A declaração da dependência

Por Carlos Drummond.

Este 7 de Setembro, além de assinalar mais um aniversário da Independência do Brasil, talvez seja lembrado também com o sentido oposto, o do fortalecimento da dependência crônica em relação às potências internacionais na definição dos rumos do País.

Em pouco mais de um ano o governo federal, acompanhado de vários estados e municípios, colocou à venda, concedeu ou liberou para exploração, quase sempre a compradores estrangeiros, dezenas de bens públicos.

Despontam na lista os ativos estratégicos, tanto para a economia quanto para a segurança nacional, a exemplo de campos do pré-sal da Petrobras e, mais recentemente, de usinas hidrelétricas do Sistema Eletrobras e uma parte da Amazônia, esta última mantida em poder do Estado, ao menos por enquanto, por força de uma decisão judicial.

Sem critério outro além de gerar dinheiro rápido, o atacado montado às pressas reúne também empresas rentáveis, aeroportos, usinas, parques, companhias de saneamento, terminais de transporte, estádios, a Casa da Moeda e até cemitérios, estes no município de São Paulo.

A sensação de retrocesso diante da liquidação sem fim de bens do Estado aumenta quando se confronta o quanto o País avançou no passado com o tanto que regrediu desde os anos 1990.

No começo da década de 1970, o Brasil apresentava praticamente o mesmo perfil estrutural da indústria dos países desenvolvidos, mostram os dados de valor adicionado pela manufatura ao PIB. O contraste com o presente é gritante.

representar 30% do PIB naquela época, hoje alcança só 10%. Quase um refém das nações avançadas nos planos financeiro, econômico e comercial, o País não exige contrapartidas aos investidores externos, é um dos mais vulneráveis à especulação nos mercados de câmbio e de juros, está no topo da concentração de renda e assim se distancia cada vez mais do bloco desenvolvido e de emergentes bem-sucedidos como a China. Quase 200 anos depois, o Grito do Ipiranga converteu-se em lamento.

A independência do País, sabe-se, resulta de uma briga na família real lusitana e, ao cabo, não deixou de ser uma concessão da coroa portuguesa. O mais próximo a que se chegou daquela condição, no plano econômico, foi no governo de Getúlio Vargas, com a edificação de instituições do Estado e do aparelho econômico-financeiro, o uso do planejamento, a estruturação da indústria e de um mercado nacional.

O aço da Companhia Siderúrgica Nacional, o combustível da Petrobras, o financiamento de longo prazo do BNDE, atual BNDES, e a Consolidação das Leis do Trabalho, entre outros requisitos providos no período varguista, colocaram a economia no rumo da modernidade.

Foi sobre esse arcabouço criado entre os anos 1940 e 1950, desenvolvido por Juscelino Kubitschek entre o fim da década de 1950 e o início dos anos 1960 e durante o “milagre econômico” da década seguinte, que o Brasil ombreou com os Estados Unidos e a Europa no setor industrial.

Seguiram o mesmo rumo, no governo Lula, o aumento dos investimentos na prospecção de petróleo e a descoberta do pré-sal, o impulso à indústria local da cadeia produtiva de óleo e gás e a ampliação do mercado interno com a melhora da distribuição de renda, entre outros feitos.

A crise dos anos 1980, de forte restrição de financiamentos externos e queda do PIB e das importações, comprometeu a incorporação de novas tecnologias e de novos setores e com isso a posição do País começou a cair continuamente no contexto internacional, mas as instituições legadas pelo varguismo persistiram.

Ricardo Roriz
Decidiram vender às pressas e ninguém sabe como ficarão a geração e a distribuição, critica Roriz Coelho (Foto: Wilton Junior)

Até que, nos anos 1990, surgiu a turma do PSDB, disposta a ser medalhista no fundamentalismo de mercado que tomou conta da economia mundial, impulsionada pelos patronos Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e Margaret Thatcher, no Reino Unido.

