28% do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros foi danificado após incêndio criminoso.

Por Patricia Fachin e Vitor Necchi.

Depois de 15 dias da reabertura do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros [1], localizado em Goiás, após 21 dias de incêndio, que danificou aproximadamente 28% da reserva, o que equivale a mais de 66 mil hectares queimados, o parque “volta à normalidade”. Porém“os impactos negativos tanto na biodiversidade quanto na economia vão ser objeto de análise ainda pela própria administração do parque em conjunto com parceiros locais e pesquisadores”, informa o chefe do parque, Fernando Tatagiba, à IHU On-Line.

Por enquanto, relata, “sabemos que o impacto foi enorme na biodiversidade, porque muitos ecossistemas são sensíveis ao fogo, ou seja, não toleram contato com o fogo, como é o caso das veredas e das florestas. (…) Nesses 66 mil hectares foram atingidas diversas formações vegetais, como campos nativos, cerrados, veredas, matas, além de áreas de visitação, como o mirante do Salto do Rio Preto”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Tatagiba diz ainda que a Polícia Federal segue investigando a origem do incêndio que se estendeu entre os dias 10 e 31 de outubro, mas a expectativa é que se consiga localizar “a origem dos incêndios e estabelecer também qual foi a autoria e a motivação, porque é possível que um desses incêndios tenha sido acidental, mas que outros tenham tido uma origem intencional”. De acordo com o chefe do parque, embora ainda não se saiba a fonte do incêndio, é possível “afirmar com segurança que os incêndios foram criminosos, sejam eles de modo culposo ou doloso. Causar incêndio danificando a vegetação configura um crime, seja intencional ou acidental. E não há dúvida de que o incêndio foi provocado pelo homem”.

Tatagiba também comenta as ações que já estão sendo desenvolvidas para prevenir os futuros incêndios. “O Parque e as Unidades do ICMBio já desenvolvem uma série de ações preventivas aos incêndios florestais. Uma delas é a confecção de aceiros; anualmente confeccionamos quilômetros de aceiros, que é o estabelecimento de uma faixa próxima aos limites do Parque Nacional, com a supressão da vegetação, para que não haja combustível que possibilite a passagem de um incêndio de fora para dentro do parque. Além disso, começamos essas ações no início deste ano, em caráter experimental, mas já é uma metodologia que começamos a desenvolver este ano e que daremos sequência no futuro, que é o chamado Manejo Integrado do Fogo. Entre outras linhas de ação, ele estabelece o mapeamento do acúmulo de combustível na área da Unidade e o mapeamento das áreas queimadas nos anos anteriores, visando o desenvolvimento de áreas de risco”.


Fernando Tatagiba | Foto: Agência Brasil

Fernando Tatagiba é graduado em Biologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre em Ciências Biológicas pelo Museu Nacional da UFRJ. Atuou como analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente – MMA e atualmente é chefe do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é a atual situação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, após o incêndio que ocorreu no mês passado?

Fernando Tatagiba – A situação atual do Parque Nacional da Chapada após o incêndio é de volta à normalidade. Logo após a extinção do incêndio, que foi declarada no dia 31 de outubro, o parque reabriu suas portas à visitação. No feriado do dia 2 de novembro o parque já estava aberto e assim permanece até hoje. Algumas atividades, posteriormente ao incêndio, estão sendo desenvolvidas para avaliar os danos. Para isso, está sendo feita uma articulação com pesquisadores para o desenvolvimento de pesquisas relacionadas ao impacto do fogo na vegetação, na fauna.

IHU On-Line — Que percentual do parque foi queimado? Pode nos dar um panorama sobre quais áreas foram danificadas pelo incêndio?

Fernando Tatagiba — O percentual do parque atingido por essa série de incêndios, que teve origem no dia 10 de outubro, foi de aproximadamente 28%, superando 66 mil hectares. Nesses 66 mil hectares foram atingidas diversas formações vegetais, como campos nativos, cerrados, veredas, matas, além de áreas de visitação, como o mirante do Salto do Rio Preto.

IHU On-Line — É possível contabilizar quais foram os prejuízos gerados no parque e estimar quais foram os impactos do incêndio na biodiversidade, na flora e na fauna?

Fernando Tatagiba — Os impactos negativos tanto na biodiversidade quanto na economia vão ser objeto de análise ainda pela própria administração do parque em conjunto com parceiros locais e pesquisadores. Por enquanto sabemos que o impacto foi enorme na biodiversidade, porque muitos ecossistemas são sensíveis ao fogo, ou seja, não toleram contato com o fogo, como é o caso das veredas e das florestas. Além disso, a economia ligada ao turismo da região, que é diretamente dependente da natureza, foi muito prejudicada, porque o parque permaneceu 19 dias fechado, incluindo o feriado de 12 de outubro. Então, o prejuízo foi significativo para a comunidade como um todo.

IHU On-Line – Esse dinheiro arrecadado com atividades de turismo, além do benefício que gera para a comunidade, é revertido para o parque também?

