A explicitação ideológica das classes médias

PECPor Glauco C. Marques, para Desacato.info.

As manifestações ocorridas no Brasil revelaram um fenômeno já registrado em diversos países da América Latina: a explicitação ideológica das chamadas classes médias. Isto pode ser verificado no horror demonstrado por parcelas significativas de alguns desses setores, principalmente aqueles constituídos por pequenos e médios proprietários ou empregados de salário mais elevado das áreas pública ou privada, ao constatarem que pessoas por eles consideradas de “baixo nível” passam a frequentar aeroportos, fazer turismo e adquirir bens de consumo duráveis. Quando observam que empregadas domésticas passam a ter o status de trabalhadores na formalidade, rompendo a condição de cidadãos de segunda classe na qual seus patrões consideravam que lhes prestavam um favor ao pagar seus serviços, dar refeição ou lugar para dormir. Quando, ao mesmo tempo que exigem uma série de benefícios como isenção de impostos, financiamentos etc… tratam como um atentado aos seus “direitos”, a concessão de algum pequeno benefício a quem está na linha da pobreza. Quando se deparam nas universidades com negros e pessoas empobrecidas, e consideram isso um ataque a seus direitos de jovens bem nascidos, que frequentaram caros colégios particulares e cursos pré-vestibulares, além de terem participado de intercâmbios internacionais. Quando a carreira médica, profissão sonho de consumo da classe média, passa a ser relacionada diretamente com o atendimento público, para obtenção da graduação.

Alguns chegam ao paroxismo de expressar que o país vive uma ditadura socialista que visa implantar o comunismo, e passam a pedir a volta de uma ditadura, ou seja da censura, torturas e assassinatos. A obtusidade destes setores é tal, que não lhes permite compreender que o PT e seus aliados implementam via administração federal algumas medidas destinadas a incluir no mercado de consumo parcelas da população tradicionalmente dele excluídas. As políticas compensatórias do PT nada mais são que medidas capitalistas, essencialmente capitalistas. Nada tem de socialista o programa do PT, sendo notório que o capital financeiro, indústrias e agro negócio nunca tiveram tantos ganhos como nos últimos anos.

Estas camadas médias da população passam a clamar por pena de morte e contra a corrupção, sem terem consciência que criminalidade e corrupção são elementos constitutivos do processo de acumulação de capital. É aí que setores da burguesia buscam se apropriar dos movimentos que eclodiram no dia 20 de junho de 2013, atuando para que assumam caráter de movimento conectado aos anseios conservadores dessas classes médias. Para atingir este objetivo, utilizam seus meios de comunicação da mídia corporativa, dirigindo-se diretamente ás massas, desconsiderando organizações e movimentos organizados, como é prática da direita em todo mundo.

É por isso que tentam minimizar as manifestações ocorridas no dia 11 de julho de 2013, exatamente porque elas foram realizadas por movimentos sociais com pautas definidas, as quais confrontam os interesses do capital. As pautas do movimento dos “coxinhas” revestem-se mais de questionamentos morais quanto a corrupção, estimulando a que todo mundo reivindique tudo, de forma que as manifestações se transformem em verdadeiras catarses, em desabafos que desaguem em repúdio ao atual governo.

Esta forma de agir se adequa a política estadunidense que objetiva remover do poder governos com os quais tenham divergências, ou que não tenham um alinhamento automático com suas políticas. Isto pode passar por um golpe de estado ou por um processo semelhante ao que foi efetuado no Paraguai para cassar Lugo via parlamento. Por enquanto, o caminho adotado parece ser o de desgastar o atual governo, visando as eleições ano que vem. No entanto, também já se expressam com desenvoltura grupos que propõe para este ano, uma “operação sete de setembro – o maior protesto da história do Brasil”, ou ainda, explícitamente, um golpe militar em 2014.

A novidade é que as ruas passaram a ser disputadas não só pelos movimentos sociais, pela esquerda mas também pela direita, estimulada pelos monopó?ios da mídia como a rede Globo. Neste quadro, o governo petista tem se esforçado para não se caracterizar como esquerda e se demonstrar confiável inclusive para os setores ruralistas com quem estabelece alianças, ao mesmo tempo que trata com arrogância os movimentos sociais. Resta saber se isto dará conta dos apoios e votos que almeja para as próximas eleições presidenciais.

Foto: Fabio Motta/AE

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