A arte do diálogo

Por Fernando Evangelista.

Nunca se falou tanto. Fala-se pelas redes sociais, skype, satélite, interfone, telefone e até pessoalmente. Entretanto, nunca se ouviu tão pouco. As pessoas parecem dominadas por uma fúria opinativa – todos têm opinião formada sobre tudo – e, ao mesmo tempo, vão rareando os ouvintes.

Ouvir pressupõe curiosidade pelo outro. Ouvir é uma forma de generosidade. Não há tempo para generosidade. Nem para o silêncio.

O grande castigo disso é a solidão. Está completamente só quem não sabe ouvir o outro. Se alguns idosos vão perdendo a capacidade da audição, devido a limitações biológicas decorrentes da idade, muitos jovens dão a sensação de que nunca a possuíram.

Quem não ouve o outro, no fundo, também não o vê. É atento exclusivamente à sua própria voz e se a voz do outro não for bajulatória, torna-se incômoda ou desinteressante. E assim perde-se a capacidade do diálogo.

A tevê, no fundo, é um mecanismo para camuflar essa incapacidade. Não por acaso, fazem tanto sucesso esses bares com o som alto, bandas estridentes e tevês de plasma grudadas nas paredes.

Mesmo se os clientes quisessem, seria impossível uma conversa. Num bar barulhento, cada frase é um pensamento acabado: “é bonito aqui”, “bacana essa banda”, “o garçom parece surdo”, “boa essa cerveja”, “bacana essa mesa de frios”, “pede a conta”. Nada muito diferente das nossas famílias, com tevês na sala, no quarto, na cozinha e até no banheiro.

A Paris dos anos 1920, disse Hemingway, era uma festa móvel. O Brasil atual é uma espécie de bar móvel, sem festa. Os motivos desse grande monólogo coletivo são vários e um deles é a cultura autoritária, entranhada na vida pública e privada do brasileiro.

O autoritário não escuta, não é adepto da reflexão e, por consequência, não alimenta dúvidas. Ele ama falar, mas parece incapaz de ouvir, ama mandar, mas não gosta de aprender. O autoritário não erra, quem erra são os outros.

Outro motivo é que vivemos na sociedade do resultado, que exige precisão e velocidade. Não se pode perder tempo e o silêncio, este senhor inconveniente, necessário em qualquer diálogo, é uma pausa. Não há tempo para pausas.

O surpreendente é que os autoritários e a sociedade do resultado ganharam um álibi científico com a pesquisa realizada pelos franceses Hugo Mercier, doutor em ciências cognitivas, e Dan Sperber, cientista social.

De acordo com o estudo, denominado de teoria argumentativa do raciocínio, o ser humano desenvolveu a razão com objetivo bem específico: triunfar nos debates, convencer o seu semelhante, persuadi-lo, vencê-lo pela retórica.

Isso é uma tremenda reviravolta na ciência. A pesquisa mereceu, entre outras, uma edição inteira do Journal of Behavioral and Brain Sciences, da universidade de Cambridge

Desde os gregos, passando por Descartes, como assinalou Hélio Schwartsman, na Folha de S. Paulo, em 25 de junho passado, acreditava-se que aperfeiçoamos a racionalidade como instrumento para aumentar nossos conhecimentos, para nos aproximar da verdade e, com isso, tomarmos as melhores decisões. Pois não é bem assim.

Se Mercier e Sperber estiverem corretos, publicitários, advogados, políticos e pastores estariam no topo da cadeia evolutiva. “Penso, logo existo”, deverá ser substituído pelo “Penso, logo convenço”. Se você já foi acusado de irredutível e cabeça-dura, orgulhe-se. Essa característica, vista sob a luz dessa teoria, é o fruto mais evidente da evolução da espécie.

De qualquer maneira, independentemente da validade da tese dos franceses, o problema persiste porque, para convencer uma pessoa, é preciso que ela esteja disposta a ouvir. Eu, modestamente, continuo acreditando que poderíamos fazer coisa melhor com a nossa razão, nossas opiniões e nossos ouvidos.

Nem todo silêncio é inocente, claro, mas um monólogo coletivo é quase sempre culpado. Se o silêncio for imposto, é censura, mas se for por opção, ele pode até ser libertador.

Num país onde o grito é a regra e a indiferença uma postura dos fortes, um ato de silêncio é uma forma de rebeldia. E um simples diálogo, quem diria, pode ser uma prova de amor.

Fernando Evangelista é jornalista, diretor da Doc Dois Filmes e colaborador do Portal Desacato. Mantém a coluna Revoltas Cotidianas, publicada toda terça-feira

Imagem: Diálogo de Harry Rosenthal

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