A banalidade do ódio

Por Pedro Henrique Leal.

racismo

O ódio está em alta – ou ao menos essa parece ser a tendência, vendo pela cordialidade e trivialidade com a qual grupos de ódio tem sido tratados nos últimos dias. A lista que se segue é apenas a ponta de um iceberg de ira e veneno que parece estar se acumulando os últimos dias. Não são notícias de anos atrás – são eventos recentes, alguns deles do dia em que esse texto foi fechado. E por algum motivo, todos eles foram noticiados e cobertos como se fossem a coisa mais banal do mundo. O que me aturde não é o ódio. É a apatia.

Nos EUA, após um ex-grão mago da Ku Klux Klan ter matado três pessoas em um centro comunitário judaico, aos gritos de Heil Hitler, a CNN produziu uma reportagem sobre “se a KKK pode revitalizar sua imagem”, tratando o grupo como uma entidade legítima e em ponto algum abordando o fato de que a KKK fazia linchamentos ou o racismo inerente na organização. Na peça, a empresa jornalística agia como se o ataque recente fosse a única nódoa na reputação da KKK. Em Latta Também nos EUA, uma chefe de polícia com vinte anos de carreira foi demitida por ser lésbica – o prefeito local teria alegado preferir um polícial bêbado a uma lésbica.

Na India, durante a corrida eleitoral, o líder do Shiv Shena – parte da basea aliada do governo – fez ameaças contra a população islâmica e clamou por “vingança” contra o Paquistão – o ódio contra muçulmanos também deu as caras no Reino Unido, onde conservadores alegam que há um “plano de infiltração terrorista” nas escolas de Birmingham. Na Crimeia, milicianos russos – ou alguém tentando manchar sua reputação – espalhou panfletos informando sobre o “registro” de judeus e o confisco de suas propriedades.

Mas engana-se que essa ressurgência do ódio seja um problema “gringo”. Em Itajaí, neste domingo membros da “Frente Branca” espalharam cartazes em homenagem a “um grande herói” – alguém que precisava “retornar”. Vendo a época do ano, se imaginaria que a homenagem era a Jesus Cristo – mas não. A figura exaltada era outra: Adolf Hitler. Nas redes sociais, alguns – felizmente poucos – defendiam a iniciativa. Felizmente, o apoio local ao ato foi pequeno – a reação, por ora, é de choque. Mas fica aquele gosto infeliz de até quando?

Em Caxias do Sul, um rapaz postou vídeos acalorados onde fazia uma defesa explícita do estupro. Na cidade de Rio Preto, uma menor de idade foi chamada de “macaca” e “pretinha” pela cerimonialista da Câmara dos Vereadores. Meio que uma reação gutural, saída não do encéfalo, mas das profundezas do tubo digestivo, basta mencionar-se os beneficiários do Bolsa Família, grevistas ou movimentos de ocupação para receber em retorno palavras furiosas contra os “vagabundos”.

Junto com esse ódio – e talvez como resultado dele – tem se tornado lamentavelmente comum justiçamento. Enquanto persiste o mito da impunidade e da mordomia em um pais com mais de meio milhão de presos em condições desumanas, abunda a mentalidade do “tem que matar”. Agressões contra suspeitos de crimes – sempre em grupos, e sempre julgados pelos próprios agressores – já chegam uma média de uma por dia. E estes dados são de fevereiro. A última vitima notíciada foi em Joinville, na ocupação do Juquiá: um homem de 33 anos foi linchado e morto por cerca de 15 pessoas. Entre os agressores, crianças de cerca de 12 anos.

Adilson Feliciana foi mais uma vítima da “justiça” popular. Era acusado de ter estuprado uma menina de 10 anos – alegação que a mãe nega. Morreu vítima da fúria popular, que confunde vingança com justiça. E apesar da torpeza brutal de sua morte, abundavam os que defendiam o ato dos “justiceiros”. Juntou se ao rol de pessoas espancadas, atadas a postes e formigueiros, e até queimadas vivas em nome de uma “justiça” clamada aos berros. E como de costume, provas materiais de seu crime são consideradas desnecessárias para que o juri decida a sentença – quase sempre, a morte – e a execute.

O que me preocupa é que cada nova expressão de ódio atraía as mesmas duas coisas: novas declarações de desprezo e nojo contra as vítimas, e as eternas alegações de “mas e a liberdade de expressão”?. Como se esta fosse um salvo conduto para opressão, discriminação e violência. Bertrand Russel já questionava, em seu “A conquista da Felicidade”: “Porque a propaganda (política) é tão mais bem sucedida em provocar o ódio do que quando ela tenta estimular sentimentos amigáveis?” (deixo a sugestão de leitura para verem a conclusão do filosófo e cientista político”. Basta olhar para as redes sociais – esse novo Foro Romano, tragicamente – para ver como em questão de minutos qualquer tentativa de debate se degenera em propaganda odiosa e isultos.

Chegamos ao ponto que já por mais de uma dezena de vezes, vi pessoas defenderem agressões físicas como “livre-expressão”. Ao mesmo tempo, atuam como se esta implicasse em imunidade às consequências; como se existisse tal coisa como censura posterior – como se punir alguém por incitar a violência, por fazer discursos classistas e racistas, ou por calunias equivalesse a impedir que esse alguém fale para começo de conversa.

Talvez estejamos dando aos intolerantes mais respeito e tolerânca do que eles merecem; É um tanto paradoxal que aqueles que almejam um mundo onde minorias sejam cidadãos de segunda classe (ou que acham que as minorias “tem que se calar e se curvar à maioria”, como disse um certo deputado) sejam tratados com legitimidade. Já avisava Karl Popper, Em “A sociedade aberta e seus inimigos”: “Não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância.”

Não quero dizer que devemos tratar os apologetas do ódio com a mesma virulência que eles tratam minorias ou seus inimigos políticos. Não: a solução é outra. Talvez tenha passado da hora de parar de fingir que eles tenham algo a dizer. Enquanto forem levados a sério (como a CNN estupidamente o fez), vão continuar despejando preconceitos e violência. O que há de ser feito é trata-los como o que são – reconhecer o discurso de ódio como sendo discurso de ódio, e seus porta-vozes como não sendo dignos de um debate sério. Porque não há o que debater com quem acha que você deva ser um cidadão de terceira classe.

Infelizmente, enquanto não fizermos isso, teremos que aguentar aqueles que acham que não há nada demais em chamar negro de macaco, que acham que agredir gays é “normal” e que ensinar tolerância é “doutrinação” (mas que ao mesmo tempo, querem impor o ensino da sua fé nas escolas – e alegam, com o tomo sacro de uma, representar todas). O ódio ficou banal. Virou lugar comum e voltou a ser plenamente aceitável – com a diferença que suas vítimas não mais são um “outro” que ninguém conhece, ninguém viu, um efêmero “gay” que ninguém viu no mundo real, um “negro” que só existe na cabeça de racistas, um “ateu” caricato na boca de pregadores. Não: são pessoas reais, como eu e você, e os agressores não ligam.

Fonte: Controversas

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