A era dos psicopatas bem-sucedidos

Eles compartilham o prazer em infligir o sofrimento ao outro. Violam direitos humanos e instauram o conflito permanente. Alguns são punidos por seus crimes. Outros, mais ardilosos, infiltram-se na política, na religião e nas corporações

Reprodução Outras Palavras

Por Ricardo Woisky.

A partir da leitura do texto Necropolítica, do filósofo Achille Mbembe, a curiosidade me estimulou a formular algumas perguntas: quem são os necropolíticos? Quem pratica o necropoder? É possível esboçar algumas características psíquicas dessas pessoas?

Segundo Mbembe, soberania (no contexto do Necropoder) é a capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é descartável e quem não é. Uma forma de soberania que não é a autonomia dos povos, mas a possibilidade de destruição destes. Em última instância, soberania é o direito de matar e que na guerra isso fica explícito; e a política (Necropolítica) como expressão dessa soberania do estado de exceção.

As colônias, por exemplo, são regiões em que os controles e garantias jurídicos podem ser suspensos, a zona em que a violência do estado de exceção supostamente opera a serviço da civilização. “Nesses locais, a escravidão se configurou como uma experimentação biopolítica, ou seja, a perda do lar, perda do corpo, perda do status político.” O mesmo aconteceu com as populações autóctones que eram consideradas selvagens e uma vida selvagem seria uma outra forma de vida animal, portanto sem soberania. “Há um contexto de total ilegalidade onde as ideias, os limites entre resistência, suicídio, sacrifício, redenção, martírio e liberdade desaparecem. Há somente um aglomerado de mortos-vivos.”

No ensaio, o autor, faz menção ao Estado nazista como aquele que abriu caminho para uma tremenda consolidação do direito de matar, que culminou no projeto da solução final (extermínio de milhões de pessoas). Ao fazê-lo, tornou-se “o arquétipo de uma formação de poder que combinava as características de Estado racista, Estado assassino e Estado suicida”.

Na obra Sonhos no Terceiro Reich, a jornalista Charlotte Beradt fez uma coleta de sonhos entre 1933 e 1939. Entrevistou cerca de 300 berlinenses das mais variadas camadas da sociedade alemã como professores, funcionários públicos, estudantes, donas de casa, para compor um painel onírico sobre os efeitos de um regime de terror sobre a psique dos cidadãos de uma Alemanha nazista em ascensão. No início do livro a autora cita uma famosa declaração do oficial Robert Ley do Partido Nazista: “O único ser humano que ainda possui uma vida privada na Alemanha é aquele que está dormindo”. Beradt mostra em seu ensaio que os efeitos do terror totalitário são tão poderosos na vida de um indivíduo, de uma comunidade aterrorizada, que até mesmo no seu inconsciente, em sonhos, eles podiam ser sentidos. E mais do que sentir, os efeitos são introjetados.

Os sonhos revelam, simbolicamente, a desintegração psíquica do sonhador como se constata nesses dois exemplos: “Quadros são colocados em cada esquina para substituir as placas de rua, proibidas. Esses quadros anunciam vinte palavras que o povo está proibido de pronunciar. A primeira palavra é Lord – por precaução, devo ter sonhado em inglês e não em alemão. As outras esqueci ou provavelmente nem cheguei a sonhar com elas, com exceção da última: Eu”; “Estou sentada, muito bem arrumada e penteada, trajando um vestido novo, no camarote da ópera e desfruto dos olhares de admiração. Apresentam minha ópera favorita, A flauta mágica. Depois do trecho ‘é com certeza o diabo’, um esquadrão da policia nazista entra marchando com passos fortes diretamente em minha direção. Com a ajuda de uma máquina, eles constataram que, ao ouvir a palavra ‘diabo’, eu pensara em Hitler. Vejo-me suplicando por ajuda em meio a todas as pessoas vestidas solenemente. Mudas e inexpressivas, elas se olham, mas nenhum rosto mostra compaixão. Ainda que o velho senhor no camarote vizinho pareça, sim, distinto e bondoso. Quando tento olhar para ele, ele cospe em mim”.

A obra de Beradt é vigorosa e revela o poder invasivo do nazismo na mente das pessoas submetendo-as ao medo e ao terror. Interessante é que o inconsciente das pessoas, através dos sonhos, já manifestava de uma forma simbólica, por vezes muito literal, o que estava por vir com a Segunda Guerra Mundial, o Estado homicida. Essa formação de poder, como nomeia Mbembe, promoveu, além da destruição dos corpos, o aniquilamento da psique se configurando como um evento com força arquetípica.