Os tucanos ficaram oito anos no poder (em São Paulo, estão há 24), mas só há dois anos reuniram, na sua aliança com o PMDB, poder suficiente para realizar aquilo que sempre buscaram: o atendimento pleno à demanda dos mercados, ainda que isso implicasse, como implicou, retrocesso radical da indústria e da coesão da sociedade, condenando o Brasil a uma reprimarização cada vez mais acentuada.

Não conduziriam a outro destino a valorização do real e a elevação dos juros, tornadas crônicas pela política econômica dos anos 1990, e as privatizações retomadas no ano passado.

Um grande esforço para condenar o Brasil em definitivo à dependência dos produtos primários, este parece ser o elo do governo FHC com o período decorrido desde a gestão do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, sob o governo Dilma Rousseff, até este pouco mais de um ano da calamitosa administração Michel Temer. Unidos, os herdeiros políticos da sombria UDN revertem, item a item, o inventário das realizações de Vargas.

O governo tucano-peemedebista que anuncia a redução do salário mínimo, liquida campos do pré-sal, promove o “varejão” da Eletrobras e destroça a CLT é a expressão acabada do inimigo denunciado por Vargas pouco antes de se matar, em agosto de 1954, documenta este trecho da sua carta-testamento: “Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se

avoluma. A Eletrobras foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”.

Empresários acompanham apreensivos a escalada de liquidação de ativos.

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Resolveram privatizar, mas não explicaram quem senão o Estado, construirá ‘linhões’ não lucrativos, mas de interesse da sociedade (Foto: Helcio Nagamine)

“Preocupa o fato de essas medidas serem tomadas para acertar o caixa do governo. É complicado. Se o objetivo fosse capitalizar a empresa, aumentar os investimentos, eventualmente mantendo uma golden sharepara garantir que os interesses do País fossem observados, tudo bem, é até admissível. Não sou daqueles que acham que o Estado tem de produzir, mas supervisionar, ordenar. Mas o que está sendo feito é, basicamente, vender ativos para tapar buraco do Tesouro, mais ou menos como foi feito na época do Fernando Henrique, que liquidou bens públicos para pagar juros”, explica Mario Bernardini, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, a Abimaq.

“Eu sou favorável a que o Estado, de maneira planejada, saia de setores onde a iniciativa privada teria condições de trabalhar com maior produtividade e mais eficiência, mas me preocupa a privatização do setor elétrico feita de afogadilho. De um dia para o outro, apareceram com a decisão, sem demonstrar em que condições vai ocorrer e como é que vai ficar o fornecimento futuro de geração e distribuição de energia. A Eletrobras tinha um controle muito forte disso até hoje”, critica José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp.

“Parece que as coisas foram feitas às pressas e que o problema fiscal é o drive, o direcionador de todas as ações.”

“Isso é absurdo e perigoso. Há o risco de se perder de vista interesses do País, de virar um ‘varejão’, de modo que não se tenha mais uma política elétrica, eventualmente. Quem, no lugar do Estado, construirá daqui em diante um ‘linhão’ de transmissão de energia que não tem retorno para atrair uma empresa, mas é de interesse da população?”, chama a atenção Bernardini.

O governo tem prazo curto e enfrenta dificuldades para obter no Congresso a aprovação da elevação das metas de déficit primário, de 139 bilhões para 159 bilhões de reais neste ano, mas isso não justifica a pressa no descarte de bens públicos.

“É uma prova de incompetência da equipe econômica, que não entregou nada do que prometeu, nem a redução do déficit nem o crescimento econômico. Os sinais de melhora são muito pontuais e conjunturais, não estruturais. O primeiro trimestre foi bom por causa de uma safra que depende de São Pedro, não do governo. No segundo trimestre, o consumo deu uma melhoradinha, porque liberaram o Fundo de Garantia. Daqui para a frente, como é que se sustenta esse pretenso crescimento? Eu não vejo. Muito menos, investimentos”, analisa o diretor da Abimaq.

O fracasso aconteceu apesar de a equipe econômica ser considerada, no governo e no meio financeiro, como o “time dos sonhos”. “Pode ser o dream team dos banqueiros, mas do País não é”, dispara Bernardini.