Fernando Tatagiba – Não diretamente, porque o parque não cobra taxa de ingressos para visitação. Quem ganha, do ponto de vista econômico, com a visitação do parque é a sociedade da Chapada dos Veadeiros e do Brasil como um todo, porque o visitante que vem ao parque tem uma série de despesas, desde pegar um táxi para vir até aqui, até se alimentar e se hospedar na região. Então, o parque, embora não gere receita para o Instituto Chico Mendes – ICMBio, contribui de uma maneira importante para o desenvolvimento da economia local.

IHU On-Line — Em outra entrevista você declarou que o início do incêndio foi um ato criminoso. Já foi possível, através da perícia e das investigações, identificar os autores desse ato?

Fernando Tatagiba – Como falei anteriormente, foi uma série de incêndios que desencadearam uma operação, e a Polícia Federal está desenvolvendo os trabalhos de investigação, com a colaboração Instituto Chico Mendes e com a comunidade local. Certamente vão identificar o local exato de origem de cada um desses incêndios e estabelecer também qual foi a autoria e a motivação, porque é possível que um desses incêndios tenha sido acidental, mas que outros tenham tido uma origem intencional. Nós confiamos no trabalho de investigação da Polícia Federal e estamos acompanhando esse trabalho de investigação e de coleta de informações.

IHU On-Line — Na sua avaliação, é possível estabelecer alguma relação entre o incêndio e a expansão do parque, em junho deste ano, quando passou de 65 mil para 240 mil hectares?

Fernando Tatagiba — Não temos elementos para estabelecer uma correlação, mas podemos afirmar com segurança que os incêndios foram criminosos, sejam eles de modo culposo ou doloso. Causar incêndio danificando a vegetação configura um crime, seja intencional ou acidental. E não há dúvida de que o incêndio foi provocado pelo homem.

Mapa do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Foto: Instituto Socioambiental)

IHU On-Line — Quanto tempo será necessário para ocorrer uma regeneração natural das áreas do parque que têm essa capacidade regenerativa?

Fernando Tatagiba – O tempo de regeneração varia de acordo com o tipo de formação vegetal atingida e do histórico de incêndio naquele determinado local. De maneira geral as vegetações mais abertas, como é o caso dos campos e do cerrado, tendem a se regenerar de forma mais acelerada, numa escala de alguns meses, enquanto as vegetações mais fechadas, como as matas ciliares, matas de galerias e veredas, que são mais sensíveis à incidência de incêndios, tendem a se regenerar numa velocidade menor, podendo demorar até décadas, dependendo do grau de severidade do incêndio.

IHU On-Line – A preservação do parque contraria interesses do setor agropecuário?

Fernando Tatagiba – Eu imagino que seja possível que a preservação ou gestão ou até a existência do parque contrarie alguns interesses individuais de alguns proprietários de terra, mas não necessariamente de produtores, porque a área onde foi criado o parque, e onde recentemente foi ampliado o seu espaço, não se presta à agricultura mecanizada, por exemplo. Então, na nossa visão, há muito mais convergência de interesses da existência do Parque Nacional com a atividade agrícola do que conflito de interesses. O Parque Nacional ampliado conserva mais de 460 nascentes, conserva populações importantes de polinizadores, de dispersores de sementes, de inimigos naturais de pragas agrícolas, para não falar de outros serviços ecossistêmicos que os ambientes do parque prestam para a sociedade e para o setor agrícola. Assim, o parque é muito mais um aliado do setor agrícola do que um antagonista. Quero crer que o setor agrícola de maneira geral apoia o Parque Nacional e que não é contrário à existência do parque ou a sua ampliação.

IHU On-Line — Como o poder público se manifestou diante da situação do incêndio?

Fernando Tatagiba — O poder público federal, que é responsável pela gestão do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, se manifestou imediatamente na forma de ação. O primeiro dos incêndios dessa série começou no dia 10 [de outubro], e logo no dia 11 já havia um reforço da sede do ICMBio, com técnicos especializados na coordenação de incêndios florestais. No dia 12, isto é, dois dias após o início, já havia dois aviões-tanque auxiliando no combate ao incêndio, e esse aporte de pessoal e de recursos técnicos e materiais foi crescendo à medida que o incêndio aumentava de tamanho e de complexidade. E o reforço veio não só do Instituto Chico Mendes, mas também de outros órgãos do governo federal, como é o caso do Ibama e da Polícia Rodoviária Federal, além do apoio de órgãos estaduais — esse apoio chegou mais tarde, mas foi importante para o controle e extinção dos incêndios.

IHU On-Line — Na imprensa, foram publicadas notícias de que o governo federal não tinha recursos suficientes para agir em casos como esse. Quais foram as dificuldades, inclusive financeiras, para conter o incêndio que ocorreu no parque?

