A anti-política

Eduardo Cunha. Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados
Eduardo Cunha

Por Thiago Burckhart, para Desacato.info.

Desde as eleições parlamentares no ano passado já era evidente que os próximos quatro anos seriam difíceis para o avanço de pautas progressistas no Congresso Nacional. O aumento das bancadas conservadoras (seja a evangélica, os ruralistas, a da bala, a dos empresários, entre outras) impede a discussão de temas importantes para o andamento de nossa democracia. Imerso em preconceitos e clichês, o conservadorismo político atesta o estado de falência (ou talvez de putrefação) do modelo político vigente, e a necessidade urgente de repensá-lo.

Nesse cenário não é estranho que um representante da ala mais conservadora da Câmara dos Deputados assuma a presidência da casa. E assim foi. Eduardo Cunha (PMDB) foi eleito para presidir a Câmara dos Deputados e já fez algumas afirmações que vão de encontro com a política racional. Afirmou o deputado que se sente “sob ataque dos gays, abortistas e maconheiros”, dizendo que sentia-se discriminado pelos LGBTs e que por isso propôs um projeto de lei na qual criminaliza a “heterofobia”. Além disso, antes de assumir como presidente na Câmara, Cunha já havia afirmado que não colocará em pauta qualquer projeto que criminalize a homofobia, que mude a lei do aborto ou que revise a política de drogas. Estes, segundo ele, não terão vez.

 A emergência de uma anti-política

 A afirmação de Cunha de que não colocará em pauta na Câmara dos Deputados reivindicações muito claras e pulsantes de determinados setores da sociedade brasileira é um verdadeiro ato de anti-política. Se entendermos que o Poder Legislativo é o local pelo qual se manifesta a deliberação – a política deliberativa, como afirma Habermas -, negar a possibilidade de ao menos se discutir esses temas na “casa do povo” é uma atitude anti-política.

Se a possibilidade de argumentar na esfera público-estatal sobre um determinado tema nos é extirpado, nossa capacidade de agir comunicativamente – como também afirmava Habermas – é aniquilado. Assim, ao passo em que não se reconhece ao outro, ao “diferente”, seu espaço, transformando-o em politicamente invisível, nosso convívio em coletividade passa a ser cada vez mais difícil, pois a política deliberativa alimenta o jogo que envolve a formação democrática da opinião. A possibilidade de obter-se uma força legitimadora do discurso de uma formação da opinião e da vontade dos representantes políticos parte para a irracionalidade quando nega-se a própria política.

Violência simbólica

O grau de violência simbólica contida no discurso de Eduardo Cunha chega a ser absurdamente alta pra um representante político, eleito pelo povo. Essa violência atinge os grupos mais vulneráveis da sociedade, que historicamente foram violentados e ficaram submersos em uma invisibilidade política. Ela é alimentada por uma irracionalidade e por uma série de “mitos” que permeiam e sustentam o senso comum mais chulo, daqueles que nunca aprenderam com o diferente, com a pluralidade que existe no meio social, ou mesmo nunca a aceitaram.

Estas infelizes afirmações de Cunha chocam o senso ético de muitos de nós, de todos aqueles comprometidos com a consolidação do Estado Democrático de Direito, com respeito aos direitos humanos. Isso só nos demonstra o quanto uma educação para o sentimento de alteridade precisa fazer parte do nosso projeto democrático, em detrimento de todo o ódio irracional e anti-política que podem nos conduzir numa árdua estrada rumo ao fascismo de Estado.

Thiago Burckhart é estudante de Direito.

Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

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