A banalização da barbárie nas estantes das livrarias brasileiras

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USTRA001 – BSB – NACIONAL – Coronel Carlos Alberto Ustra, ex-comandante do DOI-CODI, durante a Ditadura Militar, primeiro militar a responder processo por tortura, recebe o apoio de militares da reserva, durante um almo¡o oferecido numa galeteria de Brasilia. BRASILIA, 21.11.2006 FOTO: SERGIO DUTTI/AE

Por Francieli Borges, Porto Alegre, para Desacato.info.

Em um artigo publicado hoje, intitulado “A verdade grita”, Cassia Carrenho, responsável pela lista dos livros mais vendidos do PublishNews, site especializado no mercado editorial brasileiro, menciona que o texto A verdade sufocada (Editora Ser), de Carlos Alberto Brilhante Ustra, militar recentemente propagandeado pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC) – uma das cenas mais aviltantes da história brasileira recente, que aconteceu durante a votação do impedimento da presidenta Dilma – ficou em oitavo lugar na lista de não ficção dessa semana, com 1.068 unidades vendidas.

Também conhecido pelo codinome Major Tibiriçá, Ustra foi chefe do DOI-CODI paulista e o primeiro militar a ser reconhecido pela Justiça como torturador no período da ditadura. Desde que o livro foi lançado, em 2006, vendeu mais de 20 mil volumes. Os números dão náuseas, apesar de parecem pequenos – não são, se pensarmos na realidade nacional. A recente popularidade de tal obra evidencia com qual tipo de ultradireita precisamos lidar. Se é que algum dia foi diferente. Sobra discurso de ódio, falta responsabilidade, isso porque esses arremedos de biografia são cheios de distorções e comprometem a integridade das vítimas. Não se trata de vidas romanceadas diante de divergências políticas, mas de pessoas presas muitas vezes sem acusação formal que tiveram os corpos violados e mutilados. Ustra foi culpabilizado por pelo menos 50 mortes. Faleceu, em 2015, negando que a ditadura brasileira fosse responsável por quaisquer desaparecidos.

Embora fosse possível utilizar muita metáfora e muito adjetivo comprido, não tenho a intenção de julgar o gosto dos leitores: entendo pouco de tendências, apenas compreendo que o mercado, em geral, tem menos interesse no conteúdo dos textos do que nas cifras que poderão cobrar por eles. Diante dos livros acerca da ditadura, fossem ficcionais ou não, ainda tenho em mim o amargor de experienciar através daquelas páginas a tragédia que foram as décadas de perseguição ditatorial no país, em toda a América Latina. Foram ressaltadas em mim, em um espanto verdadeiro, algumas exclamações diante do valor e do alívio de poder dizer, ler o que julgar que devo, viver da maneira como penso ser a mais adequada. E também por isso me distancio tanto dos fãs desse fascismo rejuvenescido. No entanto, se para compreender um texto e ler até o fim é preciso se identificar com o verbo ali contido, para entrar no jogo do problema moral ou ético colocado é preciso identificação, não posso deixar de imaginar como serão as pessoas por trás dessas compras.

Apenas alerto para a falta de compromisso diante da completa mentira daquilo que tem pretensões de veracidade. Ocorre que não caio da retórica perversa que julga qualquer insulto como liberdade de expressão. Que se reconheça, então, a completa fantasia dos dados daquela obra. Ora, na literatura costuma ser realizado o que indivíduos importantes não conseguiram em política. Menciono isso porque o texto do qual falo não é um testemunho, mas um arremedo de. Literatura, coisa que no mundo inteiro expressa qualquer coisa de sério e que no Brasil frequentemente se acanalha, poderia ser mesmo algo que o ditador tentou fazer já que foi bastante inventivo em descrever “a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça”, esse país maravilhoso, pacífico, cheirando a rosas e, basicamente, inverossímil.

Foto: https://limpinhoecheiroso.com/tag/doi-codi/page/2/

 

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