Entre os prováveis beneficiários do “varejão” do setor elétrico brasileiro estão os chineses e quem mais tiver dinheiro para aproveitar a “barbada” de ativos baratos alienados a toque de caixa em situação de mercado desfavorável.

Segundo o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, Charles Tang, “com ou sem Lava Jato, a China investe aqui por várias razões: ocupar mercado, ter lucro, exportar sua capacidade excedente, assegurar recursos estratégicos e por motivos geopolíticos internacionais”.

O oposto do nosso País, que se move no contexto global a partir de formulações precárias, quase sempre de subordinação pura e simples às grandes potências, apesar do seu tamanho e da sua importância. Na balança comercial, o Brasil vende quase só commodities ao país oriental e este abarrota o nosso mercado com industrializados.

“O Brasil encontra-se no meio de um confronto geopolítico global em que todos os movimentos americanos e chineses no País respondem à lógica dessa disputa. A falta de percepção dessa dimensão geopolítica, ao lado de uma política ingênua e simplista de alinhamento automático com americanos ou chineses, compromete gravemente a defesa dos nossos interesses”, critica o economista Ronaldo Fiani, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A participação da China no setor de energia, diz, subordina-se a essa correlação de forças. Não por acaso, fez empréstimos significativos à Petrobras e algumas das suas empresas adquiriram participação importante em consórcios no pré-sal.

O avanço na área obedece, entretanto, a uma estratégia específica. Em primeiro lugar, o controle de empresas abre mercados para a exportação de equipamentos chineses para essas companhias, permitindo aos fornecedores daquele país realizar lucros e aumentar sua competitividade global.

Do ponto de vista geopolítico, investimentos em infraestrutura de forma geral criam vínculos com a classe política e a tecnocracia locais, por terem volume elevado e longa vida útil. Elos duradouros com os governantes, sejam eles quem forem, são importantes também por ser o Brasil uma importante fonte de petróleo com o pré-sal, sublinha Fiani.

A viagem de Temer à China acontece no contexto do “varejão” do setor elétrico brasileiro e de uma política externa débil, no sentido apontado por Fiani. O País paga e pagará um alto preço por essa relação bilateral desequilibrada.

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FHC, o grande líder do esforço imenso para condenar o Brasil em definitivo à dependência de produtos primários (Foto: Ormuzd Alves)

“Fato é que nós fomos empurrados tanto pela nossa ineficiência quanto pela eficiência chinesa a abrir mão de manufatura. Enquanto a China implementou uma política de criar manufatura, com câmbio alto e juros baixos, nós fizemos exatamente o contrário. Juros altos e câmbio baixo, isso acabou com a indústria de transformação e aí, simultaneamente, o país oriental nos empurrou a plantar mais soja e a explorar mais minério de ferro. Ou seja, a nossa política estratégica nos últimos anos foi feita mais pela China do que por nós”, analisa Bernardini.

Subestimar a importância dos economistas ortodoxos no conjunto da obra tucano-peemedebista seria grave erro. Os ortodoxos e os heterodoxos comprometidos com o Brasil predominaram só até os anos 1980.

“A frustração com a chamada década perdida ensejou uma forte ascensão neoliberal no País, em grande medida alinhada às propostas do chamado Consenso de Washington. Muitas das mudanças desse período foram formuladas por economistas com ph.D. nos Estados Unidos, a exemplo de André Lara Resende e Persio Arida, que estudaram no Instituto de Tecnologia de Massachusetts e são considerados os pais da proposta do Plano Real”, analisa Igor Rocha, diretor de planejamento e economia da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base, ele próprio com ph.D. na Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Além das diferenças entre os ortodoxos contemporâneos e os do passado, há contrastes também entre economistas dessa vertente no País e no exterior. “Aqui a ortodoxia – e às vezes a heterodoxia também – parece criar uma realidade paralela, totalmente descolada da realidade propriamente dita. É difícil, a exemplo do que ocorria até algumas décadas atrás, encontrar economistas que conseguem transitar com maes­tria entre o mundo acadêmico e a política econômica. Muitos ficam presos aos seus próprios dogmas e tentam encaixar a realidade às suas hipóteses irreais e às suas vaidades”, critica Rocha.