Fernando Tatagiba — Nenhuma. É só observar friamente os recursos alocados ao longo desse combate para percebermos com tranquilidade que não houve restrição de recursos financeiros, humanos ou materiais. Foram mais de 150 combatentes, a maior parte custeada pelo governo federal, cinco aviões-tanque, helicóptero e um avião Hércules da Força Aérea Brasileira. Então, não é possível afirmar, de maneira alguma, que houve limitação de recursos por parte do governo federal para atuar no combate a esse incêndio.

IHU On-Line — É possível estimar qual seria o orçamento ideal para realizar todas as ações necessárias para recuperar o parque depois do incêndio?

Fernando Tatagiba — As estimativas nós iremos fazer com mais profundidade a partir de quinta-feira [16-11-2017]. Já havia a previsão de um encontro de pesquisadores da Chapada dos Veadeiros — é feito um encontro anual com os pesquisadores da Chapada —, marcado para ser realizado do dia 16 ao dia 19-11-2017, e o tema da restauração ambiental estará presente nesse encontro. Mas, do ponto de vista de custos, isso será objeto de análise, considerando o tamanho da área e a gravidade dos impactos negativos.

IHU On-Line — Que ações preventivas e de recuperação da área do parque devem ser feitas daqui para frente?

Fernando Tatagiba — O Parque e as Unidades do ICMBio já desenvolvem uma série de ações preventivas aos incêndios florestais. Uma delas é a confecção de aceiros[2]; anualmente confeccionamos quilômetros de aceiros, que é o estabelecimento de uma faixa próxima aos limites do Parque Nacional, com a supressão da vegetação, para que não haja combustível que possibilite a passagem de um incêndio de fora para dentro do parque. Além disso, começamos essas ações no início deste ano, em caráter experimental, mas já é uma metodologia que começamos a desenvolver e que daremos sequência no futuro, que é o chamado Manejo Integrado do Fogo. Entre outras linhas de ação, ele estabelece o mapeamento do acúmulo de combustível na área da Unidade e o mapeamento das áreas queimadas nos anos anteriores, visando o desenvolvimento de áreas de risco. Ou seja, a elaboração de mapas de maior risco para orientar termos prescritos que protejam ambientes sensíveis e que fragmentem o combustível acumulado, evitando que os incêndios atinjam as áreas mais sensíveis, evitando que atinjam ambientes que são habitats de espécies ameaçadas, raras ou endêmicas e que atinjam grandes proporções como o incêndio de outubro.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Fernando Tatagiba — Tanto o Instituto Chico Mendes como especificamente agestão do Parque Nacional saíram fortalecidos desse evento e com os laços fortemente estabelecidos com a sociedade. Durante esse combate, uma série de parcerias foram desenvolvidas e fortalecidas com a comunidade da Chapada dos Veadeiros, com o poder público e os governos estaduais. Então, se alguém teve a intenção de prejudicar o Parque Nacional e a comunidade da Chapada dos Veadeiros com a origem desse incêndio, foi “um tiro que saiu pela culatra”, porque a gestão e a comunidade saíram mais fortalecidas. Ontem mesmo, eu e a equipe do Parque Nacional estivemos reunidos com a sociedade civil da Chapada para nos prepararmos para o treinamento massivo de brigadistas, e o trabalho de equipar esses brigadistas no entorno do Parque Nacional para proteger não só a Unidade de Conservação, mas os imóveis rurais e as outras Unidades de Conservação privadas e municipais no entorno do parque. Apesar de sofrermos com os danos grandes causados ao Parque Nacional em razão desse incêndio, saímos felizes com essa parceria fortalecida com a comunidade do entorno.

Nota:

[1] O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros é uma unidade de conservação brasileira de proteção integral à natureza localizada na região centro-oeste do estado de Goiás, na Chapada dos Veadeiros. Até o final de maio de 2017, o parque abrangia uma área de 65 514 ha de cerrado de altitude, dos quais aproximadamente 60% ficam em Cavalcante e os demais 40% em Alto Paraíso de Goiás. O parque foi criado através do Decreto Nº 49.875, emitido pelo então Presidente da República, Juscelino Kubitschek, em 11 de janeiro de 1961. Em dezembro de 2001 o parque foi incluído na lista do Patrimônio Mundial pela UNESCO. Atualmente sua administração está a cargo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A Chapada dos Veadeiros é um importante centro dispersor de drenagem, com a maioria de seus rios escavando vales em forma de “V”. O principal é o rio Preto, um afluente do rio Tocantins, que forma várias cachoeiras ao longo de seu curso, com destaque para dois saltos respectivamente 80 e 120 m de altura. Entre as espécies da fauna que habitam o parque, cerca de 50 são classificadas como raras, endêmicas ou sob risco de extinção na área. No tocante à flora, já foram identificadas 1476 espécies de plantas no parque, das 6 429 que existem no bioma do cerrado. (Nota da IHU On-Line)

[2] Aceiro: o desbaste de um terreno em volta de propriedades, parques, matas e coivaras, que visa impedir propagação do fogo em caso de incêndios. (Nota da IHU On-Line)

Fonte: IHU

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