A utilização do termo arquétipo por Mbembe, relacionando-o com a morte, pode nos remeter à concepção de Arquétipo de Carl Gustav Jung, psiquiatra e psicoterapeuta, como sendo uma possibilidade de formar configurações semelhantes, em diferentes culturas, sobre como lidamos com vivências significativas aos humanos, no caso, a morte. A morte é um grande tema da humanidade, dessa forma pode se caracterizar como um arquétipo.

Para Jung, Arquétipo é uma fonte de canalização das energias psíquicas de certas vivências fundamentais, comuns aos seres humanos, repetidas incontavelmente através dos milênios. Tais como as emoções e fantasias suscitadas por fenômenos da natureza, pelas experiências com a mãe, encontros homem-mulher, a morte, o nascimento, vivências de situações difíceis como a travessia de mares e rios, a transposição de montanhas, histórias de heróis etc. Muitas dessas vivências, consagradas pelas mitologias de diferentes povos, foram objeto de pesquisa de Jung. Essa energia psíquica estrutura-se numa camada mais profunda do inconsciente, que Jung denominou de Inconsciente Coletivo (que seria comum aos seres humanos), atuando fortemente na vida da pessoa, em consonância com o Inconsciente Pessoal (conteúdo psíquico relativo às vivências desde o nascimento) em suas escolhas, sentimentos, crenças, desejos, valores etc. Os arquétipos podem ser vistos como elementos estruturais formadores que servem para organizar ou canalizar o material psíquico. O sonhar (mundo onírico) é uma possibilidade de acessar tanto o inconsciente pessoal quanto o coletivo.

Indícios arqueológicos indicam que o Homo sapiens iniciou sua separação do resto da natureza há 130 mil anos e estudiosos propuseram que o pensamento abstrato/simbólico seria, então, o critério que define o humano. São praticamente dois tipos de comportamentos simbólicos que deixam evidências arqueológicas: a estética e a arte e o enterro ritualizado dos mortos.

Segundo Richard Klein, primeiro teria surgido a modernidade anatômica (cerca de 200 mil anos atrás), para somente então ter surgido a modernidade comportamental (por volta de 50 mil anos atrás), onde ocorreram mutações, durante o processo adaptativo, no genoma humano que “mudaram completamente a circuitaria interna de nosso cérebro, mudanças essas que não deixaram impressão na parte interna dos ossos cranianos”. Possivelmente, as mutações desencadearam uma expressão gênica que gerou novos circuitos neurais promovendo comportamentos mais complexos. Alguns autores consideram que o ‘humano moderno’ é definido como membro da espécie Homo sapiens, sendo a única subespécie sobrevivente (Homo sapiens sapiens). A subespécie Homo sapiens idaltu (White et al., 2003), diferente da atual, descoberta em 2003, e outras subespécies conhecidas foram extintas há milhares de anos.

Nesse sentido, estudos sugerem que tanto algumas evidências estéticas/artísticas como as de sepultamentos convergem para o fato de que a existência de algo que podemos chamar de humanidade no planeta remete-se a uma temporalidade modesta de cerca de 130 mil anos (nossa linhagem evolutiva começou seu percurso exclusivo por volta de 7 milhões de anos). E que a fase final do processo de humanização se deu no “seio da espécie Homo sapiens no que se denomina por Revolução Criativa do Paleolítico Superior”, apenas por volta de 45 mil anos atrás. Adornos começaram a ser usados popularmente e os mortos passaram a ser enterrados sob a vigência de rituais extremamente elaborados.

Segundo relato de Suzana Prizendt, para o “povo indígena brasileiro Sateré-Mauê, localizado no médio Amazonas, os surgimentos da castanheira, da seringueira e do cajueiro, por exemplo, ocorreram, através de processos mitológicos envolvendo a morte de guerreiros ou de animais, valorizados pela sociedade de um passado distante. Alimentos como o caju, a mandioca ou a castanha do Pará possuem histórias em que um ser vivente, ao ser morto, é enterrado em um determinado local e sofre uma transformação pela ação das forças da Mãe-Terra, ressurgindo como uma planta ou uma árvore, com partes comestíveis, que se tornarão ingredientes estruturais na culinária indígena”.

