A brasilidade de André Berté em Bicho Grilo

Por Clarissa Peixoto.

A poesia e a música convergem tão suavemente que fica difícil separar o poeta do músico, a fala da escrita. E o que é o artista senão o homem que sonha e ri por traz da obra, o ser que deseja e chora atrás das cordas de um violão? Não dá para separar o homem do artista; a vida da arte. André Berté é desses: polivalente, poeta das causas coletivas, músico das sonoridades do Brasil e um ativista cotidiano. Em Berté, o som tem cor e a poesia tem cara.

Distante do formalismo, mas sem deixar de lado o rigor na sua produção artística, André desde cedo se relaciona com a música de forma muito natural. “Você começa a cantar e percebe que tem bom ouvido, que alguns afinam e têm ritmo e que outros não têm. Fui a algumas aulas de violão sem ainda possuir meu próprio instrumento. Logo surgiu um violão esquisitíssimo, com um prego na ponta! Isso era engraçado pois conseguia deixar o violão em pé, fixo à terra”, conta o músico.

Quando questionado sobre o fio condutor do álbum que lança neste mês de outubro, intitulado Bicho Grilo, com músicas produzidas entre 2000 e 2009, ele não exita: “a coluna vertebral desse álbum é a música brasileira mais genuína”. O disco reúne xote, maracatu, baião, samba canção, samba de roda e fox trot. A mistura de gêneros é o que dá cor a música produzida por André e as suas letras dão sinais de um poeta que emana do povo.

Bicho Grilo, faixa que dá nome ao álbum solo autoral, trata de um homem perdido que mantém seus pés no chão. É uma conversa consigo próprio, apontando para o ser social, constituído pelas angústias do seu tempo, sem perder de vista o horizonte histórico; o homem e em que lugar da história perambula o corpo, a ideia e a própria fala. O Bicho Grilo não cansa de caminhar, procurando os seus carnavais. Nas esquinas, as viagens do som e a necessidade do compositor que mistura suas próprias sensações conectadas ao mundo em que contracena. No jogo de palavras, o eu diante do todo: atento aos pequenos detalhes, mas de olho no mundo. “No fim das contas, quem cria se insere ao que acontece nesse mundão. E faço isso, inclusive como militante social”, afirma.

Entre as andanças da vida, as causas coletivas são preocupações frequentes para o ativista social. Engajado na luta ambiental e pela manutenção dos espaços públicos de convivência em detrimento dos interesses privados, André é uma das lideranças do movimento Ponta do Coral 100% Pública, que luta pela criação do Parque das Três Pontas numa área extremamente visada pelo capital imobiliário, à margem da Avenida Beira-Mar Norte, em Florianópolis.

Na produção literária o ativista aparece com ainda mais convicção. O conjunto dos seus escritos traz consigo a ideia de que “caminhos são coletivos”. Embora expresse com muita intensidade o seu universo particular, o autor carrega uma preocupação eminente com as questões coletivas. André não se propõe ao autocentrismo: olha para o plural das coisas, das palavras e das ideias. Tem na poesia a conexão com o mundo para além das experiências individuais. E é com teor crítico e irreverência, que lança seu primeiro livro, Pobrefobia, em conjunto com o CD Bicho Grilo.

Delicadeza e simplicidade são, talvez, as palavras que melhor definem o artista e a sua obra. Mesmos os textos mais críticos à vida em sociedade parecem se reconciliar com o tom amoroso da escrita do autor, do letrista e mesmo do compositor. Por outro lado, as ideias têm força suficiente para propor transformações a quem o lê, a quem o ouve.  O André músico parece mais suave. O André escritor tem mais apelo nas linhas da coletividade. Mas, não se separa o homem do que ele produz, do que ele sente e daquilo que constitui seu corpo e suas ideias. André, homem de palavras e acordes é também um artista da sutileza e de fina preocupação com as coisas humanas.

“Qual a função da arte? Difícil dizer. Denunciar? Eternizar momentos? Reivindicar? Um pouco disso tudo. Fortalecer o lúdico, os momentos felizes em oposição ao ódio. E claro, tratar de alegria e de amor.  Em tempos nublados, nos quais ódio e intolerância parecem moda, a arte tem esse tom: divertir, agregar. Gostaria muito de vê-la como foco de inclusão. Seria algo revolucionário, até!”. Em tempos de intolerância nada pode ser tão essencial quanto o amor. E a arte, como na produção de André Berté, pode estar repleta dele.

André Berté lança seu CD solo de músicas autorais, Bicho Grilo, e seu primeiro livro, Pobrefobia, na próxima terça-feira (20), no Teatro Álvaro de Carvalho, a partir das 19h30.

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