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A política ingênua de alinhamento automático aos norte-americanos ou chineses compromete os interesses do País, alerta Fiani (Foto: Juan Photo Studio)

Roberto Campos, ex-ministro do Planejamento no governo Castello Branco, apesar de conservador e neoliberal, era muito menos ideológico do que os chamados ortodoxos brasileiros atuais. “Havia muito mais diálogo e respeito entre os dois lados. Um exemplo é o trabalho conjunto de Campos e do economista Ignácio Rangel na formulação de diversas iniciativas de política econômica.”

É célebre a frase proferida por Campos sobre Rangel em um processo de seleção interno do então BNDE: “Não se deveria aplicar a candidatos inteligentes os critérios policiais de julgamento ideológico das pessoas”.

Rangel trabalhara no grupo de assessoramento econômico de Getúlio Vargas e foi um dos redatores dos projetos de criação da Petrobras e da Eletrobras. Considerado um dos mais brilhantes pensadores da economia, vivesse nos dias atuais certamente seria crucificado pelos ortodoxos nativos.

“O patrulhamento ideológico da ortodoxia ocorre hoje mesmo no interior da sua própria casta, mostram as críticas desproporcionais recebidas neste ano por André Lara Resende e Monica de Bolle por parte de alguns ultraideológicos, só porque escreveram artigos pondo em xeque os pressupostos da política monetária convencional. No Brasil, pensar fora da caixa virou pecado digno de linchamento em praça pública”, dispara Rocha.

Poucas vezes o propalado distanciamento do ideário ortodoxo em relação ao mundo real ficou tão evidente quanto em uma resposta do economista Samuel Pessôa ao jornal Valor a respeito do projeto em tramitação no Senado para substituição da Taxa de Juros de Longo Prazo do BNDES, a mais acessível existente para as empresas, pela Taxa de Longo Prazo, o que igualará o banco de fomento às instituições financeiras voltadas para o lucro e poderá levar à sua extinção.

Ao explicar por que, na sua visão, a extinção da TJLP e a adoção da TLP, medida que ele defende, tornou-se o centro da discórdia entre ortodoxos e desenvolvimentistas, Pessôa disse o seguinte:

“A heterodoxia brasileira tem uma visão de que o processo de desenvolvimento está ligado à indústria, enquanto para nós, ortodoxos, o crescimento é um processo de desenvolvimento institucional – o que você produz não é muito importante. A heterodoxia pensa diferente: se nós não tivermos indústria, nós vamos ser pobres. Para nós, não é muito importante o que o país faz. Se as instituições funcionarem, o país vai ser rico de qualquer modo. Há uma ou outra falha de mercado, principalmente associada à tecnologia, introdução de novas práticas, novas técnicas, novos produtos, mas em geral o desenvolvimento é essencialmente um fenômeno institucional. Economista heterodoxo adora dar subsídio para a indústria, porque eles acham que isso gera crescimento econômico. Na raiz da divergência da TLP está essa leitura da heterodoxia brasileira de que a indústria é um setor essencial para o desenvolvimento econômico. É claro que há muito grupo de interesse. Mas  não estou falando disso, mas da visão ideo­lógica que sustenta esse tipo de coisa.”

O economista Elias Jabbour, da UFRJ, reagiu assim na sua página no Facebook: “Chegamos ao ponto em que um renomado economista, Samuel Pessôa, declara publicamente que um país pode ser próspero se especializando na produção de bananas. É um obscurantismo de tal monta que é de se imaginar essa figura ordenando a ida de Galileu Galilei à fogueira, sem sombra de dúvidas”.

O fato de não existir país desenvolvido sem indústria expressiva e de a Alemanha, os Estados Unidos e a China estarem empenhados, neste momento, na modernização acelerada dos seus setores manufatureiros rumo à chamada indústria 4.0, só confirma a importância decisiva do setor nas principais economias desenvolvidas e na emergente mais avançada.