A cultura alimentar desses povos traz, em sua essência, os ciclos de transformação da natureza, nos quais os seres vivos são gerados pela terra e a ela retornam após experienciarem suas formas corporais e percorrerem seus caminhos no mundo que conhecemos. E, “acolhidos pelo ventre da Mãe-Terra, se metamorfoseiam e afloram novamente, sob novas formas corporais e com novas funções no ambiente. A vida se renova e nutre todos os seres que a compõem. As histórias dessa renovação também nutrem, espiritualmente, os seres humanos, assim como os alimentos, descritos por elas, os nutrem fisicamente”.

Desta maneira, há o estabelecimento de um sentido para o fluxo vital, mesmo em relação aos seus componentes dolorosos. “As perdas nunca são definitivas, mas são parte do surgimento de novos elementos, que vão enriquecer a experiência existencial. Quando este elemento é um alimento e é ingerido por um integrante do povo Sateré-Mauê, esse integrante absorve a memória ancestral, transmitida por ele, e se conecta com todo o universo material e espiritual que forma a sua cultura, criando laços de pertencimento ao processo histórico que a define.”

É uma bela narrativa sobre o simbolismo da morte!

A partir disso seria possível inferir que o arquétipo que tem como vivência a morte associa-se a uma expressão simbólica em diferentes culturas. Por dezenas de milhares de anos este arquétipo tem se manifestado de uma forma ritualística, sendo um dos principais aspectos que consagraram o processo de humanização. Ao longo da história da humanidade as guerras estiveram presentes com toda a sua violência e destruição. Mas a ritualização do enterro frequentemente ocorria, mesmo em situações extremas poderia haver uma pausa para que se recolhessem seus mortos e serem enterrados. O Estado nazista consolidou uma forma de poder onde a morte deixou de ser ritualizada, não se constelando com o arquétipo da morte ritualística. Ou seja, na execução do projeto solução final milhões de pessoas foram mortas pela inalação de gás tóxico e seus corpos foram reduzidos a cinzas em fornos crematórios. Há relatos de que o assassinato dessas pessoas, por fuzilamento, pelos soldados nazistas estava causando, nestes, transtornos mentais como depressão e ansiedade. Portanto, esse projeto contemplou uma ação genocida da forma mais impessoal possível. A ritualização foi aniquilada, provavelmente não podendo se nomear de morte (no sentido de se ter um ritual associado) como um arquétipo. Talvez o arquétipo ou evento com potencial arquetípico que se consolida com o projeto de solução final possa ser designado de outra forma, de Arquétipo do aniquilamento. Aniquila-se, portanto, um dos fundamentos do processo de humanização, a ritualização do enterro. Ou seja, há um processo desumanizador em curso.

É possível que esse processo possa promover uma alteração em alguns aspectos do funcionamento cerebral?

Para Dean Buonomano, neurocientista, os neurônios e as sinapses são produtos do modelo evolutivo. “O processo evolutivo pode estabelecer soluções que dão ao indivíduo alguma vantagem adaptativa sobre os demais. No entanto, muitos comportamentos são pouco maleáveis porque estão entranhados nos circuitos cerebrais por conta do efeito do ritmo lento da evolução.” O autor faz uma analogia entre o sistema operacional neural e a computação, a utilizando como metáfora; nos computadores o hardware e o sistema operacional, principal software, não foram projetadas para serem alterados com facilidade ou regularidade. De forma parecida, “o programa geneticamente codificado (DNA) contém as instruções de como construir um cérebro; desta forma, o projeto genético que orienta o desenvolvimento e a operação do sistema nervoso é pouco flexível. A expressão desse código genético irá executar o sistema operacional neural composto pelos neurônios e as sinapses desencadeando os circuitos neurais, seriam os softwares do cérebro.” Nosso sistema operacional neural assegura que nossa espécie tenha, possivelmente, um conjunto semelhante de impulsos e emoções básicos que foram construídos por milhares de anos, ou seja, padrões de comportamento. Portanto, essas memórias (padrões de comportamento) estão nos circuitos neurais, manifestando-se através das sinapses.

No processo evolutivo houve “maior pressão para reconhecer padrões do que para contar e manipular números, por exemplo. Foi mais importante para o homem, que por dezenas de milhares de anos viveu na floresta, identificar num piscar de olhos que existem algumas cobras no chão do que saber quantas são; a capacidade inerente do cérebro de construir conexões e fazer associações, no caso uma serpente já é suficiente para associar ao risco de morte.” Os quase 90 bilhões de neurônios ligados por 100 trilhões de sinapses estão mais aptos a construir conexões que exijam a compreensão do todo a partir do relacionamento das partes. Dessa forma, o reconhecimento de padrões pode apresentar alguma variação, relativamente, a cada contexto em que ocorre; não seriam padrões altamente rígidos e inflexíveis.

