500 mil crianças são vítimas de exploração sexual no Brasil, por ano

O Brasil ocupa o 2º lugar no ranking de exploração sexual infantojuvenil, e estima-se que apenas 10% dos casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes sejam notificados

Foto: Pixabay

Por Isabela Alves.

Por ano, o Brasil registra 500 mil casos de exploração sexual contra crianças e adolescentes, ocupando o segundo lugar no ranking de exploração sexual infantojuvenil. O primeiro país no ranking é a Tailândia.

75% das vítimas são meninas e, em sua maioria, negras. Elas são vítimas de espancamentos, estupros, estão sujeitas ao vício em álcool e drogas, e também a Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), já que muitas vezes não utilizam preservativos.

Quando uma criança ou adolescente é vítima de uma violência sexual, este crime é classificado como abuso ou exploração sexual. A diferença entre as duas violações é o fator de lucro, já que a exploração é mediada pelo pagamento em dinheiro ou qualquer outro benefício.

Eva Dengler, gerente de programas e relações empresariais da Childhood Brasil, afirma que, quando se trata deste tipo de violência, presume-se que a criança ou adolescente já é vítima de outras situações.

“São divididas em algumas grandes frentes as violências que as crianças podem sofrer: negligência, violência física, doméstica, psicológica, sexual e institucional”, afirma.

A especialista ainda alerta que existe uma alta taxa de subnotificação da violência sexual. Um estudo produzido pela Childhood Brasil em 2019 apontou que apenas 10% dos casos de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes são, de fato, notificados às autoridades.

legislação brasileira classifica relação sexual com menor de 14 anos como estupro de vulnerável, com pena de 8 a 15 anos de reclusão.

Se a vítima tiver entre 14 e 18 anos e o sexo envolver troca mercantil, o crime é classificado como exploração sexual e a pena de 4 a 10 anos de prisão para quem teve a relação. Os intermediários dessa prática, como um agenciador ou o dono de um local que o favoreça, também são punidos.

“A exploração sexual é algo que acontece no Brasil inteiro. No entanto, nas regiões com maior vulnerabilidade econômica e onde os valores são pautados no adultocentrismo, machismo, homofobia e racismo, acabam intensificando a probabilidade de crianças nesta situação”, revela Dengler.

A exploração sexual infantil nas rodovias do país 

Imagem: PRF (Divulgação)

A Polícia Rodoviária Federal (PRF), em parceria com a Childhood Brasil, lançou um levantamento que aponta os Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas rodovias federais brasileiras.

Entre 2019 e 2020, foram encontrados 3.651 pontos vulneráveis nas rodovias federais, sendo que 470 foram classificados como críticos.

As regiões com maior número de pontos vulneráveis são Nordeste (1.079), Sul (896), Sudeste (710), Centro-Oeste (531) e Norte (435). A maior incidência ocorreu no Paraná, seguido de Minas Gerais, Bahia, Goiás e Rio Grande do Sul.

O programa Na Mão Certa, criado em 2003, tem um foco preventivo, portanto a Polícia Rodoviária Federal opera para tirar a criança da situação de vulnerabilidade antes que a exploração sexual ocorra de fato.

“A exploração sexual infantil é um crime escondido, diferente do assalto e do tráfico de drogas. Portanto, quanto mais pontos mapeados, melhor se resolve o problema”, afirma João Gabriel Dadalt, chefe do serviço de Direitos Humanos da Polícia Rodoviária Federal.

Para que um ponto seja classificado como vulnerável, existem diversos fatores que são levados em conta, como, por exemplo, se há presença de prostituição adulta no local, se há a presença de crianças e adolescentes sem um responsável, se há pouca iluminação ou se o estabelecimento não oferece segurança com câmeras.

É importante ressaltar que os pontos vulneráveis à exploração nem sempre são pontos efetivos de exploração. “Esses pontos são mapeados justamente para também atacar outras vulnerabilidades sociais, como o trabalho infantil”, explica Dadalt.

