A aprender com a eurocrise

Por Michael Hudson.

Manchetes em todo o mundo saúdam os resultados eleitorais na Grécia e em França como uma rejeição de programas de austeridade por parte dos eleitores destes países. Bem, o que podem os americanos aprender com os resultados destas eleições e com a crise da eurozona?

Agora, juntando-se a nós para falar acerca disto está Michael Hudson. Michael é um antigo analista financeiro da Wall Street e um reputado professor e investigador de ciência económicas da Universidade de Missouri – Kansas City. Ele vai lançar um novo livro chamado The Bubble and Beyond. Obrigado por vir aqui, Michael.

MICHAEL HUDSON, Professor investigador, UMKC: Obrigado, Paul.

PAUL JAY, Editor sénior, TRNN: Então, o que os americanos deveriam aprender com as eleições europeias?

HUDSON: O que está a acontecer na Europa também está a acontecer aqui. Partidos de esquerda, partidos socialistas, partidos trabalhistas, todos eles dizem que vão preservar o contrato social e, logo que chegam ao governo, eles liquidam-no em benefício dos seus apoiantes financeiros, eles traem o trabalho. O Partido Socialista na Grécia caiu de 44% para 14% porque [adoptou] as mais odiosas medidas anti-trabalho na Europa. A mesma coisa em França agora. Hollande, dos socialistas franceses, antes das eleições, disse que ia implorar ou pedir à Europa para, por favor, não insistir em que revertamos nossos programas sociais. E exactamente nesta manhã ele disse, bem, eu lhes pedi e eles disseram não. Receio que a fim de preservar a Europa, a fim de preservar a ideia de uma harmonia política, estejamos em vias de ir em frente e impor mais austeridade sobre o povo. Sinto muito. Mas se você não gosta, pode votar por um outro partido daqui a quatro anos. Mas aqui tem de haver austeridade e vamos ter de reduzir salários, não há nada a fazer. Se você não perde nossos contribuidores de campanha, os bancos podiam perder e não podíamos deixar que isso acontecesse, porque se os bancos perdem eles consideram que isso lhes é intolerável.

JAY: Então, um dos arguments apresentados é que seja quem for Hollande, por exemplo, ou mesmo Obama nos Estados Unidos – mas vamos falar de Hollande – seja o que for que queiram fazer, se quiser até certo ponto desafiar os programas de austeridade mais resolutamente, ele realmente não pode, porque as alavancas de poder dos bancos e das instituições financeiras e na situação europeia a elite germânica e os bancos alemães, têm tanto poder que se realmente tentarem desafiar estas políticas de austeridade, eles podem simplesmente atacar a divisa, subir taxas de juro. Eles têm tantas alavancas de poder que alguém como Hollande realmente não pode enfrentá-los. Assim, a menos que haja até certo ponto uma transformação realmente grande do capitalismo tal como o conhecemos na Europa, não há muito que Hollande possa fazer. Bem, esse é um argumento. O que diz desse argumento?

HUDSON: Os bancos realmente não têm qualquer poder de todo excepto o poder de subornar (to bribe) e na Europa, na América do Sul, o poder de assassinar, o que fazem bastante frequentemente. Tudo o que os bancos podem fazer é subornar. Lembre-se, tivemos o mesmo argumento aqui cerca de três anos atrás, quando Sheila Bair quis assumir o comando do Citibank e disse, olhem, podemos arrestar (foreclose) o Citibank, podemos encerrar todos estes grandes bancos da Wall Street a qualquer momento. Eles estão insolventes. Podemos pagar todos os depositantes. Não há qualquer problema. É muito semelhante ao caso do xerife em Blazing Saddles quando dizia: “Vou dar um tiro na minha própria cabeça se você não fizer o que eu quero”. Se o governo assumisse o comando dos bancos, ele podia pagar todos os depositantes. As únicas pessoas que perderiam seriam os muito ricos, quem tem mais dinheiro nos bancos que estão segurados. Sheila Bair disse que [só] os possuidores de títulos dos bancos sofreriam, as contrapartes sofreriam. Os bancos não têm poder de todo. O problema é a corrupção dos políticos, que são apenas demagogos pretendendo opor-se aos bancos quando realmente estão nos seus bolsos. Os bancos por si mesmo não têm qualquer poder. Eles não têm poder económico, excepto o de subornar políticos.

