A crise estrutural do capitalismo e o sindicalismo no Brasil. Por Douglas Kovaleski

Foto: Contraf-CUT

Por Douglas F. Kovaleski para Desacato. info.

No texto dessa semana, retomarei as discussões sobre o sindicalismo como forma de organização da classe que vive do trabalho no conjunto da luta de classes. A crise do sistema tem raízes profundas na organização da classe, aspecto que ajuda a compreender certo grau de apatia e por vezes de voluntarismo nas revoltas populares vinculadas à luta de classes no Brasil nessa segunda década do século 21.

Para compreender a atual (des)organização da classe nesse período de intensa repressão e perda de direitos, é necessário recorrer à história. No final da década de 1980, despontaram as tendências econômicas, ideológicas e políticas responsáveis pela regressão política do sindicalismo no Brasil. Processo que decorre tanto do avanço da reestruturação produtiva em curso no capitalismo internacional, como na emergência do neoliberalismo e seu pragmatismo em prol da financeirização do capital, processo que acelera enormemente a acumulação e traz alterações drásticas para o mundo do trabalho.

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Esse processo vincula-se fortemente à ideologia neoliberal, que tem como um dos seus pressupostos a desorganização da classe trabalhadora, com um ataque especial aos sindicatos enquanto forma de organização de classe. Nesse contexto, descrevo brevemente alguns aspectos atrelados à CUT e à Força Sindical, no contexto brasileiro.

Criada em 1983, a CUT nasce com um ideário socialista e de negação do sindicalismo de conciliação, chamando por uma atuação mais autônoma com relação ao Estado, onde os metalúrgicos, movimentos populares, PCB e o petismo tiveram papel central na criação da CUT. Uma das posições marcantes era a defesa do direito de greve de maneira irrestrita. Por um sindicalismo combativo, pelo fim da ditadura civil-militar, pela democratização por meio das eleições diretas e por uma assembleia constituinte, a CUT se consolida agregando inúmeros sindicatos, movimentos e associações.

Mas da década de 1980 para a década de 1990, muitas mudanças aconteceram na CUT, do III (1988) para o IV ConCUT (1991). Nasce na década de 1990 um repúdio ao sindicalismo combativo e torna-se hegemônica a posição de que o sindicato deveria ser propositivo e deveria negociar com os patrões. Com a vitória de Collor na década de 1990, a reestruturação produtiva que traz a precarização do trabalho para os trabalhadores se intensifica. As práticas de desregulamentação, flexibilização, privatização e desindustrialização se aprofundaram dando espaço para o desemprego, subemprego, informalidade e a terceirização. O enfraquecimento da CUT de lutas, diante de uma correlação de forças desfavorável para os trabalhadores auxilia no ascenso de setores conservadores de dentro do partido dos trabalhadores. Nesse contexto negocial, o PT chega ao poder com uma declaração explicitada na “Carta aos brasileiros”, de que administraria o capital apenas, sem causar problemas à burguesia. O PT no poder controla politicamente os movimentos sociais e a CUT, passando a ser base importante do governo.

Como consequência desse processo, o discurso cutista passa da luta de classes para a cidadania, lutando apenas por direitos sociais sem questionar a estrutura da social. O foco migrou para o combate à discriminação racial, de gênero, geracional, desemprego, cidadania, desconectando essas questões da visão de classe e abrindo mão da construção de um projeto anticapitalista.

Já a Força Sindical é criada em 1991, com um combate explícito ao “radicalismo” cutista e pela necessidade pós-socialista de defender os interesses dos trabalhadores, sem a utopia que segundo sua direção não traz resultados concretos. O real motivo de surgimento da Força Sindical era derrotar as iniciativas populares progressistas, impedindo que o movimento sindical brasileiro se contrapusesse ao modelo neoliberal. A Força defendeu as privatizações desde o governo Collor, foi contrária à atuação do MST e trabalhou no nível ideológico em prol da difusão da ideologia neoliberal entre os trabalhadores, sempre com a falsa bandeira da desideologização sindical.

Esse elementos ajudam a compreensão da crise em sua vertente política, pois é de fundamental importância para o capital desorganizar a classe e confundi-la para que a luta seja o menos clara possível. É a partir desse contexto que se dá o ascenso da direita bolsonarista ao poder no Brasil e é com essa (des)organização que precisamos enfrentar a direita e o capital. Por isso, nesse momento de uma correlação de forças desfavorável, é necessário trabalhar para organizar a classe e voltar a pautar a luta de classes, para que com paciência histórica reverta-se esse quadro.

Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.

 

 

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