A falência da Oi e a entrega do patrimônio público

A portas fechadas, governo Temer e Anatel entregarão R$ 11 bilhões de recursos públicos de multas para a concessionária “investir” em sua própria rede.

Por Marina Pita.*

Em meio ao turbulento cenário político, com direito a eleições municipais, é arranjada, a portas fechadas, a solução para não deixar a Oi, maior concessionária de telecomunicações do País, fechar as portas e deixar mudos 50% dos municípios do Brasil que dependem exclusivamente de sua infraestrutura. A gravidade da situação pode levar à entrega de bilhões de reais em bens e recursos públicos para salvar não apenas o serviço, mas gerar mais uma onda de acúmulo de capital no País. Quem sairá perdendo, ao contrário do que dizem, é o cidadão.

“Não podemos deixar o sistema parar. A malha da Oi é crucial para outras operadoras. Muitas podem não falar entre si se houver problemas com a Oi”, afirmou recentemente Isaac Averbuch, assessor do conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) Igor de Freitas.

A declaração, feita durante um evento do setor, publicada no site Convergência Digital, é um indício de como o piloto automático pode ser acionado sem que o interesse de longo prazo dos usuários seja considerado na prestação do serviço.

Isso porque o plano de recuperação judicial da Oi – recorde no País, de R$ 65,4 bilhões – inclui o pedido à Anatel da conversão da dívida da empresa, que chega a R$ 11 bilhões de multas, em investimentos na sua própria rede. Tais multas são resultado, em grande parte, do não cumprimento das obrigações da Oi enquanto concessionária de telefonia fixa.

Mas, por este não cumprimento, a Oi, em vez de ressarcir o Tesouro, vai usar os recursos para melhorar seu patrimônio privado. Ou seja, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), Anatel e governo federal autorizarão a entrega de recursos públicos à construção de ativos privados.

A ideia já recebeu acenos mais ou menos explícitos do comando da vez. O secretário de Telecomunicações do novo Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), André Borges, já declarou que conta com esses recursos para a ampliação das redes de banda larga no País.

Ex-diretor da NET e da Oi, com atuação na área regulatória das companhias, Borges não chega a engasgar com a proposta. Ignora a necessidade, para o País, de uma infraestrutura de banda larga gerida para atender às necessidades da população hoje excluída digitalmente. Caberá ao mercado, uma vez mais, decidir como e onde investir os recursos públicos

Ideia antiga

Nas telecomuncaçiões, a proposta de entregar recursos e bens públicos à iniciativa privada é algo antigo. Ainda no governo Dilma Rousseff, o então ministro das Telecomunicações, Paulo Bernardo, chegou a ventilar a ideia de, em vez de garantir o retorno das redes de telecomunicação à União ao final dos contratos de concessão da telefonia fixa, o caminho seria entregá-las à iniciativa privada, como incentivo ao setor.

Organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor precisaram ameaçar o governo com uma ação civil pública para que Bernardo congelasse seus planos. O ministro percebeu a ilegalidade da medida e a derrota que viria na Justiça.

No final de 2015, o Tribunal de Contas da União (TCU), entendendo que os bens reversíveis são patrimônio público, que não podem ser simplesmente entregues ao setor privado, obrigou a Anatel a apurar o valor obtido por cada concessionária em todas as alienações desses bens realizadas desde 1998.

Em março deste ano, a Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor obteve uma nova vitória neste sentido. O Poder Judiciário rejeitou os pedidos da Anatel para anular sentença que protegia os bens reversíveis vinculados aos contratos de concessão da telefonia fixa.

Onde andava a Anatel?

Neste momento de “recuperação judicial” da Oi, cabe nos perguntarmos: onde estava a Anatel este tempo todo, incapaz de observar ou de agir diante dos rumos e riscos que se desenhavam para a “supertele”? Por um lado os dividendos dos acionistas foram garantidos. Por outro, vigorou a ineficiência do serviço, essencial, em pelo menos 3 mil municípios.

“Um acompanhamento mais próximo da agência poderia ter ajudado em medidas que pudessem ter mitigado o problema. É importante trazer esse tema aos debates, independente da revisão do modelo [de telecomunicações]. É preciso trazer para o âmbito da agência um acompanhamento maior das empresas, focado na prestação de serviços ao consumidor e equilíbrio econômico”, afirmou o secretário de Fiscalização de Logística e Infraestrutura de Telecomunicações do TCU, Marcelo Barros da Cunha.

“A Anatel não teve controle adequado de quanto foi o ganho das concessionárias quando o serviço era atrativo, da mesma forma que não houve controle da alienação dos bens reversíveis, que deveriam ter sido revertido para o serviço”, criticou Cunha, para quem a Anatel também deveria ter fiscalizado se houve subsídio entre os serviços de telefonia fixa e móvel prestados simultaneamente pela Oi.

“Dizer que hoje o serviço [de STFC] é inviável é óbvio, e havia esse risco. Mas há um passado que não permite afirmar com certeza se na ausência de atuação da Anatel não há responsabilidade”, completou.

Outros caminhos

Salvar a Oi e entregar ainda mais recursos públicos a seus acionistas – que já se mostraram incapazes de administrar adequadamente a empresa – ou permitir que a Anatel defina o futuro da concessionária não são, ao contrário do que querem nos fazer crer, as únicas alternativas para este imbróglio.

O governo Temer poderia, por exemplo, decretar uma intervenção na empresa, com pedido de afastamento imediato dos controladores da concessionária. Seria uma maneira de assegurar os interesses dos acionistas minoritários, de uma parte dos credores (em especial a União), da própria empresa e seus trabalhadores, mas, principalmente, dos usuários dos serviços de telecomunicações.

Em junho de 2016, o então presidente da Telebras, o engenheiro Jorge Bittar, em agenda no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, chegou a aventar a possibilidade de incorporação dos bens da Oi pela estatal, de forma a garantir a continuidade do serviço.

Mas o fato é que, tanto a agência reguladora quanto o Executivo não estão interessados em se debruçar sobre as possibilidades que melhor atendem aos interesses dos brasileiros no longo prazo. Sem apresentar estudos e em reuniões a portas fechadas com os administradores da Oi, os rumos da infraestrutura essencial para o futuro do Oaís vão sendo definidos. Se a população demorar mais para reagir, pode não sobrar nada.

*Marina Pita é jornalista e integrante do Conselho Diretor do Coletivo Intervozes.

Fonte: Carta Capital

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