JAY: Agora, o que seria um arranque para realmente transformar ou mudar o rumo das coisas? Porque argumenta-se que a maior parte dos bancos, bancos americanos certamente e também europeus, se não tivessem salvamento público, deixaria de existir.

HUDSON: Isso é certo. O governo tornou-se o grande accionista dos bancos insolventes daqui, como o Citibank e o Bank of America. O mesmo se passa na Europa. Se bancos europeus provocaram a crise, os governos podem simplesmente dizer, okay, vamos tomá-los. Agora nós os possuímos. Agora que possuímos os bancos, vamos amortizar parcialmente (write down) as hipotecas até o preço que o povo possa pagar. Não estamos a avançar para pagar outras pessoas ricas. Mas a reforma financeira e a reforma fiscal têm de avançar em conjunto. E eles dizem, vamos realmente reverter todos os cortes fiscais para os 1 por cento e vamos começar a tributar outra vez a propriedade imobiliária, vamos tributar os monopólios, vamos reintroduzir a tributação progressiva tal como tínhamos há 30 anos atrás. Se o capitalismo funcionou 30 anos atrás com tributação mais alta, com poder sindical forte, com um bom imposto sobre a propriedade e com casas a preços razoáveis, ele pode funcionar outra vez. Mas os bancos e seus políticos podem convencer o povo de que não há alternativa. Esse é realmente o argumento dos bancos.

JAY: Por que o capitalismo mudou tanto nos últimos 30 anos? Não é porque de facto o sector financeiro se tornou muito mais poderoso, muito mais dominante na economia, tal como era em 1932-33? E sabemos as consequências daquilo.

HUDSON: A mudança ao longo dos últimos 30 anos foi impulsionada pelo sector financeiro a fim de se tornar mais dominante de modo permanente. Assim, o sector financeiro lançou uma série de think tanks, financiou institutos de investigação e comprou o controle dos media públicos, de modo que foi capaz de convencer o povo de que não há realmente alternativa e só fala acerca de se há mais austeridade ou caos. Mas, naturalmente, a alternativa à austeridade não é o caos; é democracia económica, é tributação progressiva, é tributar os ricos, é cancelar parte das dívidas. Há muitas alternativas. E o que eles fizeram é garantir que nenhuma destas alternativas seja discutida na imprensa pública ou nos media. Eis porque estamos a falar em The Real News Network acerca disto e não em The New York Times ou nos media da Fox.

JAY: Num dos seus artigos recentes escreveu que a espécie de sequestro, sequestro de riqueza, imagino, que se está a verificar exactamente agora é algo semelhante ao modo como o feudalismo se desenvolveu. O que quer dizer com isso?

HUDSON: Há 1000 anos atrás era preciso um exército armado para invadir e conquistar um país e então sequestrar a terra e cobrar rendas ao povo, tomar o controle dos monopólios e extrair ao povo margens monopolistas, e essencialmente comutar os impostos da riqueza para a população que foi conquistada. Agora, no mundo de hoje, eles não precisam mais de qualquer exército. A Guerra do Vietname mostrou que nenhum país pode permitir-se uma ocupação militar. Assim, as finanças hoje são o meio de conquistar um país e obter o que no passado precisava de um exército. A conquista financeira é quando você dirige os impostos sobre a população para pagar o sector financeiro, o modo como você carrega uma população com dívida e fá-la pagar juros e amortizações e penalidades no serviço da dívida, faz uma população pagar pela escola ao invés de obtê-la gratuitamente ou a um preço baixo como costumava ser, quando se faz uma população assumir uma dívida para toda a vida a fim de obter um lar que costumava ser a preço acessível, quando você faz os governos endívidarem-se para com os bancos, de modo que na Europa os governos não podem ter um banco central para monetizar seus próprios défices mas têm realmente de tomar dinheiro emprestado junto a bancos. Você alcança isso essencialmente quando esvazia uma economia e toma o seu excedente económico financeiramente sem um exército, apenas promovendo o que realmente é teoria económica lixo e política económica lixo, tal como a teoria económica da rubinomics na América sob Clinton e da Rubenomics na América sob George Bush, e agora com uma vingança sob Obama.

(…)

Transcrição de entrevista à Real News Network

Original: http://michael-hudson.com/2012/05/learning-from-the-eurocrisis/

Fonte: http://resistir.info

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