Aqui, a indústria está em queda livre faz tempo e a relação desse descenso com o crescimento medíocre do Brasil é total. Sua participação no PIB, superior a 30% em 1986, conforme mencionado acima, caiu para 13,3% em 2013, equiparando-se aos 13,5% de 1956, ano do início do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek.

No período, a manufatura amargou perdas significativas nos países avançados, mas nada comparável à média de 12,7% de participação no PIB registrada entre 1982 e 2012, mostra o acompanhamento da Fiesp. Nesses anos, ficou atrás só da Polônia, com uma média de 13,6% de participação no PIB. Presa a uma involução que parece não ter fim, a participação da produção industrial caiu em 2014 para 10,9% do Produto.

Com decisões parciais e ignorância econômica profunda, procuradores e juízes da Lava Jato deram uma contribuição inestimável à destruição do legado varguista. Em conduta oposta àquela dos seus pares dos Estados Unidos e da Europa, não satisfeitos com a punição dos executivos inidôneos, eles estigmatizaram e com frequência inviabilizaram empresas envolvidas em corrupção.

Essa conduta levou à virtual extinção das grandes construtoras. Várias alternativas, entre elas a alienação das ações do bloco de controle e a intervenção estatal, foram descartadas pelos executores da operação, em boa medida por considerarem o Estado e as empresas irremediavelmente maus e corruptos. Só no Brasil.

O resultado é uma devastação. A Lava Jato foi responsável por 2 a 2,5 pontos porcentuais das quedas do PIB de 3,8% em 2015 e de 3,6% em 2016, portanto, causou mais da metade da recessão, calculam ao menos duas consultorias.

Meirelles
Meirelles e o dream team dos banqueiros não entregaram nem o crescimento nem a redução do déficit (Foto: José Cruz)

Tão graves quanto as perdas mensuráveis em cifras e porcentuais são, entretanto, os efeitos negativos de médio e longo prazo de destruição de empresas nacionais, dilapidação de recursos e ruptura das relações público-privadas na economia, alicerces do desenvolvimento de todos os países avançados.

“Todos os setores produtivos foram afetados pela crise, mas alguns sofreram ainda mais em razão dos impactos da operação. Isso se refletiu nas expressivas quedas da indústria de transformação e da construção, no acumulado entre os primeiros trimestre de 2014 e 2017, de 21,4% e 20,1%, respectivamente”, analisa Eduardo Costa Pinto, professor do Instituto de Economia da UFRJ, em análise do impacto da operação elaborada a pedido do Conselho Regional de Economia do estado.

É consenso entre os economistas participantes da avaliação a necessidade do combate à corrupção, mas vários deles consideram que a correção do pressuposto não legitima as consequências desastrosas da condução da operação de modo moralista e despreocupado quanto ao seu efeito destruidor no aparelho produtivo nacional.

“O que a Lava Jato fez foi desmantelar as empresas de engenharia brasileira e os postos de trabalho na construção civil. O setor hoje está no epicentro da crise econômica e apresenta alguns dos piores dados de desemprego. São vários os operários, engenheiros e outros profissionais sem ocupação e com enorme dificuldade de obtenção de novos empregos no setor”, acusa Pedro Henrique Pedreira Campos, professor do Departamento de História e Relações Internacionais da UFRJ, que também participou do balanço organizado pelo Corecon-RJ. Mas há os beneficiados pelo desmonte.

“No segmento doméstico de engenharia, nos mercados no exterior onde as construtoras brasileiras atuavam e em outros setores nos quais os conglomerados controlados por empreiteiras mantinham atividades, empresas chinesas, americanas e europeias têm encontrado boas oportunidades.”

Ao contrário do que a escalada da Lava Jato sugere, entretanto, essa substituição não parece uma solução para inibir as práticas de pagamento de propina e outras ilegalidades. “O problema da corrupção não é derivado apenas de uma postura ética da empresa, mas constitui mecanismo de funcionamento da relação das empresas com o Estado, no Brasil e em outros países. A holandesa SBM, a francesa Alstom e a alemã Siemens foram denunciadas recentemente em práticas corruptas de pagamento de propina e cartel no País”, observa Campos.

