455 organizações da sociedade civil da Europa e Canadá apelam à rejeição do CETA

No documento(link is external), os signatários expressam a sua “profunda preocupação em relação ao Acordo Económico e Comercial Global (CETA) entre a UE e o Canadá”.

Lembrando que, “durante o longo processo de negociação e verificação legal”, alertaram “repetidamente para os principais problemas contidos no texto do tratado”, apresentando “contribuições concretas que poderiam ter resultado em alterações, no sentido de uma política comercial mais transparente e democrática, com o objetivo central de proteger o ambiente e os direitos fundamentais dos cidadãos”, e que as suas “preocupações não foram tomadas em consideração no CETA”, as 455 organizações da sociedade civil da Europa e do Canadá opõem-se firmemente à ratificação do acordo.

Os membros da sociedade civil canadiana e europeia referem que as suas posições “são partilhadas por um número crescente de cidadãos de ambos os lados do Atlântico”, sendo que “em toda a Europa, 3,5 milhões de pessoas assinaram uma petição contra o CETA e contra o seu irmão gémeo, o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP)”.

“Apesar de todos os protestos, o governo canadiano e as instituições europeias estão a tentar acelerar a ratificação do CETA”, alertam os signatários, segundo os quais “o CETA não é um acordo virado para o progresso”.

“Será um erro adotar este tratado, com as suas preocupantes disposições, como modelo para próximos acordos. O CETA é um regresso ao passado e é uma versão ainda mais intrusiva da velha agenda do comércio-livre, desenhado por e para as grandes multinacionais. Precisamos de uma mudança de paradigma em direção a uma política transparente e inclusiva, fundada nas necessidades das pessoas e do planeta. A ratificação do CETA iria afastar-nos para longe destas tão necessárias mudanças”, defendem os membros da sociedade civil canadiana e europeia.

Carta aberta das organizações da sociedade civil da Europa e do Canadá, na qual as mesmas assinalam algumas das suas maiores preocupações sobre o acordo e apelam à rejeição do CETA:

ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DA EUROPA E DO CANADÁ REJEITAM O CETA

Novembro, 2016

Nós, os signatários, membros da sociedade civil canadiana e europeia vimos expressar a nossa profunda preocupação em relação ao Acordo Económico e Comercial Global (CETA) entre a UE e o Canadá. Durante o longo processo de negociação e verificação legal, alertámos repetidamente para os principais problemas contidos no texto do tratado. Apresentámos também contribuições concretas que poderiam ter resultado em alterações, no sentido de uma política comercial mais transparente e democrática, com o objetivo central de proteger o ambiente e os direitos fundamentais dos cidadãos. Porém, as nossas preocupações não foram tomadas em consideração no CETA, tal como assinado em Outubro de 2016. Por essa razão, expressamos a nossa firme oposição à ratificação do acordo.

As nossas posições são partilhadas por um número crescente de cidadãos de ambos os lados do Atlântico. Em toda a Europa, 3,5 milhões de pessoas assinaram uma petição contra o CETA e contra o seu irmão gémeo, o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP). Mais de 2100 municípios e regiões já se declararam zonas livres de TTIP e CETA. Tanto na Alemanha como no Canadá, foram apresentadas queixas constitucionais contra o CETA, e o Tribunal de Justiça da União Europeia irá provavelmente pronunciar-se sobre os controversos privilégios concedidos pelo CETA aos investidores estrangeiros

De ambos os lados do Atlântico, agricultores, sindicatos, grupos defensores da saúde pública, dos consumidores, do ambiente, dos direitos digitais e muitas outras ONGs e PMEs têm vindo a assumir publicamente a rejeição do acordo. Outubro de 2016, as preocupações expressas por quatro governos regionais belgas sobre o impacto negativo do acordo e, em especial, do seu perigoso mecanismo de proteção do investimento, quase impediram o governo federal de assinar o CETA.

Apesar de todos os protestos, o governo canadiano e as instituições europeias estão a tentar acelerar a ratificação do CETA. No Canadá, foi já introduzida a legislação que permite ao acordo entrar em vigor, sem dar tempo a qualquer consulta pública sobre o acordo final. O Parlamento Europeu parece também disposto a abreviar o processo interno de consulta, limitando assim o debate sobre a ratificação das 1.600 páginas do texto do CETA. Logo após esta decisão, partes substanciais do acordo entrarão provisoriamente em vigor, muito antes de os 28 parlamentos dos Estados Membros se terem pronunciado.

No sentido de apoiar a ratificação e dispersar preocupações, foram anexadas ao texto do CETA, nos últimos meses, diversas declarações. Porém, nem uma letra do texto do CETA foi alterada, desde a sua versão final publicada no início de 2016. Conforme demonstrado por diversos peritos, as declarações adjuntas, incluindo a declaração interpretativa conjunta UE-Canadá, em nada contribuíram para resolver os problemas levantados pelo texto do CETA.

Algumas das nossas maiores preocupações sobre o acordo são:

O CETA concede a milhares de grandes corporações o direito de processar governos pela tomada de medidas legítimas, não discriminatórias, direcionadas para a proteção das pessoas e do planeta. Nada no acordo, nem nas declarações anexas, pode impedir as corporações de usarem os direitos dos investidores consagrados no CETA para atacar os decisores políticos por regulamentação em defesa do interesse público, como, por exemplo, contra as alterações climáticas. O CETA deixa a porta aberta para “compensações” às corporações por lucros futuros não obtidos, quando as alterações políticas afetem os seus investimentos. Longe de reformar “radicalmente” o processo de resolução de litígios entre investidores e estados, o CETA protege-o e reforça-o.