Para tirar a criança desta situação, a PRF também depende da ajuda de uma rede de apoio, como o Ministério Público e o Conselho Tutelar. Caso a criança e sua família não recebam a atenção necessária, é possível que a criança retorne para os mesmos pontos de exploração.

Em uma de suas operações, Dadalt e sua equipe encontraram uma criança de 8 anos que estava às 11h da noite em um posto de gasolina vendendo doces. Apesar de ter realizado o resgate, dias depois a encontraram no mesmo local realizando a atividade.

60% dos pontos de maior vulnerabilidade estão localizados em áreas urbanas, sendo que quase a metade deles foram postos de combustível às margens de rodovias.

A BR-116, conhecida por ser a maior rodovia federal do Brasil, é a que possui o maior número de pontos críticos.

Os locais onde existem os maiores pontos de exploração são aqueles em que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é muito baixo, ou seja, são locais onde o acesso ao lazer, saúde e educação são precários.

“As crianças que são encontradas nestes locais geralmente não estão estudando e também possuem um nível socioeconômico muito baixo. A exploração sexual é apenas a ponta do iceberg da cadeia de vulnerabilidade”, pontua Dadalt.

Infâncias perdidas e futuros em jogo

No momento em que a exploração sexual infantil é identificada, é preciso estar atento a três fatores: a vítima; quem está contratando o serviço, pois nem sempre há um agenciador; e também o dono do estabelecimento onde a violação está ocorrendo.

“No momento do flagrante, os contratantes tentam se eximir da culpa e afirmam que não sabiam que era um adolescente”, relata Dadalt.

Durante as suas operações, ele afirma que cada caso é particular e que se deve ter um olhar individual para cada pessoa. No entanto, todos têm algo em comum: a alta situação de vulnerabilidade.

Um dos casos que mais chamou a sua atenção foi o de uma menina de 16 anos que sustentava os irmãos e a mãe através da prostituição. Por conta deles, ela sacrificava a sua vida para trazer alimentos para casa.

“Mesmo após estarem de volta à escola e à família, algumas meninas também acabam retornando à prática de exploração para sustentar seu vício em drogas, por exemplo. Meninas que foram liberadas e não estão mais sujeitas ao aliciador continuam sujeitas ao vício. Elas então fazem programas esporádicos para se manter”, diz Eva Dengler.

A especialista reforça que a exploração sexual exige um olhar amplificado, pois geralmente a família também está passando por situações de privação econômica, fome, miséria ou consumo de drogas.

Nestes casos, o Conselho Tutelar precisa avaliar quem é o responsável pela criança e quais são as necessidades da família que precisam ser atendidas, do ponto de vista da saúde física e mental.

Em muitos casos, haverá o encaminhamento para o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS).

Como é possível denunciar? 

Em caso de qualquer suspeita de uma situação de abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes, é possível realizar a denúncia por meio do Disque 100 ou de diversos canais oficiais de denúncia.

No caso da exploração sexual infantil nas rodovias do país, os caminhoneiros são os principais responsáveis pelas denúncias.

“Nós costumamos dizer que eles são os nossos olhos, porque eles são muito parceiros e se comunicam de uma maneira muito rápida. Então, algo que acontece aqui no Sudeste, em questão de segundos, o Norte já está sabendo. Eles possuem uma comunicação muito eficaz”, aponta Dadalt.

Também existem diversas campanhas de conscientização, como o Programa na Mão Certa, que promove uma educação continuada de motoristas de caminhão para que eles atuem como agentes de proteção dos direitos de crianças e adolescentes através da denúncia de suspeitas ou ocorrências confirmadas de exploração sexual.

Outra estratégia conta com a ajuda de grandes empresas. Caso um estabelecimento seja classificado como ponto de vulnerabilidade, as empresas não utilizam mais aquele local para fazer propaganda. As grandes transportadoras também passam a não parar mais naquele espaço, pois podem estar sujeitas aos roubos de carga.

“É preciso combater o estigma de que a prostituição é algo normal. Conscientizamos que quanto mais se alimenta essa prática, mais se tira a perspectiva de vida da pessoa que está se prostituindo”, conclui Dengler.

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