produz números nunca antes computados. Até sábado passado, quando ganhou do Sport por um a zero, o time acumulava 14 rodadas sem vitória. Como diz a minha centenária avó, “14 rodadas não são 14 dias”. O Figueirense, também conhecido como “Furacão do Estreito”, não vencia desde 19 de maio.

Mais do que isso: colecionava sete derrotas consecutivas. Derrotas exemplares, diga-se, porque passou cinco jogos sem fazer um único gol. Não é qualquer time que consegue jogar 450 minutos sem balançar a rede do adversário. É preciso muito esforço.

Se o mundo fosse justo e o esporte correto, o time mereceria um galardão, porque está fazendo história. Nunca, antes, na Era dos pontos corridos um time havia conseguido ir tão mal. Li em algum lugar que “diante de tão desastrosa fase, se o Figueirense fosse um circo, até os anões cresceriam”.

Além de frases, o Furacão suscita bate-bocas, análises, mandingas, piadas e todo o tipo de paixão. Ora, não é isso o melhor do esporte? Não é isso que nos fascina? O Figueirense cansou de ser mediano, de ficar confortavelmente no meio da tabela, sem ser notado. Merece o nosso mais efusivo elogio.

Será uma tremenda injustiça, portanto, se o Furacão for rebaixado para a Série B. Quem deveria ser rebaixado são os times do meio da tabela. Estes não dão ibope, não causam emoção, não dão espetáculo.

Num intervalo de um jogo em que o Figueirense perdia pela enésima vez, um torcedor alvinegro disse a uma rádio local que o péssimo desempenho da equipe teria origem na alimentação dos jogadores. Todos fizerem ouvidos moucos e a bola continuou murcha. Porém, veja você, talvez a chave do mistério esteja mesmo na papinha dos atletas.

O povo pode não saber votar, mas sabe o que diz. Não afirmo, não desminto, mas suspeito que a comida dos jogadores do Figueira seja a mesma das merendas das creches municipais, assunto levantado há alguns anos por um visionário candidato a prefeito e olimpicamente ignorado pela mídia.

Algum mal-humorado poderá argumentar que esta crônica, escrita por um torcedor do Avaí, rival do Figueirense, é imprecisa e desprovida de lógica ao juntar políticos, merendas escolares e partidas de futebol – que aparentemente nada tem em comum.

Mas tem. Os políticos, as merendas e as partida de futebol existem por causa das promessas. O político promete o paraíso, a merenda promete saúde e o futebol promete fortes emoções. O único que não promete nada é o Figueirense. Nem precisa. Já fez história, saindo da galeria dos medianos. Parece pouco, mas não é.

Fernando Evangelista é jornalista, diretor da Doc Dois Filmes. Mantém a coluna Revoltas Cotidianas, publicada toda terça-feira.

Foto: Carlos Amorim.

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