Com o Investment Court System (ICS), um sistema judicial em matéria de investimento, o CETA garante extensos direitos aos investidores, mas não lhes exige as obrigações correspondentes. O ICS não permite aos cidadãos, às comunidades ou aos sindicatos apresentar queixa contra a violação, por parte das companhias, das regras ambientais, laborais, de saúde pública, segurança ou outras. O ICS poderá vir a ser considerado incompatível com a lei europeia por estabelecer um sistema legal paralelo que permite aos investidores contornar os tribunais nacionais. O ICS é discriminatório por garantir aos investidores estrangeiros direitos que não estão ao alcance nem dos cidadãos, nem dos investidores nacionais.

Em nítido contraste com os direitos das corporações, as disposições do CETA sobre direitos laborais e desenvolvimento sustentável não poderão ser defendidas e aplicadas através de sanções. Permanecem pois declarações vazias, sem referência às ameaças que outros capítulos colocam aos direitos laborais, ao ambiente ou às alterações climáticas.

O CETA limita fortemente a capacidade de os governos criarem, ampliarem e regularem os serviços públicos e de reverterem privatizações ou liberalizações falhadas. O CETA é o primeiro acordo europeu que faz da liberalização de serviços a regra e da regulação do interesse público, a exceção. Isso ameaça o acesso dos cidadãos a serviços públicos de qualidade, como água, transportes, cuidados de saúde, bem como as tentativas de providenciar serviços públicos em linha com os objetivos de interesse público.

Um estudo independente sobre o impacto económico do CETA prevê a perda de empregos, tanto no Canadá como na UE, bem como um abrandamento do crescimento económico. Os magros benefícios irão para os detentores do capital, não para os trabalhadores. Como resultado, prevê-se que, com o CETA, a desigualdade irá agravar-se muito mais do que sem ele.

O CETA torna o Canadá e a Europa muito mais vulneráveis a crises financeiras devido a uma maior liberalização dos mercados financeiros e por restringir severamente as reformas destinadas a tratar as principais causas da instabilidade financeira, pondo em causa a proteção dos consumidores e a economia como um todo.

No Canadá, o CETA irá fazer disparar o custo dos medicamentos receitados em cerca de $850 milhões (€583 milhões) por ano. Isso terá um impacto negativo em direitos fundamentais, tais como o direito à privacidade dos dados, e impede o Canadá e a UE de reverterem direitos de propriedade excessivos que tanto limitam o acesso ao conhecimento e à inovação. Alguns dos artigos do CETA sobre o direito de propriedade intelectual são muito semelhantes aos contidos no Anti-Counterfeiting Trade Agreement (ACTA), que foi rejeitado pelo Parlamento Europeu.

As regras do CETA sobre Cooperação Regulatória e regulação nacional colocam fardos adicionais sobre os reguladores e fortalecem o papel dos lobbies corporativos no processo de decisão política, ameaçando a formulação das tão necessárias políticas de interesse público.

Em ambos os lados do Atlântico, o CETA expõe os agricultores a pressões competitivas que ameaçam os seus modos de vida e poucas melhorias trazem para os consumidores: aumento do controle corporativo sobre sementes; obstrução de políticas alimentares de consumo local e ameaça aos padrões de produção e processamento de alimentos, pondo em causa os esforços para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável.

O CETA põe em risco medidas de precaução em defesa dos consumidores, saúde pública e ambiente, na medida em que permite alegar que elas são demasiado pesadas, não científicas ou barreiras disfarçadas ao comércio. Nada no texto do CETA nem nas declarações anexas protege efetivamente o princípio da precaução, baluarte da política regulatória europeia. Algumas secções do tratado incluem até princípios contraditórios.

O CETA é o resultado de um processo negocial secreto entre o anterior governo canadense e a anterior comissão europeia. O texto final do CETA e todas as declarações anexas ignoram quase todas as propostas muito específicas de alteração avançadas pela sociedade civil para lidar com os problemas do tratado. As recentes tentativas de reabrir o processo por parte do governo da Valónia foram bloqueadas. Agora, apenas é possível “pegar ou largar”, votar a favor ou contra as 1.600 páginas do tratado.

Assim, apelamos:

– ao Parlamento Europeu, ao Parlamento do Canadá, aos parlamentos nacionais e regionais que têm uma palavra a dizer na ratificação, que defendam os direitos e interesses do povo que representam, contra as ameaças que o CETA coloca, através de um voto negativo na ratificação;

– aos muitos governos regionais e locais que expressaram preocupação em relação ao CETA, que ergam as suas vozes no processo de ratificação;

– que estes atores iniciem um alargado e abrangente processo de consulta democrática, incluindo a sociedade civil, a respeito dos fundamentos de uma nova agenda comercial que promova o comércio justo e sustentável.

Tal como está, o CETA não é um acordo virado para o progresso. Será um erro adotar este tratado, com as suas preocupantes disposições, como modelo para próximos acordos. O CETA é um regresso ao passado e é uma versão ainda mais intrusiva da velha agenda do comércio-livre, desenhado por e para as grandes multinacionais. Precisamos de uma mudança de paradigma em direção a uma política transparente e inclusiva, fundada nas necessidades das pessoas e do planeta. A ratificação do CETA iria afastar-nos para longe destas tão necessárias mudanças”.

Aceda aqui à lista de signatários(link is external).

Foto: Twitter de Fabien Cazenave.

Fonte: Esquerda.net

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