A corrupção como intérprete da realidade racial brasileira

Por Fausto Antonio.

Uma verdade deve ser lançada aqui antes de tudo: a corrupção não é questão central; o principal problema do país é a desigualdade social e a dimensão racista desse processo. É o racismo que institui o país mutilado no qual milhões são estrangeiros e/ou estão fora da cidadania regulada. Somos mais de cem milhões de negros (as); aloja-se aí, na assimetria entre o contingente extraordinário desse segmento e as suas péssimas condições materiais e imateriais, a dimensão mais perversa da exclusão brasileira.

Outra verdade ululante é que a corrupção estrutural e a conjuntural têm, no centro como corruptos e corruptores, os empresários e suas empresas. Não é por outra razão que negros (as), índios (as) e pobres estão fora da corrupção conjuntural (feita pelos governos) e sobretudo da estrutural (poder e/ou feita pelos ricos brancos). É a política, compreendida como arranjo e método de organização da sociedade brasileira, que instituir e alimenta a corrupção. Não é o político, como querem os ingênuos ou manipulados pela imprensa branca, o pilar ou motor central do processo.

Do ponto de vista da realidade atual, reduzida ao debate da corrupção seletiva e conjuntural, é necessário discernir entre a existência da corrupção estrutural, que tem raiz na sociedade patriarcal, capitalista e racista brasileira, e a corrupção conjuntural, que se limita a períodos ou intervalos de governos.

A corrupção conjuntural só tem validade para a compreensão da realidade brasileira se tomada de modo relacional. Ela tem um valor contingente, isto é, dado por certos eventos, que são facilmente localizados no tempo e no espaço. A estrutural, por sua vez, tem autonomia de existência no que toca aos eventos governamentais, que são cíclicos. A corrupção estrutural tem, podemos dizer assim, autonomia dos governos, pois se aloja na base material e ideológica do poder e nas estruturas aprovadas juridicamente pelo sistema capitalista. Os sistemas de poder, a base material e ideológica da sociedade, têm endereços, pessoas físicas e jurídicas precisas. Sendo assim, é fácil localizá-los nos sistemas financeiro, econômico, parlamentar, jurídico, militar, policial e de comunicação.

A certidão expedida pela tríade Cunha – Aécio-Temer pode revelar a idade estrutural da corrupção. Neste caso, é preciso considerar conjuntamente a JBS como um padrão de institucionalização, uma regra no processo de acúmulo de capital trivialmente presente na consolidação e hegemonização de empresas na sociedade brasileira e no capitalismo. O modo operandi das empresas passa inevitavelmente pela ilegalidade consentida (legalizada) pelo capital e seu aparato jurídico institucional.

Em outras palavras, as grandes empresas brasileiras apresentam, a despeito dos discursos ideológicos de enriquecimento pela via do trabalho, o acúmulo de capital através da apropriação indevida e sem custo de terras, de empréstimos vultosos ofertados discriminatoriamente pelo sistema bancário e de contratos e licitações fraudulentas. A manipulação e a impunidade e/ou punição relativa da JBS são o modo operandi do capitalismo; as punições são peças do capital e não punição às pessoas físicas e jurídicas; a punição se dá numa medida e numa extensão com vista a normatizar o crime e/ou reduzi-lo ao jogo do dinheiro em estado puro e percentualmente selado pela moral do sistema financeiro. As empresas pagam bilhões e recuperam, no jogo espúrio do mercado financeiro, trilhões

A corrupção conjuntural pede o contexto; a estrutural percorre e é todos os contextos. A conexão entre o conjuntural e o estrutural é dada, em parte, pelos eventos da luta pela condução dos governos nos últimos 15 anos; mas sua certidão (DNA/medula branca) é histórica.

Fausto Antonio é escritor negro-brasileiro e professor da UNILAB – Malês – Bahia

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