O funcionamento do sistema operacional neural através de padrões assemelha-se à concepção de arquétipo (este como um conceito fundado na metafísica, ou seja, não necessariamente vinculado ao sistema nervoso central) como um padrão de possibilidades psíquicas que se estrutura a partir das imensas repetições de vivências do homem na interação com a natureza e entre si. Tanto a função arquetípica quanto o sistema operacional neural, durante a evolução, provavelmente, conferiram e conferem à nossa espécie a adaptabilidade para sobreviver e se reproduzir; além de se reconhecer, após o processo de humanização, como ser humano.

O desempenho da necropolítica em seus vários aspectos, não só no que se refere ao abordado aqui nessa reflexão, pode acarretar numa alteração dos circuitos neurais concomitantemente a uma nova formação arquetípica? Seria um evento tão potente a ponto de promover uma mutação, portanto provocar o surgimento de uma subespécie de Homo sapiens, semelhantemente ao que, possivelmente, ocorreu 50 mil anos atrás no que se conhece por Revolução Criativa do Paleolítico Superior? Será que os eventos dos últimos 200 anos, desde a revolução industrial até, na atualidade, a revolução digital podem estar promovendo uma mudança no psico-físico de uma parcela da população mundial?

Além da soberania como um direito de matar, outros aspectos caracterizam a necropolítica como: controle total; não seguir regras sociais; estar sempre em conflito – a paz assume a face de uma guerra sem fim; estado de exceção permanente. Quando se nega a humanidade do outro qualquer opressão torna-se possível, inclusive o refinamento da violência utilizando tecnologia não só para matar corpos, mas, também, psiques. Vemos hoje um Estado que adota a política da morte, o uso ilegítimo da força, o extermínio, o racismo, a misoginia, a homofobia, a política de inimizade e invariavelmente causando sofrimento.

Com essa clara caracterização, seria plausível , segundo os tratados e manuais de psicopatologia, projetar um provável perfil psíquico dos praticantes da necropolítica?

Possíveis descrições que se assemelham a essa caracterização podem ser referidas: psicopatia; sociopatia¸ transtorno de personalidade antissocial.

Segundo o psicólogo e pesquisador Robert Hare, a diferença entre a sociopatia e psicopatia está ligada diretamente ao início em que o transtorno se apresenta, mas ambas apresentam manifestações semelhantes. Para ele, a sociopatia começa no meio ambiente, isto é, na sociedade, como, por exemplo, em regiões com alto índice de criminalidade ou situações de violência doméstica. O indivíduo começa a cometer alguns delitos e a se envolver com atos criminosos.

A psicopatia é diferente, possui conexão com fatores biológicos, genéticos e, em menor importância, socioambientais. O indivíduo possui um traço inerente ao seu psiquismo com a junção desses fatores, formando um aspecto central de sua personalidade, menos dependente das influências do meio em que vive. Portanto, a sociopatia pende mais para as questões ambientais e a psicopatia para as questões genéticas próprias do indivíduo.

Pessoas com psicopatia estão entre as mais dramáticas que a sociedade se defronta, seja no âmbito legal, seja na clínica/pesquisa, pois são caraterizadas por um histórico de fracasso em acatar normas sociais e com prevalente reincidência nas transgressões. Costumam ter um longo histórico de desrespeito e violação dos direitos alheios criando sérios problemas para a sociedade. Muitas vezes são considerados violentos porque conseguem o que desejam, indiferentes às preocupações dos outros. “Mentir parece ser um traço adquirido e, muitas vezes, demonstram ser incapazes de estabelecer a diferença entre verdade e as mentiras que inventam para atingir suas metas. Trapaceiam, chatageiam e enganam os outros abertamente, sempre utilizando a sedução como estratégia para manipulação, para em sequência explorá-los e enganá-los”. Entendem o mundo ao seu redor de forma egocêntrica e egoísta, importando somente em satisfazer os seus desejos. “O psicopata desenvolve sua personalidade com refinamento da inteligência racional, desenvolvendo habilidades em determinada área, com o intuito de dominar e fazer desta estratégia o uso do poder para se sobressair diante dos outros.”

