A crise dos combustíveis e sua relação com a política entreguista iniciada há 30 anos

Por Giselle Zambiazzi, para Desacato.info.

Análise I: José Álvaro Cardoso

A greve dos caminhoneiros e os acontecimentos que a sucederam são muito úteis para escancarar para a sociedade algo que já vem ocorrendo há muito tempo: uma gestão política de entrega do patrimônio que pertence a todos os brasileiros para o capital internacional.

Mas, se isso parece novo aos olhos de muita gente que só começou a descobrir tais efeitos quando a gasolina passou a aumentar, para quem estuda o Brasil há mais tempo o entreguismo não é uma novidade. “A política imperialista prevalece no Brasil desde o descobrimento. Primeiro na relação com a Inglaterra e agora com países centrais como os Estados Unidos. A América Latina sempre foi considerada um quintal dos Estados Unidos”, explica o economista José Álvaro Cardoso. “Isso perpassou inclusive o governo militar. A fundação da Petrobras é um problema para o Brasil”, complementa.

Capital em ondas

Conforme o economista, dentro do recorte histórico da década de 1990 para cá, alguns acontecimentos foram cruciais. O primeirofoi o fim da União Soviética, em 1991. “A bilateralidade mundial perdia força para o neoliberalismo sem que os Estados Unidos precisassem disparar um único tiro. Em seguida aconteceu aquele show midiático da invasão do Iraque que só serviu para exibir ao mundo a força estadunidense”, afirma.

A partir disso, a América Latina entra em um ciclo neoliberal, com governos como Carlos Menem na Argentina, Fernando Collor no Brasil, Carlos Andrés Perez na Venezuela, entre outros, todos comprometidos com o Consenso de Washington. Tal documento, assinado por um economista estadunidense em 1989, contém 10 medidas que os países latino-americanos devem tomar para alinhar suas economias aos interesses do Tio Sam.

Entre essas medidas estão as privatizações, ausência de Estado, aumento da exploração sobre os trabalhadores através da supressão de direitos e entrega do patrimônio público ao sistema financeiro dos países centrais. Seis anos depois, quem chega ao poder é Fernando Henrique Cardoso, cuja cartilha de governo segue o Consenso de Washington à risca, privatizando mais de 100 estatais. Entre elas, uma das mais estratégicas do país: a Vale do Rio Doce, leiloada em 1997 por R$ 3bi quando só suas reservas minerais eram avaliadas em R$ 100 bi.

Também foi o governo de FHC quem abriu o mercado interno e acabou com o monopólio da Petrobrás no Brasil. Foi aí que aquelas bandeiras estrangeiras como Shell começaram a se espalhar pelas esquinas das nossas cidades. Para completar o serviço, entrava em cena o Plano Real que sela o plano neoliberal no país.

Mas a década de 1990 chegava ao fim e o projeto neoliberal ia se mostrando como um verdadeiro fracasso para a população que empobrecia ao passo em que as esferas superiores da sociedade só enriqueciam. “José Serra se tornou um dos homens mais ricos do país graças às privatizações”, aponta José Álvaro.

A partir de 1999, a América Latina entra em uma nova onda um pouco mais progressita e as mudanças se dão por via eleitoral. Os países passam a eleger governos como o de Hugo Chavez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Nestor Kirchner na Argentina, Rafael Correa no Equador e Lula no Brasil. Alguns desses governos chegaram a reverter privatizações. “Eles fizeram coisas interessantes, mas limitadas”, destaca José Álvaro. “No caso do Brasil, se pensou na inclusão através do consumo e não da cidadania”, lamenta.

Golpe

Para José Álvaro, é em 2002 que inicia todo o processo que ele classifica como golpe. “O Mensalão foi a primeira tentativa de tirar Lula do poder”, considera. Naquele mesmo ano, Lula publica a Carta ao Povo Brasileiro que tinha o propósito de acalmar o mercado financeiro e garantir que contratos não seriam rompidos.

Enquanto isso, parte da América Latina entrava novamente em ebulição. A Argentina, por exemplo, trocou de presidente cinco vezes em 10 dias no final de 2001. “O imperialismo abriu uma concessão para Lula, esperando que ele fosse substituído. Mas ele se reelegeu e reelegeu sua sucessora duas vezes”, completa.

Uma sucessão de golpes passou a ocorrer em toda a América Latina, todos com métodos idênticos. “Entrou em cena a tática conhecida como lawfare, que é uma forma de neutralizar o inimigo fazendo tudo dentro da lei tornando-o inelegível utilizando setores conservadores do judiciário, uma escória parlamentar e apoio das Forças Armadas”, explica.

Chegamos à Petrobras

Por que a necessidade desses golpes? Segundo José Álvaro, para que países como Estados Unidos consigam extrair ainda mais-valia através da supressão de direitos (reformas em curso hoje), a destruição das soberanias (especialmente do Brasil, que vinha se destacando muito) e o acesso mais fácil e rápido à matéria-prima da América Latina a preços irrisórios.

Para José Álvaro, tirar o PT de cena foi fundamental para acelerar a exploração, mesmo reconhecendo o governo conciliatório de Lula e Dilma. “Muita gente acreditava no processo e não estava preparada para um golpe. O problema não é fazer a coalizão, é acreditar que a direita vai respeitar a democracia. Não mobilizar o povo foi crucial. Os outros exemplos da América Latina mostraram que quem mobilizou o povo se deu melhor”.

Entre vários outros setores fundamentais para a soberania brasileira, a Petrobrás é uma das empresas mais estratégicas e agora, na sequência da paralisação dos caminhoneiros, entram em cena os petroleiros. “O petróleo é a principal riqueza do país. A greve dos petroleiros não é por salários, ela é uma denúncia. Essa é uma greve fundamental que vai aumentar ainda mais a rejeição ao golpe que ainda não está completo”, acredita o economista.

No seu ponto de vista, o caminho agora é garantir que a eleição ocorra em outubro com a presença de Lula no pleito. E, mais que isso, que a população esteja organizada e pronta para reagir aos ataques imperialistas, que tendem a ser mais profundos e a agravar a crise.

[avatar user=”Giselle Zambiazzi” size=”thumbnail” align=”left” link=”attachment” target=”_blank” /]Giselle Zambiazzi é jornalista, ativista política e militante pela neurodiversidade. Mora em Brusque/SC.

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