Além disso, as empresas estrangeiras tendem a reduzir a utilização de força de trabalho local e as encomendas à indústria nacional, mostra o exemplo das firmas chinesas que adquiriram várias companhias no setor elétrico no País. No fim do processo, todas as ingressantes remetem os lucros obtidos para suas matrizes no exterior. Mais dependência do Brasil.

Procuradores e juízes não dão importância ao contexto político-econômico das suas decisões, que é o da disputa feroz entre Estados Nacionais e detentores de grandes volumes de capital, sugerem estas considerações do professor Bruno Leonardo Barth Sobral, da Faculdade de Ciências Econômicas da Uerj: “A disputa interestatal acompanhada de sua capacidade de articular grandes blocos de capitais é que define qual a moral de sua história de poder e sucesso econômico. Nesses termos, cabe interrogar qual é a moral da história recente do Brasil, dominado por um movimento reformista no rastro da Operação Lava Jato. Descontextualizada do sentido de um projeto nacional, sua convicção em princípios morais se faz crer geradora de um mecanismo civilizatório per se, ignorando qualquer responsabilidade pelos efeitos destrutivos provocados sobre estratégias indutoras de maior complexidade sobre o sistema econômico”.

Cabe acrescentar que, com essa abordagem, os procuradores e os juízes reforçam a tendência de regressão rumo a estruturas produtivas de menor complexidade, característica central da economia dos países subdesenvolvidos.

As apostas anteriores de política econômica e os efeitos de uma crise internacional, diz Sobral, foram ingredientes-chave para a formação de uma nuvem de fumaça que oculta a base da antipolítica em curso.

Essa negação da política, vista como algo sujo e não empreendedor, retira a possibilidade de um capitalismo nacional com perspectiva estratégica e trava a capacidade de coordenação macroeconômica voltada para a formação de novos capitais.

Ao se ver como exterminadora das raí­zes do patrimonialismo, a operação desencadeada em Curitiba abre novos espaços, entretanto, para o fortalecimento dessa mesma lógica, por empoderar um discurso moralista e generalizador sobre austeridade e políticas de estabilidade.

Na visão do economista, “sob esse prisma a moral da história se torna uma moral de tesouraria, centrada no algebrismo de ajustes contábeis para disfarçar sua carência de um debate sério sobre políticas setoriais e marcos regulatórios”.

O capitalismo brasileiro, ensinou o sociólogo Florestan Fernandes, é difícil, por ter poucas alternativas, burguesia dependente, num país de passado colonial, que teve sua formação na fase monopolista, sem revolução nacional democrática. Isso realça a importância da figura de Roberto Simonsen, o mais esclarecido empresário nativo de todos os tempos e um dos fundadores, em 1928, do Centro das Indústrias de São Paulo.

No discurso de inauguração da organização que foi o embrião da Fiesp, ele disse, para horror dos conservadores de então: “No atual estágio da civilização, a independência econômica de uma grande nação, seu prestígio e sua atuação política como povo independente no concerto entre as nações só podem ser tomados na consideração devida possuindo esse país um parque industrial eficiente, na altura do seu desenvolvimento agrícola”.

Crítico da aplicação pura dos princípios liberais, argumentava que em nenhum país desenvolvido tais premissas eram utilizadas diretamente e que o processo de industrializações contou com o apoio decisivo do Estado, registraram seus biógrafos Luiz Cesar Faro e Mônica Sinelli.

O brilho incomum de Simonsen chamava atenção na sua época e sobressai também no contexto atual, de mediocridade avassaladora e regressão inimaginável da economia e das instituições.

A percepção da dependência do País está expressa nesta formulação de Oswald de Andrade, pronunciada por ocasião da morte do empresário em 1948, aos 58 anos, e que se mantém atual: “O Brasil é não só o país de sobremesa, produzindo frutas, açúcar e café, mas também a própria sobremesa dos banquetes imperialistas”.

Fonte: Carta Capital

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