Segundo observações clínicas por vários estudiosos, caracteriza-se como psicopata um conjunto de comportamentos apresentados por uma personalidade fria, calculista e sem medo de ofender as outras pessoas. Observa-se também no comportamento falta de autocontrole emocional e comportamental, falta de empatia, irresponsabilidade, impulsividade, dificuldade para estabelecer vínculos interpessoais por congelamento afetivo, incapacidade de aprender com a experiência, senso exagerado do próprio valor, falta de preocupação com os compromissos, ausência de remorso, procura de aventuras sensacionalistas e comportamento antissocial sem necessariamente cometer um delito. Característica que é comum aos vários níveis de psicopatia é o de causar dano psicológico ao próximo.

Os critérios diagnósticos pelo DSM-V (Transtorno de personalidade antissocial):

A. Um padrão perversivo de desrespeito e violação aos direitos dos outros, que ocorre desde a adolescência, como indicado por pelo menos três dos seguintes critérios:

1. Fracasso em conformar-se às normas sociais com relação a comportamentos éticos e legais, indicado pela execução repetida de atos que constituem motivo de reprovação social ou detenção (crimes);

2. Impulsividade predominante ou incapacidade em seguir planos traçados para o futuro;

3. Irritabilidade e agressividade, indicadas por histórico constante de lutas corporais ou agressões verbais violentas;

4. Desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia;

5. Irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou honrar obrigações financeiras;

6. Ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter manipulado, ferido, maltratado ou roubado outra pessoa;

7. Tendência para enganar e à falsidade, indicada por mentir compulsivamente, distorcer fatos ou ludibriar os outros para obter credibilidade, vantagens pessoais ou prazer;

B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade.

C. Existem evidências de Transtorno de Conduta com início antes dos 15 anos de idade.

D. A ocorrência do comportamento antissocial não se dá exclusivamente durante o curso de Esquizofrenia ou Transtorno Bipolar.

Apesar do DSM-V categorizar muitas características da psicopatia como um transtorno, diversos estudos indicam que os psicopatas são plenamente capazes de entender o caráter lícito ou ilícito dos atos que pratica e de dirigir suas ações. Atualmente, há uma tendência universal de considerar que a psicopatia pode não se configurar como uma doença no sentido clássico. Na realidade, psicopatia e transtorno de personalidade antissocial não se sobrepõem.

Embora muitos psicopatas corram um risco muito mais elevado de incorrer em comportamentos de natureza criminosa e antissocial, alguns possuem pouca ou nenhuma dificuldade para manter-se dentro da lei. Ou seja, nem todos os psicopatas são criminosos ou tem o diagnóstico de Transtorno de personalidade antissocial. Mas um traço comum a todos os psicopatas é o de infligir, invariavelmente, sofrimento ao outro.

Alguns psicopatas atuam de modo bem-sucedido em certos segmentos da sociedade como, por exemplo, na política, religião, negócios, entretenimento etc. Por causa da dificuldade para identificar essas pessoas, esses psicopatas “bem-sucedidos” ou “subclínicos” não tem sido o foco das pesquisas. No entanto, diante do recrudescimento, global, do fundamentalismo religioso e de crenças doutrinárias racistas, xenofóbicas, entre outras, com o aumento da violência, inclusive a do Estado, parece haver um novo interesse na área.

Essa exacerbação de ideias e ações promovidas pelos governos e setores da sociedade, como relatado no parágrafo anterior, tem uma correlação com o ideário da necropolítica. Ideias essas que podem ter sua fundamentação num perfil psicopata, não necessariamente com ações criminosas, mas incluindo ações e falas criminosas.

Atualmente, presenciamos no Brasil com esse governo que se iniciou em 2019 um histórico de violação sistemática dos direitos humanos, principalmente da população indígena, e, também, de crimes ambientais. E mais recentemente na gestão da pandemia do novo coranavírus, sendo criticado internamente e externamente por várias entidades por não ter tomado providências no sentido de minimizar os efeitos, consequentemente a altíssima mortandade. Uma fala racista do presidente do Brasil que se tornou um símbolo dessa violação é a de que “Cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós”, dita numa de suas transmissões nas redes sociais. Esse governo se caracteriza pelo funcionamento fundado na necropolítica como descrito por Mbembe.

Bibliografia:

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Prizendt, S. A estratégia indígena para enfrentar o vírus. Disponível em: <https://outraspalavras.net/terraeantropoceno/a-estrategia-indigena-para-enfrentar-o-virus/>. Acesso em: 07/08/2020.

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